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terça-feira, 16 de novembro de 2021

A Raposa e as Uvas, ou o Presidente e a Petrobras, por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

 

Desde 2016, privatizar a Petrobras tem sido a menina dos olhos de quem pretende ter para si o patrimônio público. Virou promessa para atrair financiamento de campanha.

A Raposa e as Uvas, ou o Presidente e a Petrobras

por Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva

Esopo (620AC – 564AC), La Fontaine (1621 -1695), Millôr Fernandes (1923 – 2012), até Jô Soares transcreveram a fábula de “A Raposa e as Uvas”. Para Esopo, a raposa não conseguiu escalar a parreira; para La Fontaine, as uvas estavam sobre a estrada e ela teria de pular para pegá-las. Nos dois casos, bem como em todas as outras versões, a moral é a mesma, já que não as poderia ter, desprezou-as.

Desde 2016, privatizar a Petrobras tem sido a menina dos olhos de quem pretende ter para si o patrimônio público. Virou promessa para atrair financiamento de campanha. Ocorre que, como aglomerado, é uma empresa invendável, dado sua magnitude, considerando seu património líquido, além de seu “goodwill” que é o termo em inglês para significar o valor da  marca, de seus contratos, de sua infraestrutura de  distribuição e poder político.

Sim, toda a empresa de porte tem, embutido no seu valor cotado a mercado, o seu poder político. Ninguém seria ingênuo a ponto de crer que os Estados Unidos  tenham entrado na guerra dos chips, sem o poder político da Apple e congêneres americanas. A Petrobras detém um poder político incalculável, seja via distribuição de sua verba de propaganda, seja pelo apoio a atividades culturais que, no fundo, são políticas também. Manter a Petrobras estatal traz, para os governantes, seja lá de que partido, um poder fantástico que, por isso mesmo, é alvo de cobiça dos opositores e, principalmente, de quem não quer o desenvolvimento do país como nação.

No “goodwill” da  Petrobras, assim como no de toda a mineradora, há os direitos de exploração, que se dividem em três magnitudes: reservas medidas, reservas estimadas e reservas inferidas. No primeiro grupo, estão os poços já em exploração, assim como os já prospectados e passíveis de exploração. No segundo grupo, estão as reservas em prospecção, cujos indícios, via instrumentos estatísticos, permitem estimar quanto da substância pode-se encontrar. No terceiro grupo, encontram-se as reservas cujas condições geológicas fazem crer que ali haja a substância desejada e, pela dimensão da formação, pode-se inferir o montante a explorar. O valor presente do preço da substância multiplicado pelas reservas  influencia a cotação a mercado muito mais contundentemente do que o patrimônio líquido.

Ao contrário do discurso autista constantemente veiculado justificando a política de preços atual, importante é reduzir o “goodwill” da Petrobras par facilitar sua venda. Foi por isso que se venderam refinarias e, principalmente, a BR Distribuidora. Embora se alegue que a privatização das refinarias traria concorrência, portanto, redução de preço, expectativa mais improvável que acertar na Megasena. É que, como todos já sabiam, simplesmente refinar não leva os derivados ao seu destino. Para que refinar contribua para a concorrência, é preciso que cada uma das plantas tenha seu sistema de distribuição e seu mercado cativo. O resultado foi a inexorável queda do refino interno e o aumento da importação de combustíveis e derivados, com a respectiva elevação de preços, deixando-os tão voláteis quanto a taxa de câmbio. A intenção era unicamente diminuir o valor da empresa como um todo, tornando sua privatização mais viável.

Da mesma forma, a venda da BR Distribuidora não mudaria em nada a concorrência, consequentemente, não contribuiria para reduzir preço algum nas bombas e todos sempre souberam disso. A meta não poderia ser outra se não baixar ainda mais seu valor, tornando-a – digamos – mais privatizável.

O negócio do petróleo no Brasil nasceu da exploração, que não interessava a multinacional alguma, expandiu-se para o refino e chegou à distribuição. Agora, que o sistema é um dos maiores do planeta, passou a interessar quem  desdenhou dele por mais de oitenta anos, desde que o Brasil passou a ser economia significativa na geopolítica. Trata-se de negócio tão complexo que, apesar de toda a mutilação a que vem sendo exposta, ainda assim é grande demais para caber no bolso de algum candidato a dono. É preciso  fatiar, como diz o presidente, daí vender a única planta de extração a partir do xisto.

Tornar a Petrobras a vilão da inflação poderia ser uma estratégia para pôr o povo do lado da privatização, o que também reduziria seu valor cotado a mercado, ao mesmo tempo em que renderia dividendos a quem já detém parcela significativa de seu capital. Ora, se a Lava a Jato não conseguiu fazer, por que pôr nela a culpa pela inflação teria sucesso? O resultado tem sido o contrário, afetando fortemente a popularidade do governante. Então, o presidente, por não conseguir usá-la como instrumento de poder, nem cumprir o compromisso com quem o financiou, faz exatamente como a raposa, desprezando-a, só que afirmando que a Petrobras é um monstrengo, problema.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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