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quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Moisés: civilizador e déspota. (A Bíblia resgatada, parte 2), por Carlos Russo Jr.



Moisés surge, na narrativa a partir do Êxodo, como uma figura profundamente humana, psicologicamente complexa, eloquente em sua “gagueira”, personagem grandiosa, civilizatória e autoritária que nenhum contador de histórias seria capaz de inventar

do Espaço Literário Marcel Proust

Moisés: civilizador e déspota. (A Bíblia resgatada, parte 2)

por Carlos Russo Jr.
Na Bíblia Hebraica, sagrados são os cinco Livros de Moisés (Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), ou seja, a Torá judaica. Seu autor, o próprio Moisés.
Moisés surge, na narrativa a partir do Êxodo, como uma figura profundamente humana, psicologicamente complexa, eloquente em sua “gagueira”, personagem grandiosa, civilizatória e autoritária que nenhum contador de histórias seria capaz de inventar.
Thomas Mann, em um de seus últimos trabalhos, “A Lei”, nos mostra Moisés, o libertador dos hebreus escravizados no Egito, a partir de uma visão mundana, porém altamente espiritualizada da qual resulta a figura de um líder civilizador, revolucionário dos costumes e das crenças e, ao mesmo tempo, um déspota místico-ideológico, e nós, com o espírito de seu trabalho, seguiremos.
O nascimento de Moisés reduz-se ao apetite sexual que seu pai, escravo hebreu, despertara na filha do Faraó Ramsés. O pai, assassinado imediatamente após a satisfação da Princesa, como era de costume, deixou-lhe um filho.
A gravidez foi acobertada e na ocasião do nascimento da criança, todos os cuidados tomados: o bebê foi encontrado num pequeno cesto e recolhido pelas serventes da Princesa. Esta lhe deu como mãe adotiva uma israelita, e ele ganhou irmãos. Chamaram-no, então, Moisés, que significa “Filho” (“moshe” em hebraico, derivado do egípcio “mesu”). Mas filho de quem?
Quando jovem, foi tirado de seus pais de adoção e colocado no mesmo internato dos filhos da realeza. Assim, Moisés aprendeu astronomia, geografia, a escrita e as leis. Como todos, ele também sabia sobre sua origem: o Faraó Ramsés, o construtor, era seu verdadeiro avô e isso lhe dava ganas de assassinar aqueles que se divertiam com seu nascimento. Talvez, graças precisamente a este fato, Moisés cresceu “amando apaixonadamente a ordem, o inviolável, a regra e a proibição”.
Muito jovem matou um soldado egípcio, que espancava um hebreu. Sentiu, então, dentro de si “que o ato de matar era verdadeiramente delicioso, ao mesmo tempo em que haver matado era medonho ao extremo e, por isso, não se deveria nunca matar”.
Como herança da mãe egípcia, teve uma sensualidade ardente: “ansiava ao mesmo tempo pelo corpo e pelo espírito, pelo que é o puro, o sagrado e o invisível”.
Quando descobriram seu crime, Moisés fugiu para o deserto, onde encontra um povo de pastores, os madianitas, que amavam um deus que não se pode ver, mas que a todos Ele via. Este deus vivia no topo de um monte no deserto do Sinai, sentado numa uma arca, realizando oráculos e jogando com os dados da sorte. Os madianistas o denominavam Javé.
Para Moisés, Javé, o invisível, aquele que não tinha imagens, tornou-se o Altíssimo, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, os antepassados de seu povo, há alguns séculos desenraizado e espalhado pelas terras egípcias.
Passaram-se os anos. Sentindo-se seguro, Moisés fez a longa viagem a lombo de jumento de volta às terras do Nilo, trazendo a esposa Séfora e os filhos.
Começou, então, a pregar entre os hebreus agitando seus fortes braços, anunciando o encontro com o Deus de seus antepassados, “aquele que era a eternidade”, Deus este que estava pronto a realizar uma aliança com as pessoas do seu sangue, desde que lhe jurassem exclusividade absoluta em culto.
A respeito das implicações envolvidas na invisibilidade deste deus, em sua espiritualidade intrínseca, e na pureza nas coisas sagradas, nada falava para não assustar as pessoas. Também nada dizia sobre a tarefa que lhe fora consignada por seu deus interior: levar as tribos de Israel para a “terra prometida”, libertando aquela gente da escravidão egípcia.
Reencontra seus irmãos adotivos e fez seguidores. Josué, um jovem e decido hebreu, tornou-se seu mais forte aliado. Josué tinha espírito belicoso, para ele, Javé simbolizava o deus dos exércitos, o deus armado que os tiraria da escravidão.
Josué foi, pois, o braço militar de Moisés junto daqueles treze mil hebreus escravizados, uma força muito pequena para conquistar a “terra prometida”. Por isso mesmo, Moisés entendia que a saída do Egito não se daria por um levante popular, mas fruto de um bom acordo. E graças a sua origem dupla, ele era o único homem que poderia pleitear perante o Faraó a saída de seu povo do solo egípcio.
Aí surge um irmão por adoção de Moisés, de nome Aarão. Ele conhecia certos artifícios de magia e devido à dificuldade de fala de Moisés, passou a acompanhá-lo nos pleitos. Inicialmente a dupla tentou enganar o Faraó com truques que já eram conhecidos pelos magos da corte. Um pedido para que os hebreus pudessem realizar sacrifícios no deserto, que lhes abriria as portas para a fuga, foi interpretado pelo Faraó como uma saída para o ócio e ele além de não O permitir, mandou que a carga de trabalho dos escravos fosse aumentada. A princípio o povo revoltou-se contra Moisés, mas com o passar do tempo, o aumento da exploração foi um fator positivo que estimulou a revolta e a vontade de fugir do Egito.
Fala-se muito das dez pragas que Javé jogou sobre o Egito. São histórias que, entretanto, podem ter causas naturais. Sabe-se que, em determinadas condições, as águas do Nilo, como de outros rios, tomam por influência de algas, a cor marrom- avermelhada, os peixes morrem, e o precioso líquido torna-se impróprio para beber. Adquire cheiro e gosto ruim.
Também é fato conhecido que em certas circunstâncias, os sapos e rãs se multiplicam além da conta e que a infestação por piolhos sempre foi uma praga, até a invenção dos inseticidas. Muitas vezes, naqueles dias, os leões famintos atacavam o rebanho, e, quando velhos, comiam até mesmo os homens.
Quantas vezes na história da humanidade, os ataques de sarna se alastraram na sujeira e na falta de higiene dos corpos? Quantas vezes a incontrolável varíola ulcerou a pele das pessoas? E os gafanhotos, não foram e ainda o são uma praga para a agricultura? Quanto ao famoso eclipse que se deu naqueles dias, ele não pode ser considerado nenhum milagre, aliás, já naquela época faziam-se previsões sobre eles.
Pois bem, a cada evento natural, Moisés apresentava-se ante o Faraó e dizia que a desgraça da vez era uma praga de Javé, pela ausência do apregoado sacrifício proibido no deserto. Até que o rei se cansou e, ao invés de permitir que os hebreus fizessem sacrifícios no deserto, resolveu expulsá-los do Egito. Mas para isso também contribuíram ações realizadas por Josué e seu grupo de jovens guerreiros.
A última “praga” -a morte de primogênitos egípcios- que se tem como responsável o “Anjo da Morte de Javé”, foi na realidade obra dos guerreiros de Josué. Nas casas não marcadas com o sangue de animais, a sucessão das heranças fora interrompida naquela noite nebulosa em que muitos primogênitos egípcios foram assassinados, num ato de típico terrorismo. Os sucessores das heranças, por seu lado, não queriam, obviamente, nenhum tipo de vingança. Era conveniente para egípcios herdeiros deixar a responsabilidade para o “Anjo de Javé”.
Como não raramente acontece nesses eventos, o caos estabeleceu-se entre os habitantes da terra. Foi quando ocorreu a expulsão do Egito. E em sua partida, o povo de Israel tanto matou quanto roubou: foram vasos de ouro, bacias, trigo armazenado, gado, um pouco de tudo o que podiam carregar.
Para Moisés aquela seria a última vez que um saque seria tolerado, mas como veremos tal não ocorreu.
O que levou o Faraó, então, a ordenar que uma tropa de combate fosse ao encalço e reprimisse o povo fugitivo? Ora, o saque realizado em suas terras!
Moisés, entretanto, conhecia os caminhos entre os lagos Azedo e Salgado no delta do Nilo. Sabia que a maré recuava em determinadas horas e avançava em outras. A turba desorganizada atravessou o estreito antes da chegada das tropas perseguidoras, que pouco conhecia da região e que, com a mudança dos ventos e da maré, dividiram-se e foram sendo obrigadas a recuar com muitas perdas.
Em decorrência, o povo de Israel viu-se liberto e Josué se encarregou de espalhar o boato de que, com uma vara, Moisés afastara as águas, outro milagre de Javé! O povo cantava e dançava a morte dos egípcios.
E Moisés, o civilizador, iniciou sua nova doutrina: “Não te alegres com a desgraça de teu inimigo”!
O livro Êxodo é um instrumento de fortalecimento do povo de Israel. A longa marcha dos escravos que deixam o Egito em busca de da terra prometida, em busca da liberdade, forneceu um arquétipo para a história e doutrina política para o Ocidente.
O percurso de que nos fala o livro é absolutamente implausível. Os estudiosos discordam até mesmo quanto à localização do Monte Sinai. Não importa, a longa e árdua travessia de Canaã, realizada em quarenta anos, simboliza um período de lutas e esperanças.
Não tardou, entretanto, que o enorme desafio de dar água e comida àquela gente se fizesse presente. O povo oscilava entre as “glórias dadas àquele que nos tirou do Egito” e a maldição àquele “que nos trouxera ao deserto tirando-nos da terra e da comodidade dos lares”. Os gritos “o que vamos beber?” e “o que vamos comer?” atormentavam Moisés, “que sempre se sentiu atormentado por todos os homens que ao seu redor se agrupavam”.
Josué ouvira falar de uma fonte no deserto chamada Mara; no entanto, a água era insalubre e o povo foi salvo por um engenho de Moisés: um sistema de filtros que a tornou potável. O civilizador demonstrou que a água podia e deveria ser tratada.
Saciada a sede, a fome ainda persistia. Os guerreiros de Josué notaram que, em determinados lugares do solo árido, crescia um líquen comestível, do qual se poderia fazer um bolinho alimentar, o maná. Essas descobertas foram os lenitivos do sofrimento da massa.
Na peregrinação buscavam agora um grande oásis, o Cádis, do qual tinham ouvido falar. Era um lugar encantador com muita água, frutas, gado, que seria bom o suficiente para que as tribos se fortalecessem até seguir o caminho para a “terra prometida”. Guiados pelas estrelas, lá se foram eles.
É claro que esse lugar já tinha dono, os amalecitas, e se Javé quisesse aquele local para seu povo teria que travar luta com Amalec, o deus daquele povo. Moisés vacilou em entrar em guerra pela posse de um local já ocupado, mas Josué contou-lhe a história de que Cádis, há muito tempo atrás, no século de Jacó e seus filhos, fora habitado por hebreus. Logo, as famílias que lá se encontravam, o haviam roubado e quem rouba ladrão…
De algum modo, Moisés deixou-se convencer. A luta pela posse da terra e seus bens foi sangrenta. Mas Israel, que significa “fazer a guerra com Deus”, venceu-a guiado pelos braços levantados de Moisés a implorar o auxílio de Javé. As crianças abandonadas pelos amalecitas que puderam fugir multiplicaram o número dos filhos de Israel, assim como as mulheres de Amalec se tornaram mulheres e criadas também de Israel.
Agora, sim, Moisés tinha todos os motivos do mundo para se considerar um homem feliz.
No horizonte de Cádis erguia-se o monte Horebe, coberto até sua metade por vegetação, cujo cume uma pequena nuvem impedia a visualização. E Moisés transportou do monte Sinai para lá seu deus, Javé, aquele que não tinha imagens e que queria ser único.
Ao lado de sua tenda, Moisés ergueu outra de reunião onde guardava os objetos sagrados “a la” madianita: uma arca com alças e dentro dela o cajado com cabeça de serpente, que seu irmão Aarão um dia usara nas conversas com o Faraó, assim como os dados do sim e do não, do certo e do errado.
Moisés decidiu implantar um primeiro tribunal, pois era necessário impor uma lei civilizatória. Por um lado, a justiça tinha a ver com a invisibilidade e a espiritualidade de seu Deus; Já a injustiça, seu povo teria que aprender a reconhecer. E ele deveria, além de aplicar a lei, ensiná-la a seu povo, cuja base lhe fora ensinada no Egito, derivada do código de Hamurabi.
Uma visita dos familiares madianitas de Séfora, sua esposa, o ajudou. Eles propuseram que se nomeassem Juízes, ao que ele, inicialmente resistiu e depois se rendeu, pois sempre soubera que os juízes são “comedores de presentes”. Ensinaram-lhe também o truque da apelação, em segunda e terceira instâncias, de tal modo que guardasse para si julgar apenas as questões de maior importância.
E Moisés logo se deu conta de que era necessário quase tudo ensinar àquele povo bárbaro, incluindo normas de higiene básicas. Obrigou que cada um tivesse sua pazinha e que fizessem suas necessidades diárias fora das tendas, e que, deveriam cobri-las com areia para não atrair insetos.
“Serás limpo e te banharás muitas vezes em água corrente; terás saúde, pois sem ela não existe pureza e nem santidade”, disse o civilizador.
Se os homens tivessem lepra, sarna e outras doenças transmissíveis, eles eram colocados em isolamento com suas impurezas para que não se alastrasse a contaminação.
Interferiu também nos hábitos alimentares da população: eles poderiam comer umas coisas e não outras. Por exemplo, os animais impuros, as aves carniceiras e os rastejantes não deveriam ser tocados.
Também os costumes deveriam sofrer transformação: o matrimônio sagrado não poderia ser rompido; o incesto entre irmãos e entre pais e filhos foi proibido; uma mulher menstruada estaria impura e não deveria ser importunada naqueles dias.
“Ouvi dizer que fazes de tua filha uma prostituta e te aproprias do dinheiro dela; se o fizeres, mandarei te apedrejar”. E, além disso, o civilizador e déspota fez comunicar: o sexo com animais e o homossexualismo seriam punidos também com a morte.
Proibiu-se a reprodução de imagens de homens, de animais e de deuses, assim como a tatuagem nos corpos, símbolo da prostituição feminina.
E mesmo correndo o risco de que o povo se confundisse, disse-lhes: “Eu sou o Senhor, vosso Deus.” Afinal, por sua voz falava o seu Deus.
Não era fácil para aquele povo solto submeter-se às ordens, aos valores e à disciplina de Moisés- Javé. De todos os modos “os anjos da morte” de Josué estavam sempre a postos para executarem uma sentença necessária ou para expulsar um transgressor.
“Javé e eu não queremos nem cruéis e nem covardes, permanecei no meio termo, sede decentes”.
Mais e mais restrições civilizatórias foram sendo, então, implantadas: não cobiçar a mulher, nem o bem do próximo; não roubar, nem matar; não dar falso testemunho; respeitar os mais velhos; consagrar o dia de sábado a Deus; não ser infiel no casamento. E nesse ponto, o amor de Moisés pela Moura, a concubina de fartos seios, casado que era com Séfora, causava-lhe muitos transtornos e envergonhava os filhos, que pertenciam à tropa militar de Josué.
Como se pode ver, não era nada fácil a missão que Javé impunha a Moisés e a seu povo, que, mesmo à custa de exemplos disciplinadores, ameaçava rebelar-se.
Foi quando a terra tremeu… Uma lava quente e grossa começou a escorrer por uma das encostas do monte Horebe e de seu cume evoluíam fogo e fumaça. Moisés teve a certeza de que seu deus o chamava, e era o momento azado para agir, enquanto o povo ainda acreditava na ira de Javé.
Mesmo com todos os riscos, Moisés munido de uma talha e de um martelo, fez-se acompanhar por todo seu povo até o pé do morro. Ele, então, escalou sozinho quase até o topo da montanha e lá permaneceu quarenta dias e quarenta noites. E no meio das sarças ardentes uma voz falou apenas a Moisés: “Sou o que sou”!
Embora o corpo militar lhe providenciasse, sem que ninguém o percebesse serviço de água e comida, não foi nada fácil sobreviver à temperatura e ao cheiro de enxofre, provenientes do monte-vulcão. Mas Moisés tinha que trabalhar. Precisava dar aos homens uma prova concreta da existência do Espírito; queria que suas leis básicas, as mais importantes permanecessem escritas e fossem “A Lei” para todo o sempre. No entanto, ele não era um homem de escritas. Confundia-se com os idiomas que conhecia, com os sons e seus símbolos. Buscou, então, se expressar por escrito do modo que todos entendessem as tábuas de pedra, talhadas no morro. Escreveu em duas tábuas o que se denominou de “Os Mandamentos”, cinco em cada uma. Quando terminou, cortou a pele do antebraço e fez com que o próprio sangue colorisse as letras. Ao final, desceu o monte Horebe e juntou-se ao povo.
Acontece que aquilo que viu o encheu de ira. O povo divertia-se ao som de timbales, fornicava pelos cantos e bebia; além do mais, adorava uma imitação tosca de bezerro feita com o ouro roubado no Egito, dançando e rindo a mais não poder. Na verdade, ninguém esperava que ele ainda vivesse, talvez mesmo o quisessem morto para exercer a liberdade conquistada, mas eis que, de repente, Moisés surge na companhia do comandante da repressão armada.
Ergue, então, com todo ódio, as suas tábuas da lei e as arrebenta contra o bezerro de ouro, destruindo-o. “O povo queria fazer sua festa frente a um deus mais cordial”, Aarão segreda ao irmão.
Moisés juntou aqueles que lhe seguiam fiéis e se estes já não eram poucos, foram aumentando sob a pressão. “Deus é paciente e misericordioso, perdoa delitos e transgressões, mas a ninguém deixa impune”. “Aqui será feita uma purificação sangrenta, pois as leis foram escritas com sangue. Os falsos guias serão aniquilados, serão entregues ao Anjo da Morte”.
E deixando para Josué as execuções, tanto as públicas quanto as em surdina, retornou ao Monte Horebe para trabalhar pelo seu povo e implorar o perdão a Javé.
E ali, próximo ao topo permaneceu mais quarenta dias e noites, burilando novas Tábuas da Lei. Javé consentiu na renovação e Moisés pediu-lhe que perdoasse os pecados de seu povo ou ele também seria um derrotado, pois o povo de sua eleição tornar-se-ia pagão, voltaria à adoração de Belial. Esse argumento foi forte o suficiente para convencer o Deus de Moisés a manter a tão abalada aliança, ou seja, o inabalável Jafé cedeu pela primeira vez!
Ao descer novamente do monte, Moisés trazia em cada braço uma nova “Tábua da Lei”. Proclamou: “Maldita seja a pessoa que disser: essas pedras não são verdadeiras. Maldito aquele que vos ensinar: levantem-se e sejam livres novamente!” “Esse é o vosso Deus, façam tudo em sua honra; esmagarei com meu pé o pecador. E quem pronunciar seu nome terá que cuspir para os quatro cantos e lavar a sua boca, dizendo, Deus me livre! Para que a terra volte a ser novamente a terra, um vale de lágrimas e não um prado de tolices. Dizei amém a isso!”
E todo o povo disse Amém.
E Moisés bíblico viveu até os 120 anos. Javé conduziu-o até o monte Nebo, defronte de Jericó, e mostrou-lhe ao longe toda a “Terra Prometida”, que ele jamais tocaria. Inexplicavelmente, foi Moisés o único ser humano capaz de descrever a própria morte ao final do último dos livros da Torá, o “Deuteronômio”.
Antes de morrer, Moisés possivelmente por falta de alternativa, colocou sua sucessão nas mãos assassinas de Josué (seria o mesmo do início da narrativa?). Em seu livro, também denominado “Josué”, ele (ou outros Josués), ademais de eventos históricos indecifráveis, narra com toda a arrogância tribal a crueldade cometida com prazer. Seu texto é repleto de maldições e triunfalismos, de barbáries como o apedrejamento de Achan, a prisão de Ai e a submissão humilhante dos derrotados.
E “Josué”, tão propalado pelos atuais “pastores”, verdadeiros apóstatas do Sagrado, do bem, da humanidade e dos valores civilizatórios, é a parte menos atraente de todo o longo texto canônico.
Referências:
1. Bíblia. SBB. 1969.
2. Mann, T.. A Lei. Mandarim, 2001.
3. Steiner, G.. Nenhuma paixão desperdiçada. Record, 2001.

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