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segunda-feira, 9 de maio de 2022

Discurso de Lula: enfim um rumo, por Aldo Fornazieri

 

Na ação política, conteúdo e forma precisam combinar para gerar uma sinergia produtiva e profícua. No discurso, Lula foi capaz de gerar essa combinação


Ricardo Stuckert

Discurso de Lula: enfim um rumo

por Aldo Fornazieri

Os discursos de Lula e de Alckmin na formalização da chapa, no último sábado, sinalizaram o conteúdo programático geral que deverá ser desenvolvido e defendido durante a campanha. Tanto o evento, quanto o conteúdo dos discursos foram alentadores, pois podem representar o início efetivo de uma campanha que não tem o direito de cometer erros.

Um início que significa também a saída de Lula do campo minado que estava armando para si mesmo, com uma série de declarações confusas que geraram repercussões negativas e produziram uma série de preocupações. Aparentemente Lula e a direção da campanha perceberam com rapidez que era preciso sair desse campo minado, apresentar um conteúdo mais assertivo e menos genérico. O discurso genérico nessa campanha é altamente perigoso. Todo discurso genérico se presta a interpretações e as interpretações formam a cultura levada para a estufa onde são criadas as distorções, as mentiras e as fake News.

Esta campanha, pelo seu significado e pelos perigos que o momento histórico representa para o Brasil, não comporta amadorismo, nem arrogância e nem triunfalismo. Em que pese a distância significativa que as simulações de segundo turno indicam, nenhuma disputa eleitoral pode se considerar vitoriosa antes da contagem dos votos. Nenhum candidato deve ter a presunção de se sentar na cadeira antes da consagração da vitória.

A conjuntura é favorável a uma vitória de Lula. Mas a disputa será difícil. E se a fortuna parece sorrir mais uma vez a Lula ele só terá a deusa nos braços se for virtuoso, se for astucioso e se conduzir a nau da campanha com maestria. É preciso considerar que é comum os ventos das campanhas mudarem de direção e que os imprevistos, os eventos contingentes estão sempre acompanhando as ações e os atores políticos.

Não se sabe ainda, por exemplo, qual será a estratégia de campanha de Bolsonaro. Não se sabe ainda quais as ferramentas de maldade que utilizará, com que naves pulverizará sobre as pessoas o ódio, a mentira e a desinformação. Não se sabe que efeitos esses afetos malignos produzirão nas mentes e nas escolhas das pessoas. O que se sabe é que muitas pessoas se deixam atrair por esses afetos.

Os que estão fora das campanhas e dos partidos também não sabem se o PT e Lula se prepararam, desde a experiência de 2018, para enfrentar essa máquina do ódio e se constituíram saberes, práticas e técnicas capazes de participar com êxito da guerra digital. Existem dúvidas e temores a esse respeito. Durante a campanha, o PT terá que provar que aprendeu com a derrota.

Não se sabe também com quais estratégias Ciro Gomes e os candidatos da chamada terceira via disputarão as eleições e quais os efeitos que elas produzirão sobre as intenções de voto. Seria presunçoso supor que eles permanecerão quase na estaca zero. Assim, se a análise de conjuntura e do cenário pode agregar uma série de informações e de tendências, uma estratégia que se prese precisa ser permanentemente calibrada pela evolução dos acontecimentos, pelas mudanças e pela intervenção dos incidentes e dos imprevistos que costumam ocorrer nas disputas políticas em geral e nas disputas eleitorais em particular.

Na ação política, conteúdo e forma precisam combinar para gerar uma sinergia produtiva e profícua. No discurso, Lula foi capaz de gerar essa combinação, algo que nas campanhas do passado ele foi mestre, mas que não se via nesta pré-campanha. Com efeito, em alguns eventos e discursos que vieram a público, Lula parecia mais o irado que Jeová entrincheirado no Monte Sinai a expelir colunas de fumaça e fogo de sua voz. Forçava a voz, assim como Alckmin a forçou naquele evento com os sindicalistas. Nem o conteúdo e nem a forma soavam agradáveis ao eleitor em geral.

Agora não. Lula foi a face e o verbo da serenidade.  Lula lembrou as injustiças de que foi vítima, mas não expressou nem sentimentos de rancor e nem de ódio. A história, os tribunais e a ONU já fizeram justiça ao injustiçado. Em parte, já fizeram justiça também aos algozes, pois estes saíram derrotados. Então Lula está correto em apresentar-se como alguém que tem o coração pacificado, que tem a serenidade dos justos.

Esta serenidade, contudo, não é indiferença. Cabe nela a justa indignação. Lula acertou também neste ponto em dois momentos altos do discurso. Um, no começo, quando Lula se referiu às dores, aos sofrimentos e tribulações do povo. A compaixão para com aqueles que mais sofrem é o ponto de partida de todo líder autêntico. Lula sempre teve isto na alma, pois ele era e é esse povo, mesmo não estando mais na condição de um atribulado pelas necessidades imediatas da vida. Esta capacidade de se emocionar e de emocionar é um dos grandes diferenciais persuasivos de Lula em relação a outros líderes. E esta emoção, tal como Lula a expressa, é também uma forma de indignação.

O outro momento foi no final, quando Lula confrontou as ameaças, as suspeições absurdas, as brigas intermináveis e as mentiras diárias de Bolsonaro. Não é este o papel de um presidente. O presidente precisa conduzir o país com calma, com união, com democracia.

O Brasil precisa de um líder equilibrado, sereno e competente para que possa superar a fome e a pobreza, para que possa sair da crise, para que possa caminhar para o crescimento e o desenvolvimento, para que consiga iniciar a transição ambiental. O Brasil precisa de um líder democrático, que respeite a Constituição e que garanta a normalidade.

Aqui a indignação apareceu veemente e justa, mas também serena. Lula não pode e nem deve ser o “Lulinha paz e amor”. Nesse momento, o Brasil não comporta esse tipo de líder. O Brasil precisa de um líder comprometido com os que mais sofrem, um líder indignado com as injustiças sociais e com os desmandos de um governo criminoso, mas um líder sereno e competente para retirar o país do abismo e do atoleiro, para restaurar a normalidade democrática, unir e conduzir o país e o povo com firmeza, coragem e sem medo.

Este líder não pode colocar-se no mesmo patamar de Bolsonaro. Não pode rebaixar-se à arruaça política de um delinquente. Este líder precisa afirmar sua autoridade pela grandeza da missão e pela consciência de que sua ação pastoral é decisiva para tirar o país do abismo e dos perigos em que está imerso.

Somente um líder com esta autoridade será capaz de reconduzir o Brasil no sentido da civilidade, da humanidade, da democracia, da Constituição. E por estar comprometido com o valor que define a autenticidade histórica do líder – a compaixão para com os que mais sofrem – Lula é o líder que melhor pode agir para restaurar, de forma prática, os princípios da liberdade, da justiça e da igualdade.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

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