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sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

Tensões científicas na CAPES e a Igreja Presbiteriana do Brasil: a farsa ardente para a ampliação do poder evangélico e destruição da ciência no Brasil, por Alexandre Filordi



Em uma dimensão, há o respaldo ideológico de uma instituição de fé a um governo que deliberadamente desmantela a pesquisa CIENTÍFICA no Brasil

(Homenagem a Serveto em Genebra, condenado à morte pela inquisição, uma vez denunciado por Calvino – o pai do Presbiterianismo).

Tensões científicas na CAPES e a Igreja Presbiteriana do Brasil: a farsa ardente 

por Alexandre Filordi

O símbolo da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) é a sarça ardente. Remete-se ao encontro de Moisés, no monte Horebe, com o inominável YHWH – יהוה – “sou o que sou”. A sarça não se consumia, daí o sentido da perenidade de “Deus”. Mas dadas as circunstâncias atuais, poder-se-ia ver na apropriação de tal símbolo uma farsa ardente. 
Recentemente, a mídia noticiou um dos pastores da IPB, em pleno ato solene de culto, fazendo proselitismo para que os membros de sua igreja assinassem a ficha de apoio à criação do partido Aliança pelo Brasil – sim, aquele cujo logo foi feito com cartuchos de munição de arma de fogo! (https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2020/01/29/em-culto-pastor-pede-apoio-ao-alianca.htm).
Instada a se posicionar, a IPB emitiu uma lacônica nota dizendo que não é uma igreja apolítica, porém, sempre apartidária (https://www.ipb.org.br/informativo/nota-de-esclarecimento-4235). Talvez seja obra do costume. Durante a ditadura cívico-militar brasileira, o AI 2 suprimiu os partidos políticos. A partir de 1966, o regime permitiu a criação de dois partidos: Aliança Renovadora Nacional, mais conhecida como Arena, de apoio ao governo cívico-militar, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição consentida e tímida. A mentalidade partidária maniqueísta do brasileiro tem o seu esteio aí: ou se é isso ou aquilo. Atualizando: se você discordar de algo relacionado aos mandos e desmandos do governo federal, destruindo as redes de proteção do Estado, imediatamente, você se torna esquerdopata, comunista, socialista, terrorista, petista, e, sob um curioso revival, subversivo.
Curioso notar, contudo, que a IPB, durante os anos de chumbo privilegiou o governo vigente. Protestantismo e Repressão, escrito por Rubem Alves – aliás, caçado pela IPB como pastor subversivo – é esclarecedora obra. Inquisição sem fogueiras, escrito por João Dias de Araújo – também caçado pela IPB, revela as perseguições aos estudantes de teologia do Seminário Presbiteriano do Sul – Campinas, gerando expulsões e impedimentos na formação seus futuros teólogos e pastores. O pecado dos estudantes: estudar fora do Index Librorum Prohibitorum da IPB. 
Essa pecha de ser apartidária vem da veia história da supressão dos partidos políticos e da adesão por consenso preconceituoso e tacanho da própria IPB. É que o presbiterianismo que chegou ao Brasil não foi o europeu, com um certo grau de emancipação intelectual entre o fim do século XVIII e o amadurecimento do XIX. O presbiterianismo que se aclimatou aqui foi o norteamericano, com pecha sulista, contaminado pelos preconceitos da guerra da secessão (1861-1865) e todos os atrasos intelectuais, além de uso e de costume, daí eivados. 
A permanência dessa lógica é tão presente na consolidação da extrema-direita norte-americana que basta ver o laço do trumpismo com as igrejas evangélicas, além da presbiteriana, nos EUA, sem contar o papel da “evangelização” na guerra-fria, etc. (Uma obra interessante sobre isso é Dark Money – The hidden history of the billionaires behind the rise of the radical right, de Jane Mayer). Logo, não precisa a IPB dizer que é apartidária, pois não sendo apolítica, ela sempre foi de extrema-direita: independentemente de partidos, claro está. 
É assim que, num lance de mestre de xadrez, as ciências brasileiras passam a ser vexadas e ameaçadas. O atual presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, agência de fomento fundamental para o desenvolvimento e a maturação das pesquisas no Brasil, sustenta a necessidade de se defender o criacionismo. Ele chega à CAPES após ocupar o cargo de Reitor em uma instituição educacional da IPB – o Mackenzie. 
O triste sintoma possível de se encontrar nessa conjuntura é assustador. Em uma dimensão, há o respaldo ideológico de uma instituição de fé a um governo que deliberadamente desmantela a pesquisa CIENTÍFICA no Brasil: cancela financiamentos, altera políticas de concessão de bolsas de pesquisa vigentes, estrangula a mobilidade dos pesquisadores, cancela editais de pesquisa, sem contar a incompetência precisa no caso do ENEM, comprometendo o ingresso de milhares de jovens nas Universidades e nos rituais iniciais da pesquisa científica. Tudo isso ocorre com a IPB tentando ocultar o seu acumpliciamento histórico com a farsa ardente da ditadura, da direita e da extrema-direita. Em outra perspectiva, por mais que a fé deva ser respeitada, uma instituição de fomento à pesquisa, portanto laica, como a ciência deve ser, passa a ser usada como couraça ideológica ao próprio governo. Assim, as ciências passam a ser reduzidas a uma profissão de fé.
Desnecessário continuar este texto para dizer que vamos de mal a pior. Fico imaginado se houvesse no comando da CAPES um adepto do candomblé e defendesse, publicamente, que no princípio, Olorum, o ser supremo, governava o Orun, o céu. A Terra não era nada mais que uma imensidão de pântanos governada por Olokun, a grande mãe, guardiã da memória ancestral. Então, Obatalá, a divindade da criação, teve a ideia de colocar terra sólida sobre os pântanos… 
Podemos imaginar o que o patriarcado, os brancos, os evangélicos, os cidadãos de bem fariam? Podemos? 
Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP)

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