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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Xadrez do impasse final entre democracia para todos x ditadura de bolsonaro, por Luis Nassif

Garantir Bolsonaro será submeter as Forças Armadas ao pior caudilhismo que já surgiu na América Latina, ao nível de um Rafael Trujillo, da República Dominicana.

Peça 1 – STF pagou para ver

A primeira peça do nosso xadrez é que o Supremo Tribunal Federal (ST) pagou para ver. Não há recuo possível. Qualquer recuo significará o campo aberto para o golpe final de Jair Bolsonaro.
Portanto, haverá um desfecho breve. Ou Bolsonaro se curva às determinações do STF; ou ganha salvo-conduto para perpetrar o golpe final, conforme anunciado ontem por seu filho Eduardo Bolsonaro.

Peça 2 – o relatório dos fakenews

O Ministro Alexandre de Moraes teve mais de um ano para investigar os fakenews. Montou o seu xadrez assessorado por pessoas de confiança da Polícia Civil de São Paulo e da Polícia Federal. A escolha dos alvos não foi aleatória, e o aprofundamento das investigações não ficou na superfície das manifestações públicas dos militantes do ódio. O inquérito bate nos principais disseminadores de ódio, nos financiadores, mapeia o funcionamento das redes de robôs e junta todas as peças que comprovam a existência de uma organização criminosa, com vínculos diretos com o Palácio de governo.

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O inquérito se baseou em depoimentos de Joyce Hasselman e Alexandre Frota. Levantou perfis falsos e mensagens idênticas apresentadas como originais de cada perfil.
Um dos depoimentos, do deputado Heitor Freire, apontou diretamente três assessores especiais da Presidência da República, Matheus Sales, Mateus Matos Diniz e Tercio Arnaud Tomaz, integrantes principais do chamado “Gabinete do Ódio”.
“Esse “gabinete” coordena nacional e regionalmente a propagação dessas mensagens falsas ou agressivas, contando para isso com a atuação interligada de uma grande quantidade de páginas nas redes sociais, que replicam quase instantaneamente as mensagens de interesse do “gabinete”. Essa organização conta com vários colaboradores nos diferentes Estados, a grande maioria sendo assessores de parlamentares federais e estaduais”.
As pesquisas do inquérito analisaram cruzamentos em torno de palavras-chave de ataques a membros do STF e chegaram a onze perfis do Twitter coordenadores da rede.
O acesso a computadores e celulares permitirá levantar inclusive manifestações da família Bolsonaro, palavras de ordem e articulações políticas, contra a democracia e contra o  isolamento.
O inquérito pede busca e apreensão, bloqueio de contas em redes sociais, oitiva com Polícia Federal, quebra do sigilo bancário dos empresários financiadores, oitivas de parlamentares envolvidos.
São amplas as possibilidades de levantamento de crimes variados, podendo chegar à organização de milícias armadas, como já é público em grupos como comprovam as manifestações do grupo liderado por Sara Winter, ativista bolsonarista.
O próprio relatório do inquérito já deixa explícitos os seguintes pontos, independentemente do que vier a ser levantado da análise dos equipamentos apreendidos:
  1. Foram cometidos crimes, ao se montar campanhas financiadas de ataques contra as instituições e com o uso de robôs, caracterizando a existência de uma organização criminosa.
  2. Foram identificados agentes do crime trabalhando dentro da sede do governo, no tal “Gabinete do Ódio”.
  3. Há provas concretas do comando do gabinete do ódio por Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República.
Ao mapear o financiamento da máquina, as manifestações saem do campo da liberdade de expressão e passam a ser enquadradas como crime organizado.
O relatório mostra também manifestações de empresários, como Edgard Corona, estimulando as ações.

Peça 3 – o esquema Bolsonaro e o fator Augusto Aras

Nos embates de ontem, dois órgãos de governo e um de Estado se comportaram como advogados dos envolvidos, mostrando o aparelhamento total da máquina pública. Do lado do governo, o Ministro da Justiça e a Advocacia Geral da União assumindo a defesa do Ministro Abraham Weintraub. Do lado da Procuradoria Geral da República, um súbito acesso de garantismo, arguindo a ilegalidade do inquérito.
E aí entra-se na seguinte situação.
Ontem, em entrevista ao GGN, o jurista Lênio Streck sintetizou os principais pontos e principais dúvidas em relação ao quadro atual.
  1. O inquérito é visto como legal e constitucional por se basear em um princípio adotado pelos países democráticos: quando a Suprema Corte sofre ataques e não é defendida pelos poderes adequados – o Ministério Público -, tem o direito de abrir e conduzir investigações. Portanto o inquérito, em si, é legal, apesar do Supremo ser a última instância.
  2. Não houve um movimento sequer da PGR em relação aos crimes cometidos, mesmo tendo o STF como vítima, caracterizando, assim, o vácuo que se criou na defesa do Supremo.
  3. Mesmo assim, concluído o inquérito a denúncia só poderá ser feita pelo Procurador Geral da República. Se o PGR não quiser levar a denúncia adiante, cria-se um vácuo.
O PGR está submetido a duas pressões. Até agora, a pressão vitoriosa é do Presidente da República. Mas há a pressão da opinião pública e, especialmente, da sua própria corporação. Dependendo das evidências levantadas pelo inquérito, Aras terá que se haver com sua própria biografia e com as consequências de seus atos. Há uma boa probabilidade de que, entre a Constituição e o Presidente, opte pela Constituição.

Peça 4 – o impasse final e o fator militar

Nos próximos dias haverá embates de monta entre os dois poderes.
O STF insistirá no inquérito e poderá exigir até depoimentos do próprio Bolsonaro. Mais que isso, o final do inquérito comprovará as denúncias da peça inicial, de envolvimento de assessores diretos da Presidência e do próprio filho Carlos Bolsonaro com os crimes apontados.
Por seu lado, Bolsonaro tem estimulado seu Ministro da Educação Abraham Weintraub a não acatar a determinação do STF de prestar depoimento à Polícia Federal. O episódio Wentraub será o primeiro round desse conflito. Criado o impasse, se saberá se o endosso do fator militar tem sido um blefe de Bolsonaro ou uma ameaça real.
Nas últimas semanas, a imprensa mundial passou a responsabilizar diretamente os militares no governo de Bolsonaro como responsáveis pela crise da saúde e da economia. Deram endosso total a Bolsonaro no desmonte das políticas de precaução do Ministério da Saúde.
Além disso, há ligações evidentes dos Bolsonaro com o crime organizado, as milícias. E houve endosso à decisão de Bolsonaro de ampliar a autorização para a posse de armas pela população e para o não rastreamento da munição adquirida.
Há várias manifestações pretendendo substituir as Forças Armadas pelas milícias armadas, como garantidoras do governo, conforme tuites antigos de Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho.
Garantir Bolsonaro será submeter as Forças Armadas ao pior caudilhismo que já surgiu na América Latina, ao nível de um Rafael Trujillo, da República Dominicana.
Além disso, o endosso americano às loucuras de Bolsonaro está restrito a um apoio cada vez mais claudicante de Donald Trump. A derrota de Trump, nas próximas eleições, tirará dos Bolsonaro seu único ponto de apoio no mundo.
Por outro lado, não se pode ignorar o fascínio de um cargo civil, as portas que se abrem para familiares e para o mercado de trabalho do lobby, depois da reforma. E o enorme espaço aberto por Bolsonaro para a entrada de militares em áreas do Estado.
O destino da democracia brasileira será decidido nos próximos dias.

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