Leneide Duarte-Plon é uma jornalista brasileira vivendo na França. Conhecida analista social e crítica do sistema imperante. Já publicamos textos dela neste blog. Este é particularmente importante. De forma realista nos pinta eventuais cenários que poderão seguir no pós-pandemia. Eles nos preocupam. Eu alimento a esperança de que os bilhardários e dos donos do poder econômico e militar terão que aprender as lições que a própria Terra vai lhes dar para pô-los,como agora, novamentede joelhos e tirar-lhes a arrogância. Eles não podem comer dólares, euros ou ouro. Terão que comer daquilo que a Terra dá e ela, parece,não querer mais dar possibilidades aos super-ricos e ultra-consumistas aqulo que eles pretendem controlar para seu desfrute egoista. Ele também têm os pés de barro e, o que é pior, as cabeças vazias de humanidade, solidariedade, cuidado da Casa Comum. A cabeça deles está cheia de cifrões, enfim, de riquezas materiais que a Terra um dia vai comer. Leiamos este texto de Leneide para estarmos atentos ao que poderá vir e como podemos já agora resistir e confiar que ninguém e nada é mais forte do que a Vida e Aquele que rege os destinos do universo e da Terra e da humanidade. - Leonardo Boff
Que mundo a pandemia vai gerar?
A construção de uma nova mundialização, mais solidária, mais ecológica, menos voltada para o lucro, é uma decisão de todos.
O mundo que vai nascer dos escombros dos Estados atuais será mais justo ?
Para o linguista e filósofo americano Noam Chomsky, temos escolha. Mas quem vai decidir é o poder político.
Chomsky desenvolveu de forma brilhante uma análise da crise atual em recente entrevista, publicada no site Opera Mundi.
« Em que tipo de mundo nós queremos viver? De qualquer forma, haverá opções. Desde a instalação de Estados autoritários por toda parte até a reconstrução da sociedade em termos mais humanos, para atender às necessidades humanas ao invés do lucro privado. »
Mas a esperança de ver um novo mundo mais solidário, mais preocupado com a preservação da natureza e com a justiça social emergir da atual pandemia – crise sanitária que paralisou o planeta, originando a maior crise econômica e social depois de 1929 – pode ser apenas um sonho de utopistas do mundo inteiro.
“Meu receio é que o mundo que vai surgir se assemelhe demais ao mundo que conhecíamos, mas em versão piorada ».
A frase não é de um filósofo. É de Jean-Yves Le Drian, atual ministro das relações exteriores da França e ex-ministro da Defesa do presidente François Hollande. Um homem que vem do Partido Socialista francês e não é um noviço em relações internacionais.
Para quem não lembra, foi ele quem recebeu de Bolsonaro um bolo inédito. Na hora do encontro previamente agendado do ministro francês com o presidente do Brasil, o capitão foi cortar o cabelo e deixou Le Drian a ver navios. E, para ficar bem claro que estava ocupado em coisas mais importantes que política internacional, o inacreditável personagem fez questão de divulgar as cenas do corte de cabelo em redes sociais.
Como Le Drian, alguns filósofos jogam uma ducha de água fria na esperança do ser humano sair mais maduro e menos egoísta dessa pandemia.
Não é o caso do filósofo alemão Hartmut Rosa, que ressalta que o poder político, e somente ele, tem em suas mãos condições de mudar drasticamente uma realidade nacional fechando escolas, paralisando os transportes, fechando comércio e confinando a totalidade da população. Em entrevita ao jornal « Libération », ele desenvolveu a idéia que deixa uma porta entreaberta :
« Temos hoje 85% do tráfego aéreo bloqueado, aviões no solo. Isso parece um milagre impensável em tão pouco tempo. Essa interrupção de voos não foi provocada por uma guerra, por uma tragédia econômica nem por uma catástrofe natural. Não foi o vírus que derrubou aviões e fechou nossas escolas, cinemas e universidades e interrompeu campeonatos de futebol. Foi uma decisão política. A desaceleração espetacular que estamos vivendo é o resultado de uma ação política. No entanto, a política parecia impotente diante da crise climática, dos mercados financeiros e do aumento das desigualdades sociais. De repente, vemos que uma ação política eficaz é possível ! »
Com a volta a uma normalidade que não será jamais a mesma de antes pois o vírus não vai desaparecer, possivelmente voltará a busca pelo crescimento e pela acumulação de capital. Mas os Estados-nação, como a França já anunciou, vão decidir se fortalecer buscando relocalizar indústrias estratégicas – de medicamentos e componentes de saúde, por exemplo – que tinham partido maciçamente para a China, em busca de mão de obra barata.
« Nenhum modelo econômico ou sociológico, nenhuma ciência futura pode predizer como iremos continuar, se iremos voltar ao antigo modelo ou encontrar novas idéias e soluções, sobretudo para a crise climática. Tudo é uma questão de ação política », diz Hartmut Rosa.
O mundo pós-Covid19, no entanto, pode agravar as desigualdades e os problemas ecológicos. Segundo uma matéria publicada no jornal Le Monde, “Le monde d’après, selon Wall Street », o mundo de amanhã será o de ontem mais cartelizado, mais globalizado, mais tecnológico e mais virtual. Enquanto a crise fez cair em 25% o índice da Bolsa francesa (CAC 40), o índice de Wall Street só diminuiu 12% desde o início do ano. As ações da Amazon, por sua vez, tiveram um crescimento espetacular de 23,7% de janeiro a 1° de maio. E muitos bilionários estão ganhando com a pandemia.
Philip Mirowski, filósofo do pensamento econômico, diz, em entrevista ao jornal « Libération » que o atual aumento da solidariedade que vemos em diversos países é apenas um progresso enganoso e passageiro.
« Nos Estados Unidos, enquanto há mais de 30 milhões de novos desempregados, a fortuna acumulada pelos bilionários aumentou de mais de 300 bilhões de dólares na crise atual. Se olharmos no retrovisor, vamos ver que não há motivo para otimismo : depois da crise das subprimes de 2008, os financiamentos foram dirigidos para as empresas e a austeridade foi para os particulares. »
Uma ducha de água fria na nossa esperança de que « um outro mundo é possível » …
Mirowski continua : « O pós-coronavírus não será favorável ao modelo de sociedade que a esquerda defende, veremos uma aceleração das medidas neoliberais. Penso que nos dirigimos a um momento de estabilização da plutocracia, isto é, um pequeno grupo de ricos vai se apoderar de um imenso poder ».
Para Mirowski, o que vai surgir depois da pandemia é um mercado ainda menos regulado, uma indústria farmacêutica cada vez mais forte e um fortalecimento do discurso populista.
Quem esperava de Philip Mirowski palavras otimistas, um pouco de entusiasmo pelas novas oportunidades de construção de um mundo de mais justiça social, tem duas opções : discordar de tudo o que ele diz e manter sua utopia. Ou jogar a toalha e desistir da luta política. Para não se jogar pela janela.
Alemanha e França : crescimento negativo
A Alemanha e a França, as maiores economias européias, tiveram a mais baixa atividade econômica depois da guerra. O crescimento econômico das duas potências será negativo este ano e setores como o turismo, a cultura, a construção aeronáutica e o luxo – carros-chefes da economia francesa, juntamente com a indústria de armamentos – terão perdas fenomenais.
Chomsky não é otimista quanto ao futuro e lembra que nunca estivemos tão perto de catástrofes planetárias como a guerra nuclear e o agravamento do aquecimento global :
« O coronavírus é algo sério o suficiente, mas vale lembrar que há algo muito mais terrível se aproximando, estamos correndo para o desastre, algo muito pior que qualquer coisa que já aconteceu na história da humanidade e Trump e seus lacaios estão à frente disso, na corrida para o abismo. Há duas ameaças imensas que estamos encarando. Uma é a crescente ameaça de guerra nuclear, exacerbada pela tensão dos regimes militares e claro pelo aquecimento global. Ambas podem ser resolvidas, mas não há muito tempo e o coronavírus é terrível e pode ter péssimas consequências, mas será superado, enquanto as outras não serão. Se nós não resolvermos isso, estaremos condenados. »
Ele lembra que todo ano, o relógio do juízo final é ajustado em janeiro com os ponteiros dos minutos a uma certa distância da meia noite, que seria o fim. Desde que Trump foi eleito, o ponteiro tem se movido para mais perto da meia noite. Ano passado estava a dois minutos da meia noite. O mais próximo já alcançado. Esse ano, os analistas retiraram os “minutos” e movem agora o ponteiro em segundos. Estamos a 100 segundos para a meia noite, o mais próximo que já estivemos.
« Temos três questões: a ameaça da guerra nuclear, a ameaça do aquecimento global e a deterioração da democracia. A democracia não está sendo debatida nos Estados Unidos, mas é a única esperança que temos para a superação da crise. Para que as pessoas tenham controle sobre seu destino. Se isso não acontecer, estamos condenados se deixarmos nosso destino com sociopatas bufões. E isso está próximo, Trump é o pior, por causa do poder dos EUA, que é esmagador. Estamos falando do declínio dos EUA, mas você olha para o mundo e não vê esse declínio quando os EUA impõem sanções, assassinatos, sanções devastadoras, é o único país que pode fazer isso, mas todo mundo tem de segui-lo. A Europa pode não gostar das ações odiosas contra o Irã, mas tem que acompanhar, deve seguir o mestre, ou será chutada do sistema financeiro internacional. Não é uma lei da natureza, é uma decisão da Europa estar subordinada ao mestre em Washington. Outros países não têm nem tem mesmo como escolher. »
O Brasil já teve escolha.
Desenvolveu uma política externa “ativa e altiva”, como a nomeou o chanceler Celso Amorim. Mas, em 2016, resolveu hipotecar sua soberania a Washington, com um golpe de Estado que marca a destruição de todo o projeto de nação construído nos últimos 30 anos.
Leneide Duarte-Plon é co-autora, com Clarisse Meirele, de « Um homem torturado, nos passos de frei Tito de Alencar » (Editora Civilização Brasileira, 2014). Em 2016, pela mesma editora, a autora lançou « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado ». Ambos foram finalistas do Prêmio Jabuti. O segundo foi também finalista do Prêmio Biblioteca Nacional.
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