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sábado, 29 de fevereiro de 2020

18 de Março: pós-graduandos voltam às ruas em defesa da ciência e do Brasil e contra o fascismo, o militarismo e o milicianismo bolsonarista que está desmontando o Brasil para entregar aos interesses das elites, por Flávia Calé



Nossa agenda estará centrada na recomposição de todas as bolsas de estudo cortadas e na campanha nacional pelo reajuste das bolsas de estudo.

18 de Março: pós-graduandos voltam às ruas em defesa da ciência e do Brasil

por Flávia Calé, no GGN

O fomento à pesquisa científica e à pós graduação é um dos principais gargalos do país, fruto da política de desmonte da educação operada pelo MEC tendo à frente o ministro Weintraub. Entre os cortes feitos em 2019 e a luta empreendida pelos jovens pesquisadores brasileiros para revertê-los, ainda resta um déficit de 7.590 bolsas, que foram suprimidas do sistema de pós graduação brasileiro. 
Os dados divulgados pela Folha de São Paulo (17/02), em matéria do jornalista Paulo Saldaña, escancaram os reais impactos da política de desinvestimento na educação e na ciência e revelam a contradição, ou melhor dizendo, a farsa do discurso que o MEC tem feito para justificar tais medidas.
A primeira incoerência diz respeito à falsa contradição sobre os montantes de recursos destinados às áreas de humanidades ou exatas. Apesar de o ministério alegar que a realocação de bolsas deve privilegiar as áreas duras, na prática isso não se verifica, já que foram as engenharias que sofreram as maiores baixa. Nós acreditamos que todas as áreas do conhecimento são fundamentais para o desenvolvimento de qualquer nação, devendo os investimentos serem distribuídos de forma equilibrada e coerente com um projeto nacional.
A segunda se encontra no âmbito dos critérios utilizados para se promover esses cortes. Conforme alertamos, a política de extinção linear e sumária das bolsas dos programas 3, 4 e 5 afetou principalmente as regiões em que a pós graduação é menos consolidada, mas possui grande impacto local, o que ampliará as tão nefastas assimetrias regionais. O Nordeste foi o mais afetado, proporcionalmente, pelos cortes de bolsas de estudo, com uma redução de 12%. 
Do ponto de vista do tipo de bolsas cortadas, 64% estão no mestrado e 30% no doutorado. Esse dado pode evidenciar também um outro objetivo subterrâneo: o gradativo corte no financiamento dos mestrados, sob a falaciosa alegação de que o Brasil tem muitos mestres e tais cursos não são mais necessários. Podem estar mirando, portanto, o seu fim.
Além de cumprir um papel importante na formação do pesquisador, de maturação de pesquisas e levantamento e coleta de dados nas distintas áreas, os mestrados também cumprem papel para o fortalecimento e qualificação de profissionais dos serviços públicos brasileiros, com destaque para as áreas de educação e saúde. O desmonte dos metrados seria trágico para o país. 
O ano de 2020 se inicia com uma dramática marca. Completamos 7 anos sem reajuste das bolsas de estudo no país. Isso tem levado a uma queda na procura pela pós-graduação e um desestímulo aos jovens que buscam na ciência uma possibilidade de carreira. É cada vez maior o número de pesquisadores que deixam o país para exercerem suas vocações em outros locais, assim como é crescente o número de pessoas de alta qualificação que só conseguem alocação em trabalhos precários. 
Nossa agenda estará centrada na recomposição de todas as bolsas de estudo cortadas e na campanha nacional pelo reajuste das bolsas de estudo. Além disso, estaremos firmes e vigilantes em defesa do sistema nacional de ciência e tecnologia, combatendo os intentos de fusão da Capes e CNPq, assim como a nefasta PEC 186, que revoga os fundos estabelecidos em lei, entre eles o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. 
A mobilização da sociedade também será necessária para impedir mais retrocessos sociais, como a desvinculação de recursos para a educação e a saúde e a perda de direitos dos servidores públicos, ataques que o governo levou ao Congresso através de outras emendas constitucionais e do chamado projeto da reforma administrativa. 
Dia 18 de março reiniciamos nossa jornada nas ruas pela mudança desse cenário de desmonte conduzido por um governo obscurantista e lesa pátria. Apenas unidos conseguiremos mudar a rota da desesperança e reconstruir o Brasil dos nossos sonhos, com desenvolvimento e felicidade para nossa gente. Fora Weintraub!
Flávia Calé é mestranda em História Econômica na USP e presidenta da ANPG

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Igreja católica defende Papa e Lula contra fascistas e bolsonaristas


Do Blog da Cidadania:


ASSISTA ABAIXO — Em nome da Arquidiocese de São Paulo, teólogo e professor de Direito Canônico defende o Papa e Lula e diz que ataque da direita a eles é “pecado”. Lave a alma na live de hoje de Eduardo Guimarães.



sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Lançamento do livro de Carlos Antonio Fragoso Guimarães: Carl Gustav Jung e os Fenômenos Psíquicos





Sinopse: Carl Gustav Jung tem um lugar proeminente, figurando ao lado de Freud, nas origens da psicoterapia psicanalítica. O que a maioria ignora são suas relações profundas e diversificadas com o mundo dos fenômenos psíquicos, ditos paranormais, que compareceram em profusão ao longo de toda sua vida, com raízes em sua família, e perpassam suas vivências, pesquisas e reflexões.

Esta obra, de feição biográfica, é um detalhado registro de todas as ligações de Jung, ao longo da vida, com o universo dos fenômenos psi – cuja existência sempre o atraiu e foi um dos dois motivos capitais de sua divergência e afinal distanciamento de Freud, que se negava a admitir sequer a pesquisa deles.

Entre os temas abordados, as ocorrências de fenômenos psíquicos na família Jung, suas experiências com os fenômenos paranormais, sozinho ou com outros psiquiatras, suas relações com os pesquisadores da parapsicologia, como o dr. Joseph B. Rhine, da Universidade de Duke, o dr. Willian James, considerado o pai da psicologia moderna, e os diversificados fenômenos que pontuaram a trajetória de Jung, merecendo-lhe profundas reflexões, orientando a direção de suas pesquisas e comparecendo de variadas formas em sua obra e na construção de suas teorias sobre o mundo da psique humana.

Nenhuma análise da obra e postulados de Jung será completa sem esta visão do universo dos fenômenos psi, que figuram nas raízes de sua visão de mundo, da qual a presente obra faz uma abordagem ampla, detalhada e fascinante, lastreada em sólida documentação.´

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Frei Betto discorre, em artigo, sobre a gestão e desejos da extrema-direita e o "cheiro de golpe no ar". Prefácio de Leonardo Boff



"Quando uma autoridade do Poder Executivo convoca uma manifestação contrária a outro Poder da República, no caso o Legislativo, isso é gravíssimo e sinaliza conspiração golpista", escreve o escritor e teólogo Frei Betto

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I - Introdução de Leonardo Boff

Frei Betto é um dos analistas sociais dos mais argutos e certeiros. Por anos viveu com poderosos, cobrando-lhes uma opção pelo povo e pelos pobres e, nos países socialistas, fazendo que os vários Estados que se confessavam ateus, superassem seu confessionalismo às avessas e assumissem o caráter laico do Estado. Neste artigo nos faz um alerta: vivemos  à mercê de um presidente que magnifica ditaduras e louva torturadores, despreza a democracia e desconsidera totalmente a Constituição que jurou observar. Pois ele e os seus que o cercam, em grande parte militares, estão tramando um golpe, abolir os demais poderes e se impor como único poder ditatorial. Graças a Deus, a sociedade reagiu, as mais altas instâncias judiciais o denunciaram e encontrou o repúdio da maioria dos brasileiros. Vale ler este artigo, pois nos esclarece o que está em andamento e, infelizmente, poderá acontecer

II - Cheiro de golpe no ar

Por Frei Betto

O ministro Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sugeriu, em 19 de fevereiro, que o povo deve ir às ruas “contra a chantagem do Congresso”. Bastou este aceno autoritário para os aliados do presidente convocarem manifestação para o domingo, 15 de março.


Ora, quando uma autoridade do Poder Executivo convoca uma manifestação contrária a outro Poder da República, no caso o Legislativo, isso é gravíssimo e sinaliza conspiração golpista ou, sem rodeios, o fechamento do Congresso. Tomara que o Poder Judiciário, representado pelo STF, proíba tal manifestação, pois caso contrário correrá o risco de assinar o fechamento de suas portas.
O protesto a favor do governo será na mesma data em que, há cinco anos, ocorreu a maior das manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Foi com uma escalada de manifestações prévias, como a Marcha com Deus e a Família pela Liberdade, que os militares prepararam o golpe de 1964 que derrubou João Goulart, presidente constitucional e democraticamente eleito.
O sonho de todo político com vocação para caudilho ou ditador, avesso ao regime democrático, é governar pela supressão de todas as vias institucionais entre ele e o povo. Uma via direta, sem intermediação dos poderes Legislativo e Judiciário, hoje facilitada pelas redes digitais.
Autoconvencido de que só ele sabe discernir o que convém ou não à nação, o autocrata despreza o sistema partidário, trata os políticos como seus serviçais, e se relaciona com a Constituição como o terrorista islâmico com o Alcorão. Ele ouve, mas não escuta; fala, mas não dialoga; age, mas não reflete. Seu pendor absolutista é, hoje, facilitado pelas redes digitais, por meio das quais faz chegar à população sua vontade e determinações.
Frente a um povo despolitizado, desprovido de consciência crítica, o déspota emite suas opiniões como se fossem leis. Seus adeptos, movidos pelo senso de “servidão voluntária”, na expressão da La Boétie, o erigem à condição de “mito”, aquele que se torna paradigma, referência acima de qualquer suspeita ou juízo.
O caudilho sabe que, sem apoio popular, seu futuro político corre o risco de virar mero sonho. Para evitá-lo, recorre ao  recurso de armar mãos e espíritos. Liberar o porte e a posse de armas, e plantar no coração e na mente de seus adeptos o ódio mortal a seus inimigos, reais ou imaginários. Essa segunda medida se efetiva pela descontextualização política, como se a conjuntura, os princípios constitucionais e o consenso entre os seus pares poucos importassem.
Dotado da uma intuição impetuosa e de agressividade incontida, o autocrata fragmenta seu discurso, adota um vocabulário chulo, desdenha a coerência, troca o atacado pelo varejo, a floresta pelas árvores, e cria um deus à sua imagem e semelhança. Ele não tem outra proposta ou programa que não seja se perpetuar no poder e transformar sua vontade em lei. Por isso suas medidas provisórias têm o peso de definitivas.
Onde andam os partidos de oposição, as centrais sindicais, os movimentos populares? Se o desemprego afeta mais de 11 milhões de pessoas; a economia retrocede; a saúde e a educação estão sucateadas; e 165 milhões de brasileiros sobrevivem com renda mensal inferior a dois salários mínimos; qual a razão de tamanha inércia daqueles que deveriam manifestar a sua indignação diante deste governo?
Convém ter em mente o poema de Eduardo Alves da Costa, equivocadamente atribuído a Maiakóvski: “Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim./ E não dizemos nada./ Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada./ Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta./ E já não podemos dizer nada”.
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Michelle Bachelet fala à ONU aquilo que Bolsonaro, o que elogia torturadores e Pinochet, se recusa a ouvir e até incentiva no Brasil em que, agora, infelizmente impera: a violação de direitos humanos



Brasil é denunciado por violação de direitos humanos e aumento da violência; além de não ouvir o discurso, governo brasileiro insinua componente político em argumentação

Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para Direitos Humanos e ex-presidente do Chile. Foto: Reprodução/ONU

Bachelet fala à ONU aquilo que Bolsonaro se recusa a ouvir


Jornal GGN A alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, não só denunciou a violação dos direitos humanos no Brasil, como colocou o país entre os cerca de 30 locais no mundo onde existem preocupações.
“No Brasil, ataques contra defensores dos direitos humanos, incluindo assassinatos – muitos deles dirigidos a líderes indígenas – estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos das políticas de proteção ao meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas”, alertou Bachelet. “Também estão aumentando as tomadas de terras indígenas e afrodescendentes”, disse.
A representante da ONU também abordou o trabalho dos movimentos sociais e dos ataques sofridos por ONGs. Para Michelle Bachelet, estão aumentando os “esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e do movimento social”.
O governo brasileiro voltou a ser abordado a respeito durante a semana, em reunião que ocorreu em Genebra a portas fechadas entre a representante da ONU e a ministra Damares Alves (Família, Mulher e Direitos Humanos), onde Damares apresentou dados que supostamente indicavam avanços no setor de direitos humanos.
E como era de esperar, o discurso de Bachelet não foi acompanhado pela embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo – que, horas depois, fez um discurso duro contra Bachelet onde não só disse que a ex-presidente chilena estava sendo erroneamente aconselhada, como insinuou que parte da crítica tinha motivação política.
Em seu artigo no portal UOL, o jornalista Jamil Chade explicou que Bachelet já havia alertado a respeito do espaço cívico no Brasil no ano passado, o que gerou duras retaliações por parte do governo de Jair Bolsonaro.
Na ocasião, Bachelet criticou a violência policial no Brasil, e a resposta de Jair Bolsonaro foi com uma apologia ao general Augusto Pinochet, cujo regime matou o pai da ex-presidente do Chile, e a colocou em prisão e a torturou.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Secretário-geral da CNBB diz que a igreja “estará apoiando as iniciativas que preservem a democracia”


CNBB lança no DF campanha da fraternidade com tema "Fraternidade e vida" — Foto: CNBB/Reprodução
Logo da Campanha da Fraternidade 2020, da CNBB

Jornal GGN A Igreja Católica poderá questionar o presidente Jair Bolsonaro por disseminar vídeos que convocam manifestações de apoio a ele e contra o Legislativo. A afirmação foi feita pelo secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Joel Portella Amado.

“A Igreja estará apoiando as iniciativas que preservem a democracia. Qualquer outra nós precisaremos ouvir, conhecer e até quem sabe interpelar”, disse dom Joel Portella, também bispo auxiliar do Rio de Janeiro, durante o lançamento da Campanha da Fraternidade 2020.  “Existe a corresponsabilidade de cada cidadão e a responsabilidade daqueles que pelo voto foram investidos”, disse, segundo informações do jornal O Estado de São Paulo.

A cúpula dos bispos ainda deve ser reunir para avaliar seu posicionamento a respeito da convocação feita pelo presidente da República para a manifestação de 15 de março, cujo alvo é o Congresso Nacional e os “políticos de sempre”.

Outros materiais de divulgação do protesto contra o poder Legislativo, de cunho “conservador e patriota”, também exibem fotos de generais do Exército que “aguardam ordens de povo”, numa alusão à intervenção militar. Apoiadores de Bolsonaro dizem que o ato será em defesa dele, apresentado como “única esperança” e um presidente “trabalhador, incansável, cristão, patriota, capaz, justo, incorruptível”.

Dirigida pela ala progressista do clero, a CNBB pode complicar ainda mais o já tenso relacionamento entre a cúpula católica e o governo – Bolsonaro chegou a delegar a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) para ser a interlocutora do governo junto à conferência, como forma de tentar desfazer o histórico de atritos entre a entidade e Bolsonaro, que vêm desde a campanha eleitoral.

TV GGN: As instituições, ou o que ainda resta de democrático nelas, se preparam para o grande embate com Bolsonaro, por Luis Nassif



TV GGN: As instituições se preparam para o grande embate com Bolsonaro, por Luis Nassif

Nos próximos dias haverá mais clareza sobre o nível de consenso em relação ao mandato de Bolsonaro




quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

No exemplo de Cristo e Gandhi: Cartas sobre não-violência (1), por Dora Incontri



Há urgência em se falar sobre o tema, porque a escalada de violência no Brasil está atingindo níveis alarmantes

Cartas sobre não-violência (1), por Dora Incontri, no GGN

Esta é a primeira de uma série que vou escrever semanalmente e publicar simultaneamente nessa minha coluna de Espiritismo Progressista, replicando em meu blog pessoal e no blog da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita.
Há urgência em se falar sobre o tema, porque a escalada de violência no Brasil está atingindo níveis alarmantes: milicianos no poder, policiais militares invadindo escolas, chutando grávidas nas ruas, e indígenas, negros e ativistas assassinados… e mais recentemente, também pessoas de esquerda clamando que contra tais violências e contra as violências estruturais, antigas, que nos marcam cotidianamente, é preciso reagir com violência.
Começo dizendo que não-violência não é passividade, submissão, indiferença, conluio com o mais forte, aceitação da injustiça. É simplesmente buscar métodos de resistência, de militância, de mudança estrutural e tomada de consciência, que não passem pela mão armada. Isso, segundo todos os que percorreram esse caminho no século XX e os que o anunciaram ainda no século XIX. Entre os últimos, Henry Thoreau, o autor de Desobediência Civil  e Lev Tolstoi, autor, entre outros, de Escravidão Moderna.  Entre os primeiros, Gandhi e Martin Luther King.
Trata-se de uma esquerda que não quer tomar o poder, mas romper com o poder; não colaborar com ele, não se submeter e achar caminhos de ação, que desmontem justamente a estrutura do poder. Pode-se alegar que tais personalidades conseguiram muito pouco, que tinham também seus problemas pessoais. Não endeusamos ninguém e sempre é possível achar defeitos nos melhores. Mas exaltamos a tentativa, o caminho já experimentado e que pode nos servir de inspiração para trilhar outros e criar alternativas.
A violência todos conhecemos sobejamente. A violência pode ser praticada por puro sadismo, por puro banditismo, por pura vontade de submeter o outro. Mas também pode ser apregoada com inúmeras justificativas e com a intenção de consertar o mundo, de estabelecer a justiça e de criar uma nova ordem social. Pessoalmente não me agrada nenhum resultado do que se alcançou com violência, em termos de revoluções, guerras e golpes. Do terror da guilhotina na França aos milhões exterminados nos Gulags estalinistas, tantas vidas humanas arrasadas, para um resultado pífio de justiça. Do outro lado do pêndulo de esquerda/direita, não se pode deixar de mencionar as violências das ditaduras latino-americanas, desumanizantes, absurdas. E ainda todas as intervenções militares do Império Norte-americano, para supostamente promover a democracia – aquela que se move como marionete dos interesses do capital.
As nossas relações humanas, de pais para filhos, de homem para mulher, de heteronormativos para homoafetivos, de brancos para negros, de impérios para nações periféricas – todas passam por extrema violência, em que a integridade da vida humana e sua dignidade são a cada segundo atacadas e pisadas. 
Mas… como combater tanta violência? A violência é estrutural do psiquismo humano e por isso não haverá esperança de se superá-la enquanto espécie? Para a psicanálise freudiana, a pulsão de tânatos faz parte de nossa estrutura psíquica e não pode ser arrancada de nós. No máximo, com muita sorte, podemos criar arte e elementos civilizatórios, sublimando nossas pulsões. Mas, no final da vida, bastante pessimista, Freud duvidava se a humanidade conseguiria sobreviver a si mesma – e isso mesmo ele não tendo chegado a testemunhar os horrores do nazismo e da bomba atômica.
Entretanto, é aí que somente uma visão de espiritualidade pode nos acenar com alguma esperança. Para Victor Frankl, que começou como discípulo de Freud, e depois desenvolveu sua própria proposta da Logoterapia – há em todo ser humano, sempre uma dimensão intocada, que não adoece, que é uma espécie de divindade escondida e que pode ser atingida. Essa era também a ideia do maior filósofo de todos os tempos, Sócrates, que pretendia extrair de dentro ser humano essa luz interna, através de seu processo maiêutico, uma espécie de parto espiritual. 
Como se vê, são dois pressupostos diferentes a respeito da natureza humana: para uns, não há como o ser humano vencer definitivamente esse primitivismo violento; para outros, há uma garantia, ou pelo menos uma esperança de superação, pela presença do sagrado em nós.
Para terminar essa primeira carta sobre esse tema, quero lembrar de Jesus. Em nome dele, se pratica muita violência, muita opressão, muito desrespeito à liberdade de consciência. Mas ele foi o exemplo do amor. Pagar o mal com o bem, oferecer a outra face, perdoar setenta vezes sete, amar os próprios inimigos… Esse mestre esteve bem longe do conluio com os poderosos, de fazer compromissos com os ricos, com as hierarquias religiosas, com os homens predadores. Foi duro e corajoso contra os que oprimiam e exploravam o povo. Mas também não se uniu aos zelotes numa revolução armada. Se quisesse, poderia se autoproclamar o messias esperado pelos judeus de então, pois muitos deles acreditavam que esse messias viria para os libertá-los dos romanos. Ao invés, sofreu tortura e martírio e mostrou compaixão por aqueles mesmos que o matavam. 
Seria essa solução de perdão, entrega, compaixão com os próprios inimigos uma solução viável, eficaz num mundo complexo e violento como o nosso? 
Meditemos nisso, até a próxima semana. 

Moisés: civilizador e déspota. (A Bíblia resgatada, parte 2), por Carlos Russo Jr.



Moisés surge, na narrativa a partir do Êxodo, como uma figura profundamente humana, psicologicamente complexa, eloquente em sua “gagueira”, personagem grandiosa, civilizatória e autoritária que nenhum contador de histórias seria capaz de inventar

do Espaço Literário Marcel Proust

Moisés: civilizador e déspota. (A Bíblia resgatada, parte 2)

por Carlos Russo Jr.
Na Bíblia Hebraica, sagrados são os cinco Livros de Moisés (Gênese, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), ou seja, a Torá judaica. Seu autor, o próprio Moisés.
Moisés surge, na narrativa a partir do Êxodo, como uma figura profundamente humana, psicologicamente complexa, eloquente em sua “gagueira”, personagem grandiosa, civilizatória e autoritária que nenhum contador de histórias seria capaz de inventar.
Thomas Mann, em um de seus últimos trabalhos, “A Lei”, nos mostra Moisés, o libertador dos hebreus escravizados no Egito, a partir de uma visão mundana, porém altamente espiritualizada da qual resulta a figura de um líder civilizador, revolucionário dos costumes e das crenças e, ao mesmo tempo, um déspota místico-ideológico, e nós, com o espírito de seu trabalho, seguiremos.
O nascimento de Moisés reduz-se ao apetite sexual que seu pai, escravo hebreu, despertara na filha do Faraó Ramsés. O pai, assassinado imediatamente após a satisfação da Princesa, como era de costume, deixou-lhe um filho.
A gravidez foi acobertada e na ocasião do nascimento da criança, todos os cuidados tomados: o bebê foi encontrado num pequeno cesto e recolhido pelas serventes da Princesa. Esta lhe deu como mãe adotiva uma israelita, e ele ganhou irmãos. Chamaram-no, então, Moisés, que significa “Filho” (“moshe” em hebraico, derivado do egípcio “mesu”). Mas filho de quem?
Quando jovem, foi tirado de seus pais de adoção e colocado no mesmo internato dos filhos da realeza. Assim, Moisés aprendeu astronomia, geografia, a escrita e as leis. Como todos, ele também sabia sobre sua origem: o Faraó Ramsés, o construtor, era seu verdadeiro avô e isso lhe dava ganas de assassinar aqueles que se divertiam com seu nascimento. Talvez, graças precisamente a este fato, Moisés cresceu “amando apaixonadamente a ordem, o inviolável, a regra e a proibição”.
Muito jovem matou um soldado egípcio, que espancava um hebreu. Sentiu, então, dentro de si “que o ato de matar era verdadeiramente delicioso, ao mesmo tempo em que haver matado era medonho ao extremo e, por isso, não se deveria nunca matar”.
Como herança da mãe egípcia, teve uma sensualidade ardente: “ansiava ao mesmo tempo pelo corpo e pelo espírito, pelo que é o puro, o sagrado e o invisível”.
Quando descobriram seu crime, Moisés fugiu para o deserto, onde encontra um povo de pastores, os madianitas, que amavam um deus que não se pode ver, mas que a todos Ele via. Este deus vivia no topo de um monte no deserto do Sinai, sentado numa uma arca, realizando oráculos e jogando com os dados da sorte. Os madianistas o denominavam Javé.
Para Moisés, Javé, o invisível, aquele que não tinha imagens, tornou-se o Altíssimo, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, os antepassados de seu povo, há alguns séculos desenraizado e espalhado pelas terras egípcias.
Passaram-se os anos. Sentindo-se seguro, Moisés fez a longa viagem a lombo de jumento de volta às terras do Nilo, trazendo a esposa Séfora e os filhos.
Começou, então, a pregar entre os hebreus agitando seus fortes braços, anunciando o encontro com o Deus de seus antepassados, “aquele que era a eternidade”, Deus este que estava pronto a realizar uma aliança com as pessoas do seu sangue, desde que lhe jurassem exclusividade absoluta em culto.
A respeito das implicações envolvidas na invisibilidade deste deus, em sua espiritualidade intrínseca, e na pureza nas coisas sagradas, nada falava para não assustar as pessoas. Também nada dizia sobre a tarefa que lhe fora consignada por seu deus interior: levar as tribos de Israel para a “terra prometida”, libertando aquela gente da escravidão egípcia.
Reencontra seus irmãos adotivos e fez seguidores. Josué, um jovem e decido hebreu, tornou-se seu mais forte aliado. Josué tinha espírito belicoso, para ele, Javé simbolizava o deus dos exércitos, o deus armado que os tiraria da escravidão.
Josué foi, pois, o braço militar de Moisés junto daqueles treze mil hebreus escravizados, uma força muito pequena para conquistar a “terra prometida”. Por isso mesmo, Moisés entendia que a saída do Egito não se daria por um levante popular, mas fruto de um bom acordo. E graças a sua origem dupla, ele era o único homem que poderia pleitear perante o Faraó a saída de seu povo do solo egípcio.
Aí surge um irmão por adoção de Moisés, de nome Aarão. Ele conhecia certos artifícios de magia e devido à dificuldade de fala de Moisés, passou a acompanhá-lo nos pleitos. Inicialmente a dupla tentou enganar o Faraó com truques que já eram conhecidos pelos magos da corte. Um pedido para que os hebreus pudessem realizar sacrifícios no deserto, que lhes abriria as portas para a fuga, foi interpretado pelo Faraó como uma saída para o ócio e ele além de não O permitir, mandou que a carga de trabalho dos escravos fosse aumentada. A princípio o povo revoltou-se contra Moisés, mas com o passar do tempo, o aumento da exploração foi um fator positivo que estimulou a revolta e a vontade de fugir do Egito.
Fala-se muito das dez pragas que Javé jogou sobre o Egito. São histórias que, entretanto, podem ter causas naturais. Sabe-se que, em determinadas condições, as águas do Nilo, como de outros rios, tomam por influência de algas, a cor marrom- avermelhada, os peixes morrem, e o precioso líquido torna-se impróprio para beber. Adquire cheiro e gosto ruim.
Também é fato conhecido que em certas circunstâncias, os sapos e rãs se multiplicam além da conta e que a infestação por piolhos sempre foi uma praga, até a invenção dos inseticidas. Muitas vezes, naqueles dias, os leões famintos atacavam o rebanho, e, quando velhos, comiam até mesmo os homens.
Quantas vezes na história da humanidade, os ataques de sarna se alastraram na sujeira e na falta de higiene dos corpos? Quantas vezes a incontrolável varíola ulcerou a pele das pessoas? E os gafanhotos, não foram e ainda o são uma praga para a agricultura? Quanto ao famoso eclipse que se deu naqueles dias, ele não pode ser considerado nenhum milagre, aliás, já naquela época faziam-se previsões sobre eles.
Pois bem, a cada evento natural, Moisés apresentava-se ante o Faraó e dizia que a desgraça da vez era uma praga de Javé, pela ausência do apregoado sacrifício proibido no deserto. Até que o rei se cansou e, ao invés de permitir que os hebreus fizessem sacrifícios no deserto, resolveu expulsá-los do Egito. Mas para isso também contribuíram ações realizadas por Josué e seu grupo de jovens guerreiros.
A última “praga” -a morte de primogênitos egípcios- que se tem como responsável o “Anjo da Morte de Javé”, foi na realidade obra dos guerreiros de Josué. Nas casas não marcadas com o sangue de animais, a sucessão das heranças fora interrompida naquela noite nebulosa em que muitos primogênitos egípcios foram assassinados, num ato de típico terrorismo. Os sucessores das heranças, por seu lado, não queriam, obviamente, nenhum tipo de vingança. Era conveniente para egípcios herdeiros deixar a responsabilidade para o “Anjo de Javé”.
Como não raramente acontece nesses eventos, o caos estabeleceu-se entre os habitantes da terra. Foi quando ocorreu a expulsão do Egito. E em sua partida, o povo de Israel tanto matou quanto roubou: foram vasos de ouro, bacias, trigo armazenado, gado, um pouco de tudo o que podiam carregar.
Para Moisés aquela seria a última vez que um saque seria tolerado, mas como veremos tal não ocorreu.
O que levou o Faraó, então, a ordenar que uma tropa de combate fosse ao encalço e reprimisse o povo fugitivo? Ora, o saque realizado em suas terras!
Moisés, entretanto, conhecia os caminhos entre os lagos Azedo e Salgado no delta do Nilo. Sabia que a maré recuava em determinadas horas e avançava em outras. A turba desorganizada atravessou o estreito antes da chegada das tropas perseguidoras, que pouco conhecia da região e que, com a mudança dos ventos e da maré, dividiram-se e foram sendo obrigadas a recuar com muitas perdas.
Em decorrência, o povo de Israel viu-se liberto e Josué se encarregou de espalhar o boato de que, com uma vara, Moisés afastara as águas, outro milagre de Javé! O povo cantava e dançava a morte dos egípcios.
E Moisés, o civilizador, iniciou sua nova doutrina: “Não te alegres com a desgraça de teu inimigo”!
O livro Êxodo é um instrumento de fortalecimento do povo de Israel. A longa marcha dos escravos que deixam o Egito em busca de da terra prometida, em busca da liberdade, forneceu um arquétipo para a história e doutrina política para o Ocidente.
O percurso de que nos fala o livro é absolutamente implausível. Os estudiosos discordam até mesmo quanto à localização do Monte Sinai. Não importa, a longa e árdua travessia de Canaã, realizada em quarenta anos, simboliza um período de lutas e esperanças.
Não tardou, entretanto, que o enorme desafio de dar água e comida àquela gente se fizesse presente. O povo oscilava entre as “glórias dadas àquele que nos tirou do Egito” e a maldição àquele “que nos trouxera ao deserto tirando-nos da terra e da comodidade dos lares”. Os gritos “o que vamos beber?” e “o que vamos comer?” atormentavam Moisés, “que sempre se sentiu atormentado por todos os homens que ao seu redor se agrupavam”.
Josué ouvira falar de uma fonte no deserto chamada Mara; no entanto, a água era insalubre e o povo foi salvo por um engenho de Moisés: um sistema de filtros que a tornou potável. O civilizador demonstrou que a água podia e deveria ser tratada.
Saciada a sede, a fome ainda persistia. Os guerreiros de Josué notaram que, em determinados lugares do solo árido, crescia um líquen comestível, do qual se poderia fazer um bolinho alimentar, o maná. Essas descobertas foram os lenitivos do sofrimento da massa.
Na peregrinação buscavam agora um grande oásis, o Cádis, do qual tinham ouvido falar. Era um lugar encantador com muita água, frutas, gado, que seria bom o suficiente para que as tribos se fortalecessem até seguir o caminho para a “terra prometida”. Guiados pelas estrelas, lá se foram eles.
É claro que esse lugar já tinha dono, os amalecitas, e se Javé quisesse aquele local para seu povo teria que travar luta com Amalec, o deus daquele povo. Moisés vacilou em entrar em guerra pela posse de um local já ocupado, mas Josué contou-lhe a história de que Cádis, há muito tempo atrás, no século de Jacó e seus filhos, fora habitado por hebreus. Logo, as famílias que lá se encontravam, o haviam roubado e quem rouba ladrão…
De algum modo, Moisés deixou-se convencer. A luta pela posse da terra e seus bens foi sangrenta. Mas Israel, que significa “fazer a guerra com Deus”, venceu-a guiado pelos braços levantados de Moisés a implorar o auxílio de Javé. As crianças abandonadas pelos amalecitas que puderam fugir multiplicaram o número dos filhos de Israel, assim como as mulheres de Amalec se tornaram mulheres e criadas também de Israel.
Agora, sim, Moisés tinha todos os motivos do mundo para se considerar um homem feliz.
No horizonte de Cádis erguia-se o monte Horebe, coberto até sua metade por vegetação, cujo cume uma pequena nuvem impedia a visualização. E Moisés transportou do monte Sinai para lá seu deus, Javé, aquele que não tinha imagens e que queria ser único.
Ao lado de sua tenda, Moisés ergueu outra de reunião onde guardava os objetos sagrados “a la” madianita: uma arca com alças e dentro dela o cajado com cabeça de serpente, que seu irmão Aarão um dia usara nas conversas com o Faraó, assim como os dados do sim e do não, do certo e do errado.
Moisés decidiu implantar um primeiro tribunal, pois era necessário impor uma lei civilizatória. Por um lado, a justiça tinha a ver com a invisibilidade e a espiritualidade de seu Deus; Já a injustiça, seu povo teria que aprender a reconhecer. E ele deveria, além de aplicar a lei, ensiná-la a seu povo, cuja base lhe fora ensinada no Egito, derivada do código de Hamurabi.
Uma visita dos familiares madianitas de Séfora, sua esposa, o ajudou. Eles propuseram que se nomeassem Juízes, ao que ele, inicialmente resistiu e depois se rendeu, pois sempre soubera que os juízes são “comedores de presentes”. Ensinaram-lhe também o truque da apelação, em segunda e terceira instâncias, de tal modo que guardasse para si julgar apenas as questões de maior importância.
E Moisés logo se deu conta de que era necessário quase tudo ensinar àquele povo bárbaro, incluindo normas de higiene básicas. Obrigou que cada um tivesse sua pazinha e que fizessem suas necessidades diárias fora das tendas, e que, deveriam cobri-las com areia para não atrair insetos.
“Serás limpo e te banharás muitas vezes em água corrente; terás saúde, pois sem ela não existe pureza e nem santidade”, disse o civilizador.
Se os homens tivessem lepra, sarna e outras doenças transmissíveis, eles eram colocados em isolamento com suas impurezas para que não se alastrasse a contaminação.
Interferiu também nos hábitos alimentares da população: eles poderiam comer umas coisas e não outras. Por exemplo, os animais impuros, as aves carniceiras e os rastejantes não deveriam ser tocados.
Também os costumes deveriam sofrer transformação: o matrimônio sagrado não poderia ser rompido; o incesto entre irmãos e entre pais e filhos foi proibido; uma mulher menstruada estaria impura e não deveria ser importunada naqueles dias.
“Ouvi dizer que fazes de tua filha uma prostituta e te aproprias do dinheiro dela; se o fizeres, mandarei te apedrejar”. E, além disso, o civilizador e déspota fez comunicar: o sexo com animais e o homossexualismo seriam punidos também com a morte.
Proibiu-se a reprodução de imagens de homens, de animais e de deuses, assim como a tatuagem nos corpos, símbolo da prostituição feminina.
E mesmo correndo o risco de que o povo se confundisse, disse-lhes: “Eu sou o Senhor, vosso Deus.” Afinal, por sua voz falava o seu Deus.
Não era fácil para aquele povo solto submeter-se às ordens, aos valores e à disciplina de Moisés- Javé. De todos os modos “os anjos da morte” de Josué estavam sempre a postos para executarem uma sentença necessária ou para expulsar um transgressor.
“Javé e eu não queremos nem cruéis e nem covardes, permanecei no meio termo, sede decentes”.
Mais e mais restrições civilizatórias foram sendo, então, implantadas: não cobiçar a mulher, nem o bem do próximo; não roubar, nem matar; não dar falso testemunho; respeitar os mais velhos; consagrar o dia de sábado a Deus; não ser infiel no casamento. E nesse ponto, o amor de Moisés pela Moura, a concubina de fartos seios, casado que era com Séfora, causava-lhe muitos transtornos e envergonhava os filhos, que pertenciam à tropa militar de Josué.
Como se pode ver, não era nada fácil a missão que Javé impunha a Moisés e a seu povo, que, mesmo à custa de exemplos disciplinadores, ameaçava rebelar-se.
Foi quando a terra tremeu… Uma lava quente e grossa começou a escorrer por uma das encostas do monte Horebe e de seu cume evoluíam fogo e fumaça. Moisés teve a certeza de que seu deus o chamava, e era o momento azado para agir, enquanto o povo ainda acreditava na ira de Javé.
Mesmo com todos os riscos, Moisés munido de uma talha e de um martelo, fez-se acompanhar por todo seu povo até o pé do morro. Ele, então, escalou sozinho quase até o topo da montanha e lá permaneceu quarenta dias e quarenta noites. E no meio das sarças ardentes uma voz falou apenas a Moisés: “Sou o que sou”!
Embora o corpo militar lhe providenciasse, sem que ninguém o percebesse serviço de água e comida, não foi nada fácil sobreviver à temperatura e ao cheiro de enxofre, provenientes do monte-vulcão. Mas Moisés tinha que trabalhar. Precisava dar aos homens uma prova concreta da existência do Espírito; queria que suas leis básicas, as mais importantes permanecessem escritas e fossem “A Lei” para todo o sempre. No entanto, ele não era um homem de escritas. Confundia-se com os idiomas que conhecia, com os sons e seus símbolos. Buscou, então, se expressar por escrito do modo que todos entendessem as tábuas de pedra, talhadas no morro. Escreveu em duas tábuas o que se denominou de “Os Mandamentos”, cinco em cada uma. Quando terminou, cortou a pele do antebraço e fez com que o próprio sangue colorisse as letras. Ao final, desceu o monte Horebe e juntou-se ao povo.
Acontece que aquilo que viu o encheu de ira. O povo divertia-se ao som de timbales, fornicava pelos cantos e bebia; além do mais, adorava uma imitação tosca de bezerro feita com o ouro roubado no Egito, dançando e rindo a mais não poder. Na verdade, ninguém esperava que ele ainda vivesse, talvez mesmo o quisessem morto para exercer a liberdade conquistada, mas eis que, de repente, Moisés surge na companhia do comandante da repressão armada.
Ergue, então, com todo ódio, as suas tábuas da lei e as arrebenta contra o bezerro de ouro, destruindo-o. “O povo queria fazer sua festa frente a um deus mais cordial”, Aarão segreda ao irmão.
Moisés juntou aqueles que lhe seguiam fiéis e se estes já não eram poucos, foram aumentando sob a pressão. “Deus é paciente e misericordioso, perdoa delitos e transgressões, mas a ninguém deixa impune”. “Aqui será feita uma purificação sangrenta, pois as leis foram escritas com sangue. Os falsos guias serão aniquilados, serão entregues ao Anjo da Morte”.
E deixando para Josué as execuções, tanto as públicas quanto as em surdina, retornou ao Monte Horebe para trabalhar pelo seu povo e implorar o perdão a Javé.
E ali, próximo ao topo permaneceu mais quarenta dias e noites, burilando novas Tábuas da Lei. Javé consentiu na renovação e Moisés pediu-lhe que perdoasse os pecados de seu povo ou ele também seria um derrotado, pois o povo de sua eleição tornar-se-ia pagão, voltaria à adoração de Belial. Esse argumento foi forte o suficiente para convencer o Deus de Moisés a manter a tão abalada aliança, ou seja, o inabalável Jafé cedeu pela primeira vez!
Ao descer novamente do monte, Moisés trazia em cada braço uma nova “Tábua da Lei”. Proclamou: “Maldita seja a pessoa que disser: essas pedras não são verdadeiras. Maldito aquele que vos ensinar: levantem-se e sejam livres novamente!” “Esse é o vosso Deus, façam tudo em sua honra; esmagarei com meu pé o pecador. E quem pronunciar seu nome terá que cuspir para os quatro cantos e lavar a sua boca, dizendo, Deus me livre! Para que a terra volte a ser novamente a terra, um vale de lágrimas e não um prado de tolices. Dizei amém a isso!”
E todo o povo disse Amém.
E Moisés bíblico viveu até os 120 anos. Javé conduziu-o até o monte Nebo, defronte de Jericó, e mostrou-lhe ao longe toda a “Terra Prometida”, que ele jamais tocaria. Inexplicavelmente, foi Moisés o único ser humano capaz de descrever a própria morte ao final do último dos livros da Torá, o “Deuteronômio”.
Antes de morrer, Moisés possivelmente por falta de alternativa, colocou sua sucessão nas mãos assassinas de Josué (seria o mesmo do início da narrativa?). Em seu livro, também denominado “Josué”, ele (ou outros Josués), ademais de eventos históricos indecifráveis, narra com toda a arrogância tribal a crueldade cometida com prazer. Seu texto é repleto de maldições e triunfalismos, de barbáries como o apedrejamento de Achan, a prisão de Ai e a submissão humilhante dos derrotados.
E “Josué”, tão propalado pelos atuais “pastores”, verdadeiros apóstatas do Sagrado, do bem, da humanidade e dos valores civilizatórios, é a parte menos atraente de todo o longo texto canônico.
Referências:
1. Bíblia. SBB. 1969.
2. Mann, T.. A Lei. Mandarim, 2001.
3. Steiner, G.. Nenhuma paixão desperdiçada. Record, 2001.