Tribunal popular reavalia a atuação de Bolsonaro e o condena por cinco crimes
Um grito de clamor por justiça!
por César Locatelli
O Tuca foi palco, na quinta (25/11), do Tribunal do Genocídio. A condenação de Bolsonaro, nos cinco crimes, entre eles o crime de genocídio, foi unânime. O conteúdo das argumentações das(os) participantes do tribunal vem reforçar as conclusões da CPI da Covid.
A ex-Procuradora Geral da República, Débora Duprat, pela promotoria, trouxe, em sua peça acusatória, provas dos crimes de epidemia, charlatanismo, infração de medida sanitária preventiva, crime contra a humanidade e genocídio. Seguem trechos selecionados de sua exposição.
Exército produz cloroquina para “trazer tranquilidade a corações aflitos”
A acusação de crime de charlatanismo é relativa à promoção falsa de medicamento como eficaz para a cura da Covid-19, no que o presidente contou com o apoio do Exército. Diz Débora Duprat:
“O Comando do Exército foi chamado, pelo TCU, a esclarecer por que comprou os insumos – lembrando que o Exército tem laboratório de fabricação de cloroquina porque é um medicamento para malária … – com 167% de ágio, de sobrepreço em relação ao ano anterior. O Comando do Exército responde da seguinte maneira: ‘Era necessário trazer tranquilidade para os corações aflitos’.”
Cenas que precisam ser lembradas
Para demonstrar a infração de medida sanitária, Débora Duprat relembra duas das inúmeras aglomerações promovidas pelo presidente.
“Há dois lugares [de aglomeração promovida por Bolsonaro] que eu gostaria de chamar a atenção. Um em Uberlândia. Ele promove um evento quando o Brasil enfrenta a pior situação da Covid, quando todos os leitos de UTI estão ocupados no país… Ele promove uma aglomeração em Uberlândia sem o uso de máscaras. A outra é uma aglomeração no Rio Grande do Norte em que ele, sem máscara, pega no colo uma criança com máscara, ou seja, os pais tiveram a intenção que aquela criança fosse protegida, e tira a máscara, abaixa a máscara dessa criança.”
‘Um manda, outro obedece’
Embora seja impossível avaliar o número de mortes provocadas pelo atraso no início da vacinação, é certa a enorme letalidade originada pelo atraso no entendimento do governo federal com o Butantã.
“O Butantã começou a oferecer vacinas para o governo em julho de 2020. Disse que tinha capacidade de fornecer 60 milhões de doses da vacina, que seriam entregues até o último semestre de 2020. Renovou essa proposta em agosto de 2020. Até então, nenhuma resposta.
Em outubro de 2020, o Butantã começou a ter uma sinalização positiva do Ministério da Saúde de que sua vacina poderia ser incorporada ao programa nacional de imunização e, também, da ajuda na reforma de uma fábrica para a produção. Diante desse sinal positivo, o Butantã refez sua proposta e afirmou ter condições de oferecer 100 milhões de doses, sendo 45 milhões em dezembro, 15 milhões até o final de janeiro de 2021 e 40 milhões até maio de 2021.
Em 20 de outubro, o presidente do Butantã foi convidado para uma cerimônia no Ministério da Saúde. Na ocasião, Pazuello falou: ‘Essa vai ser a vacina brasileira’, além de prometer a incorporação de 46 milhões de doses ao plano nacional de imunização…
O mundo iniciou a vacinação em 8 de dezembro de 2020, aplicou 4 milhões de doses de vacina até o final de dezembro de 2020. O Butantã tinha disponíveis, para vacinação da população brasileira, 5,5 milhões de doses. Mas, Bolsonaro disse: ‘Não. A vacina chinesa, não. A vacina do Dória, não’. E foi aí que o ministro Pazuello disse: ‘Uma manda, o outro obedece’. E não tivemos vacina, por isso o atraso da vacinação no Brasil.”
O difícil papel da defesa
O advogado Fabio Tofic Simantob, pela defesa, argumentou contra a classificação dos atos de Bolsonaro como genocídio e favorável ao direito de todos à defesa. Segue trecho de sua argumentação:
“Eu venho aqui hoje fazer a defesa da legalidade. Eu não venho aqui fazer apologia do bolsonarismo, e nem poderia até porque eu estava aqui em 2018 naquele magnífico evento que pregava o ‘EleNão’, aqui nesse palco… Não venho fazer apologia do Presidente da República, não venho, muito menos, fazer apologia dos atos nefastos praticados pelo governo Bolsonaro. Não venho aqui, muito menos, negar os fatos e as provas pela digníssima acusação, representada por essa hoje grande advogada Débora Duprat. O que venho a Vossas Excelências é pedir que, dentro da PUC, nós possamos ser uma barreira contra o arbítrio, contra o autoritarismo penal. Que nós sejamos um exemplo de como se deve aplicar a lei penal num estado de direito.”
‘Eles não falam nossa língua. Não tem dinheiro. Não tem cultura’
Ex-Procuradora Geral da República usa sua réplica para compor caso de genocídio contra os povos indígenas:
“Há muita literatura sobre a gênese exatamente desse crime de genocídio, mas há um acordo de que os holocaustos europeus só foram possíveis porque a experiência da máxima violência foi vivida na América, nos chamados grandes descobrimentos. O europeu aqui chegando considerou o indígena um ser inferior, sem cultura, sem história, sem instituições. Por isso o expropriou de todo e qualquer direito, foi confinado, foi obrigado a viver uma vida que não era sua. Foi obrigado a adotar todos os códigos das sociedades envolventes.
E foi na América que se desenvolveu as grandes teorias raciais do século XIX, porque depois da submissão dos indígenas veio a escravidão. Essa noção de supremacia racial vai marcar o estados nacionais. Essa é a gênese da expulsão dos armênios pela Turquia. É a gênese também do holocausto dos judeus. Não é banalizar, longe de mim querer banalizar, mas o genocídio nasce não só com o evento morte, mas com o evento da superioridade, com a noção de que há segmentos superiores que devem comandar os demais…
De fato, genocídio é um crime contra uma etnia, um segmento religioso, um segmento moral, mas ela [a convenção sobre o crime de genocídio] tem um dispositivo que diz o seguinte: ‘submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar a destruição física total ou parcial. O que quis dizer esse dispositivo? Que o grupo é submetido a condições de tal forma externas à sua própria compreensão que ele deixa de existir como grupo, como povo.”
“Olhem o que Bolsonaro diz sobre os indígenas:
‘Eles não falam nossa língua. Não tem dinheiro. Não tem cultura. São povos nativos. Como eles conseguem ter 13% do território nacional? Como aqui não houve, como nos Estados Unidos, a morte de muitos deles. Não tem terra indígena onde não têm minerais. Ouro, estanho e magnésio estão nessas terras, especialmente na Amazônia, a área mais rica do mundo. Não entro nessa balela de defender terra para o índio. Se depender de mim, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola. Em 2019 vamos desmarcar a Raposa Serra do Sol. Vamos dar fuzil e armas a todos os fazendeiros.’
E deu. E deu. O MST sabe com está o campo. As populações indígenas sabem como está o entorno deles… Segundo relatório produzido pelo CIMI [Conselho Indigenista Missionário], em 2020, ano mais severo da pandemia, 201 terras indígenas estavam invadidas, de 145 povos, em 19 estados. Isso é sim cumprir com o requisito que está tanto na convenção quanto no estatuto de ‘submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar a destruição física total ou parcial’.
Os cinco crimes
Antes de dar a palavra às juradas e aos jurados, a desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Kenarik Boujikian, atuando como juíza-presidenta, repassou os crimes indicados pela acusação:
“A doutora Débora apresentou a acusação e indicou cinco crimes. O primeiro é o crime contra a humanidade previsto no Estatuto de Roma do Tribunal Penal internacional. O segundo crime é o crime de genocídio previsto em uma lei brasileira e previsto em documentos internacionais. Depois, ela indicou mais três crimes que estão no nosso código penal: o crime de epidemia, infração de medida sanitária preventiva e charlatanismo. Eu vou passar a palavra para cada um dos jurados para que se manifestem, cada um, sobre a absolvição ou condenação em relação a esses cinco crimes.”
“Cerca de 487 mil vidas poderiam ter sido poupadas”
O médico sanitarista, Arthur Chioro, pelo conselho de sentença, foi o primeiro a se pronunciar:
“Quero expressar, antes de mais nada, meu respeito e a minha solidariedade às mais de 613 mil famílias que perderam seus entes queridos. Gente que poderia e deveria estar hoje ainda vivendo entre nós, se não fosse o conjunto de crimes inacreditáveis, bárbaros, inclusive aqueles que tipificam como crimes contra a humanidade, cometidos pelo senhor Jair Bolsonaro, presidente da República, a quem de cara considero culpado.
Considero Bolsonaro culpado por sustentar e colocar em prática, em conluio com membros civis e militares que compõem o seu governo, empresários, parlamentares e todos aqueles que embarcaram e deram viabilidade à tese, esdrúxula e absolutamente anticientífica, da imunidade de rebanho por exposição massiva da população brasileira ao coronavírus, desconsiderando a gravidade do evento pandêmico, o maior em 100 anos de história, os alertas da Organização Mundial de Saúde e da comunidade científica…
(…)
Considero Jair Bolsonaro culpado por suas medidas, omissões e crimes terem transformado o Brasil, que possui apenas 2,7% da população, no epicentro mundial da pandemia com 12% dos óbitos registrados. Ainda que cerca de 126 mil óbitos brasileiros possam ser considerados inevitáveis a partir da média global, cerca de 487 mil vidas poderiam ter sido poupadas.
(…)
Considero Jair Bolsonaro culpado por não ter incidido sobre a chaga da desigualdade social, que atingiu desigualmente populações vulneráveis. A Covid não é democrática, matou de forma diferente os pretos, os pobres, as pessoas da periferia e todas as populações vulneráveis, em particular os povos indígenas.
(…)
Para que essa tragédia, que é a expressão de uma crime contra a humanidade, para que a necropolítica nunca mais seja modo de governo, para que possamos acreditar no futuro, na vida, na paz, na felicidade e na solidariedade, é que julgo como criminosos e genocidas o presidente Jair Bolsonaro e como seus cúmplices todos os negacionistas, do governo ou da sociedade civil, tanto aqueles que agiram explicitamente quando aqueles que se omitiram frente a tantas atrocidades. Para que essa história não se repita jamais, espero que Jair Bolsonaro seja julgado e condenado. Eu o considero culpado pelo crimes apresentados pela acusação, inclusive pelos crimes contra a humanidade pelos quais é acusado, o julgo culpado, também, por 613 mil vítimas, mas o julgo, pela evidência com os povos indígenas, culpado pelo crime de genocídio.”
Mais de 30% dos cotistas das universidades federais foram obrigados a abandonar suas vagas
O segundo jurado, Frei David Santos, diretor executivo do Educafro Brasil, pelo conselho de sentença, apresenta sua decisão de condenar Bolsonaro:
“Não tenho dúvida: das mais de 613 mil mortes que o Brasil sofreu, mais de 400 mil foram mortes desnecessárias, que seriam evitadas se a presidência da República, que coordena a União, fosse responsável. .. Dessas 400 mil mortes quantos eram afro-brasileiros? Bolsonaro é culpado. Todas as pesquisas mostram que a grande maioria eram afro-brasileiros.
(…)
Por causa da pandemia mais de 30% dos cotistas das universidades federais – política pública que conquistamos com muito suor e lágrimas – mais de 30% foram obrigados a abandonar suas vagas nas universidades. Isso eu não aceito. Alguém tem que pagar por isso.
Os afro-brasileiros da Educafro Brasil, entidade que eu dirijo, mais de 80% perderam suas vagas nas universidades por causa do desemprego e do abandono generalizado desse governo à população afro-brasileira. Quem vai pagar por isso? Tem culpado, sim. Não podemos ser omissos nesta hora de apresentar os culpados.”
O genocídio dos índios: um projeto histórico
O professor de história indígena Edson Kaiapó, pelo conselho de sentença
“Toda essa maldade, toda essa perversidade já apresentada pela acusação e pelos demais colegas do júri, quero ressaltar que o governo federal, para nós indígenas, foi e continua sendo o principal agente do genocídio. Suas irresponsabilidades, as suas omissões provocaram uma situação em que, por exemplo, os principais agentes da transmissão do coronavírus entre os povos indígenas são servidores do governo federal, da saúde e de outras instituições.
Essa mesma omissão do Estado, que tem a ver com fake news, com o negacionismo, com a própria relativização da doença, provocou uma situação de invasão dos territórios indígenas. O próprio governo, por uma voz oficial, de um senhor que era ministro do meio ambiente, senhor Salles, falava então, em plena pandemia, que era necessário fazer a boiada passar, se reportando ao agronegócio, ao latifúndio invadindo os território indígenas. São ações convergentes que agravaram a situação de pandemia entre os povos indígenas.
(…)
É uma série de instrumentos, de artifícios, inclusive jurídicos e políticos e ações de todo tipo que os Estados português e brasileiro têm utilizado ao longo da história, como por exemplo as guerras justas que foram decretadas contra os nossos antepassados por não aceitarem a fé cristã e não aceitarem as ordens da coroa portuguesa, como dizia o Estado português. E ainda lembrando as próprias ações missionárias, especialmente eu quero me reportar nos dias de hoje, em tempos de pandemia, ações missionárias de grupos extremamente conservadores, que não são todos obviamente os missionários conservadores, me reporto aqui, e quero falar isso sem rancor, aos grupos neopentecostais que não respeitam os povos indígenas e que tem sido vetores de extermínio junto aos nossos povos.
Para nós, povos indígenas, está muito evidente, nos casos históricos, e nesse momento novamente se repetindo, o epistemicídio, que Boaventura Sousa Santos apresenta como uma tradição, um conhecimento que vem de fora para exterminar os conhecimentos locais.
Para nós está muito evidente a política do ecocídio, a ação do ecocídio. especialmente nesse momento em que o próprio Estado afirma sobre a necessidade de fazer a boiada passar, enquanto a pandemia acontece, a boiada passar especialmente dentro dos territórios indígenas, ou seja, a instalação do agronegócio.
Está muito evidente a repetição de uma ação de necropolítica, que é o extermínio de grupos de pessoas subalternizadas e fecho o foco para reportar aos povos indígenas. Sobretudo está caracterizado, no meu parecer, um genocídio, que é na verdade um projeto histórico e que nesse momento é retomado com bastante fôlego através da pandemia da Covid-19.”
“Sua vida e sua obra devem ser depositadas no lixo da história”
Membro da coordenação nacional do MST, João Pedro Stedile, pelo conselho de sentença, faz a sustentação de seu voto. Ele agrega outros argumentos para fundamentar sua condenação. Aponta os crimes ambientais: as queimadas, as invasões às terras indígenas, o incentivo e a liberação de mais 400 novos rótulos de agrotóxicos. Denuncia a paralisação da reforma agrária e de todas as políticas de estímulo à produção de alimentos. Culpa o governo por agressões contra a soberania nacional e contra as estatais, pelo desmonte da Petrobras, da Eletrobras e da indústria naval e, também, pelos planos de entregar os Correios, a Caixa e o serviço de processamento de dados. Qualifica de estúpida a liberação do uso de armas e condena a entrega da base de Alcântara, no Maranhão, aos interesses do capital dos Estados Unidos.
E conclui:
“Por tudo isso, colegas do Tribunal, em nome do MST e dos movimentos que compõem a Frente
Brasil Popular, quero aqui pedir a condenação do ‘Capetão’ Jair Bolsonaro e todo seu governo. Proponho que se condene, primeiro, a devolver todos os recursos públicos usurpados no sistema de rachadinha do Rio de Janeiro.
Segunda coordenação: que ele revele quem mandou matar Marielle Vive. Que se condene a que ele revele quem mandou matar o miliciano Adriano Nóbrega, seu colega, lá na Bahia. Que ele revele quem contratou o senhor Abílio para fazer aquele papel do teatrinho da facada em Juiz de Fora. Que ele revele quem pagou os poderosos computadores, instalados na Irlanda e Taiwan para, durante toda a campanha de 18 e até agora, emitirem milhões de mensagens de fake news contra o povo brasileiro, contra a esquerda e contra todos os adversários
Queremos saber quem está pagando por toda essa despesa, porque não é do salário dele, talvez a Faria Lima e Avenida Paulista tenham muitos dos seus pagadores e eles precisam ser responsabilizados por esses crimes que agora resultam em mortes.
Quarta proposta de condenação é que o nome desse sujeito, sua vida e obra devem ser depositadas na lata do lixo da história, fazendo companhia com seus líderes Hitler, Mussolini, Pinochet, Fleury e Coronel Ulstra. Todos eles na mesma lata do lixo. E, por último, eu proponho que se condene a ele devolver o cargo de presidente da república para o povo brasileiro Esse é o meu voto.”
“A gente não é julgado, a gente já é condenado”
Luana Hansen, DJ e Mc e produtora musical, pelo conselho de sentença, inicia sua fala com foco no “privilégio” que Bolsonaro tem de ser julgado, pois a periferia é assassinada sem direito a julgamento:
“Por exemplo, quando uma mãe entra no mercado e rouba um miojo para alimentar a família dela, ela já é tratada como culpada … o presidente não. Ainda tem defesa, ainda é julgado. E as mortes quando acontecem na periferia que a polícia chega e assassina? A gente não é julgado, a gente já é condenado, então o que eu só queria é que ele fosse tratado, principalmente, como culpado que isso ele não foi ainda.
(…)
Eu mesmo não votei nele, mas ele estava lá. Não sei justificar até hoje como ele chegou a ser o presidente desse país. Só que eu consigo ver nitidamente a periferia morrendo e passando fome. Não vou dizer para vocês que a gente não passava fome, só está piorando a situação da gente, porque a fome está em todos os lugares. Se você sair daqui agora, você vai ver que aumentou o índice de pessoas em situação de rua, aumentou muito índice. Isso é culpa de quê? De uma economia fracassada, de um presidente fracassado, de uma política fracassada e de respostas de uma vacina que… demorou para chegar e demorou porque teve, como foi dito aqui, 80 emails negados. É absurdo isso, é absurdo a gente não colocar que o povo … a gente não tem esse acesso e ele teve acesso a poderia ter mudado a vida de muita gente e morte, gente, não volta, quem perdeu não volta.
(…)
Então eu acho que condenar ele é pouco. Ele deveria pagar de uma forma verdadeira pelo que ele está fazendo e perder, de fato, como foi colocado aqui, os cargos e devolver aquilo que ele roubou nosso para o povo, porque ele não é o presidente, ele não merecia estar ali e realmente o lixo ainda é muito para ele, porque lixo pode ser reciclável. No caso do Bolsonaro, nem isso.”
“Vamos amassar igual baratas, eles vão morrer igual baratas”
Sheila de Carvalho, advogada internacional de direitos humanos, pelo conselho de sentença, faz a ligação entre os mais de 300 anos de escravidão, os massacres nas periferias e a ação de Bolsonaro durante a pandemia.
“Não tem como a gente fazer essa discussão, hoje, sobre se é genocídio ou não, sem olhar a história. Sem entender e realmente tentar compreender o impacto de mais de três séculos de escravidão
nas estruturas brasileiras. Entender o quanto a escravidão de pessoas negras ainda é um elemento que estrutura todas as nossas relações enquanto sociedade.
Nós precisamos ver a história para analisar o presente e determinar o futuro. Então eu peço que vocês façam esse exercício, de olhar quem foram as maiores vítimas dessa pandemia. E aí, nós sabemos isso hoje, nós sabemos até aquilo naquele momento: março de 2020. Quantas vezes – não, Frei David? – o movimento negro apontou, no começo da pandemia, de que a gente vai morrer mais? Quantas vezes o movimento indígena não pontuou: a gente vai morrer mais? Quantas vezes, Luana, o movimento periférico não colocou: nós que vamos morrer? Março de 2020.
Não eram só as pessoas nesse palco que sabiam que ia morrer mais. Bolsonaro tinha muita ciência de quem ia morrer. E aí eu trago para essa análise uma fala que ele nos brindou durante a sua campanha eleitoral nas eleições de 2018 e naquele momento tinha acontecido mais uma chacina no Rio de Janeiro, mais uma chacina numa favela do Rio de Janeiro e ele estava numa coletiva de imprensa e ele foi questionado e pelos jornalistas presentes sobre o que ele achava disso, sobre a violência policial nas periferias do Rio de Janeiro. A frase dele foi: ‘Vamos amassar igual baratas, eles vão morrer igual baratas’.
Esse já foi o propósito quando ele entrou no governo. A pandemia foi um mecanismo eficaz para ele efetivar uma política de morte que ele já tinha a intenção de aplicar no nosso país.
(…)
Então, eu venho aqui falar para vocês que sim, vidas negras importam, vidas indígenas importam, vidas quilombolas importam e a gente reforça isso porque por toda a história brasileira nos foi ensinado de que essas vidas não importam. E para a gente garantir que todas as vidas importam mesmo, a gente precisa responsabilizar o crime, a barbárie, a desumanidade que estamos assistindo hoje no Brasil pela pessoa que ocupa o cargo da presidência da república. Para que nunca mais se repita, para que nunca mais aconteça, Que Bolsonaro seja condenado por ser um genocida.”
A criação de baratas em seu cabelo
A professora da Puc-SP, Lucineia Rosa dos Santos, pelo conselho de sentença, entende a atuação de Bolsonaro na pandemia como um continuação do genocídio histórica, porém intensificada.
“Eu quero aqui trazer, e fiz questão de trazer, algumas falas ditas pelo presidente da república. Falas essas que trazem o seu racismo impregnado. Ao dizer, inclusive sendo condenado, ao dizer que os seus filhos foram bem educados e jamais casariam com uma mulher negra. Ao dizer, por exemplo, que os quilombolas nem sequer sabem procriar ou ao mencionar a um apoiador como é que estava ali a criação de baratas em seu cabelo. Isso e tantas outras falas racistas.
(…)
Com todas essas ações, desse governo, desse Presidente da República, a sua posição de racista e vindo uma pandemia, falando de uma imunidade em rebanho, já se sabia quem seriam essas pessoas, se não pobres negros e indígenas. Então, não houve algo não preparado. Sim, porque você sabendo de uma grande desigualdade e onde está essa população de negros, pretos e pardos, sabe-se sim: ‘vamos exterminá-los’. Da mesma forma aos indígenas, que está aí mais do que provado, com todas as ações praticadas em relação também aos indígenas e que sabemos qual é o motivo: para valorizar, para atribuir sabemos que grupos se beneficiam também com o extermínio dos indígenas. Então não há como aqui mencionar um ou outro crime, todos foram efetivamente praticados.
(…)
Eu tive não foi um nem dois membros da minha família mortos. Não foi um não foram dois amigos mortos… meus familiares foram cinco… Eu dizia: ‘puxa faltava tão pouco tempo para vacina’. Muitos deles se cuidando, mas não conseguiram, muitos não conseguiram.”
Um clamor por justiça!
Kenarik Boujikian, atuando como juíza-presidenta, encerra os trabalhos:
“Eu espero que todos que estão aqui um dia possam, em breve, o quanto mais breve possível, realizar esse julgamento pelas autoridades próprias, pela instância próprias. Que o Tribunal Penal Internacional cumpra o seu papel. Que o Poder Judiciário brasileiro, que o Ministério Público brasileiro façam seu papel e façam o julgamento devido em relação aos crimes que lhe [a Bolsonaro] foram imputados.
Que outras esferas, com crimes de outras categorias, crimes de responsabilidade, também sejam, efetivamente, julgados. Nós temos mais de uma centena de representações referentes ao impeachment e, até hoje, isso não aconteceu.
Este tribunal é um grito de clamor por justiça.”
O Tribunal do Genocídio, organizado pelo Coletivo Professor André Naveiro Russo, junto com docentes, estudantes e funcionários e apoio da Reitoria da PUC-SP, teve como objetivo julgar os atos e as omissões dos responsáveis pelas mais de 600 mil mortes no Brasil, em razão da pandemia de Covid-19. A íntegra está disponível no canal da TvPuc no YouTube.
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