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terça-feira, 5 de julho de 2022

Eliane Brum e o Brasil sob Bolsonaro: O rompimento do mundo dos humanos

 


    O que acontece então quando a palavra é destruída e, com ela, a linguagem?

    Essa é a experiência do bolsonarismo, nome dado no Brasil a um fenômeno que se dissemina no planeta, ganhando em outros países nomes de outros déspotas.


Segue o artigo de Eliane Brum, publicado no El País em 14/10/2021


O rompimento do mundo dos humanos

Como a apreensão religiosa da realidade destrói a linguagem e ameaça o enfrentamento de nossa própria extinção



No princípio era o verbo. A frase que abre o primeiro capítulo do Evangelho de João e remete à criação do mundo, assim como também faz o Gênesis, é a mais famosa da Bíblia. A ideia de que o mundo é criado pela palavra, porém, é tão estruturante que está presente em outras religiões, para muito além das fundadas no cristianismo. Como humanos, a linguagem é o mundo que habitamos. Basta tentar imaginar um mundo em que não podemos usar palavras para dizer de nós e dos outros para compreender o que isso significa. Ou um mundo em que aquilo que você diz não é entendido pelo outro, e o que o outro diz não é entendido por você, para alcançar o que é ser reduzido a sons porque as palavras perderam seu significado e, portanto, se tornaram fantasmagorias. Quando uso a palavra “dizer” não significa apenas falar, porque a gente se diz com palavras, de várias maneiras para além da fala. Mais ainda do que o mundo que habitamos, a palavra é o que nos tece. Aquilo que chamamos mundo é uma trama de palavras.


O que acontece então quando a palavra é destruída e, com ela, a linguagem?

Essa é a experiência do bolsonarismo, nome dado no Brasil a um fenômeno que se dissemina no planeta, ganhando em outros países nomes de outros déspotas. Os personagens que emprestam nomes locais ao fenômeno são importantes e, em cada país, há particularidades. Mas o fenômeno precede aqueles que o encarnam e, infelizmente, irá além deles. É neste contexto que busco interpretar o Nobel da Paz dado a dois jornalistas que lutam pela busca da verdade contra ditadores eleitos que têm na destruição da palavra seu principal meio para alcançar e se perpetuar no poder.

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