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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

A pastora-ministra é profissional em levar a política (da Direita) para dentro das igrejas, por Cíntia Alves




"Presidente eleito, Jair Bolsonaro inaugurou a figura do “anti-ministério”. Agora o Brasil terá pastas voltadas contra sua própria existência. Aconteceu no Itamaraty, na Educação, mais recentemente no Meio Ambiente e, claro, nos Direitos Humanos fundido à antiga área de Políticas Para Mulheres e à Funai. Tudo delegado à pastora e advogada Damares Alves, que começou os trabalhos no “Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos” levantando a bandeira da “bolsa estupro” - uma agenda de Eduardo Cunha e baixo clero que levou milhares de feministas às ruas em 2015. (...) A propósito, Damares já falou de Eduardo Cunha aos fiéis de sua Igreja. Disse ela que, apesar de preso por corrupção, o ex-deputado tentou fazer o bem no Congresso em pautas relacionadas à defesa da vida. É Deus atuando à própria maneira, disse, e não cabe a nós entender os instrumentos utilizados por Ele em seus planos."



Damares Alves fala de aborto - uma de suas agendas prioritárias - com informações parciais e da perspectiva já repudiada pelo movimento feminista nas ruas
Por Cíntia Alves:
Jornal GGN - Presidente eleito, Jair Bolsonaro inaugurou a figura do “anti-ministério”. Agora o Brasil terá pastas voltadas contra sua própria existência. Aconteceu no Itamaraty, na Educação, mais recentemente no Meio Ambiente e, claro, nos Direitos Humanos fundido à antiga área de Políticas Para Mulheres e à Funai. Tudo delegado à pastora e advogada Damares Alves, que começou os trabalhos no “Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos” levantando a bandeira da “bolsa estupro” - uma agenda de Eduardo Cunha e baixo clero que levou milhares de feministas às ruas em 2015. Uma proposta que está na contramão das discussões mais avançadas sobre o aborto aqui e no resto do mundo.
Com Damares, o The Guardian já publicou que Bolsonaro praticamente “aboliu” os Direitos Humanos no País, substituindo o escopo técnico do ministério por “valores” da família conservadora. Valores que têm sido tabulados e disseminados em todo o território nacional, com atenção especial ao Nordeste, por lideranças religiosas que se profissionalizaram em levar a mensagem política da extrema-direita para dentro dos templos. Ironicamente, estas lideranças esperneiam em favor da "despolitização" de escolas e universidades.
Evangélica da Assembleia de Deus, a pastora-ministra (tudo indica que ela não deixará de ser uma coisa para ser outra), ao menos desde 2014, vai de igreja em igreja com o mesmo script. O GGN assistiu a mais de 4 horas de pregação com Damares para identificar o roteiro.
No começo, ela falava que a Nação estava “doente” (possível alusão à reeleição de Dilma Rousseff). Do impeachment para cá, diz que Jeová ouviu as preces dos fiéis e "sarou esta Terra" que ainda coloca suas crianças em risco com políticas públicas que sexualizam (com a “ideologia de gênero”) e geram “confusão espiritual” (com o ensino de religiões de matriz afro e indígena nas escolas). Cabe à Igreja Evangélica, portanto, "restaurar a Nação” nesses campos, protegendo os “príncipes e princesas” que vão governar no futuro. 
O objetivo de Damares é incitar o fiél a sair do lugar cômodo em que está inserido para participar da vida pública. Ela pastoreia o público-alvo dos parlamentares que militam no Congresso por Escola Sem Partido, o fim do aborto e outras agendas da extrema-direita, e ensina ao mesmo público - na maioria das vezes, mulheres - o que pensar em relação aos “inimigos” que ameaçam a segurança de seus filhos.
A título de exemplo: em uma de suas participações gravadas e divulgadas no Youtube, Damares disse que a ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy gastou milhões de reais com uma política voltada à masturbação de bebês de menos de 1 ano nas creches públicas. No mesmo evento ela também insinuou que o “ponto G” na mulher é uma invenção do Ministério da Educação para incentivar a iniciação sexual precoce de meninas, e o resultado disso é uma epidemia de infecções vaginais nos locais que seguem a cartilha do MEC.
É de se imaginar que o kit gay e a mamadeira erótica que atribuíram à gestão de Fernando Haddad saíram de laboratórios da mesma estirpe.
Sobre o aborto, anunciado uma das prioridades de Damares no Ministério, a pastora já disse que são “mentirosos” os dados que apontam que milhares de brasileiras morrem todos os anos em decorrência do procedimento realizado de maneira clandestina. “Onde estão os túmulos?”, indagou. 
Para ela, não é questão de saúde pública, porque não é doença. Questão de saúde pública é febre amarela, dengue, malária.
Ela também já comparou a descriminalização do aborto à legalização da maconha, como se o lobby fosse apenas para enriquecer os cofres públicos com a regularização e taxação de impostos sobre as clínicas.
O que a Igreja precisa impedir, segundo ela, é que o Brasil vire os Estados Unidos, onde o aborto é permitido até no "nono mês" de gestação. Em verdade, a pastora leva a seu público informação pela metade ou menos.
Os Estados Unidos têm uma política fragmentada em relação ao aborto. Há estados com menos ou mais direitos para as mulheres, sendo que ter acesso ao procedimento se tornou cada vez mais difícil nos últimos anos na larga maioria dos Estados, justamente graças ao trabalho de lideranças religiosas junto aos políticos e à opinião pública. Clínicas foram e serão fechadas em várias regiões, obstáculos foram e serão colocados no caminho da mulher. O acesso já é privilégio de quem tem condições financeiras de transitar de um estado mais proibitivo para outro com menos restrições.
O documentário da Netflix Roe x Wade (o título é uma referência ao processo julgado na Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1973, que virou o marco regulatório do aborto, e que Trump prometeu na campanha revogar, alterando primeiro a composição do tribunal) descreve bem a situação atual no País.
No Brasil, a discussão sobre a descriminalização do aborto como direito da mulher se dá no Supremo e de maneira mais limitada, até a 12ª semana de gestação.
Tudo indica que, no governo Bolsonaro, e com Damares, o Ministério que deveria participar do debate em defesa das mulheres só apoiará aquelas que, mesmo em caso de estupro, aceitariam levar a gravidez adiante, por questão religiosa, em troca de ajuda financeira do estuprador, se ele for localizado, ou do poder público. É esta a essência da chamada “bolsa estupro” que Cunha tentou mas não conseguiu aprovar, junto com outras medidas que dificultariam o acesso ao aborto já previsto em lei.
A propósito, Damares já falou de Cunha aos fiéis de sua Igreja. Disse ela que, apesar de preso por corrupção, o ex-deputado tentou fazer o bem no Congresso em pautas relacionadas à defesa da vida. É Deus atuando à própria maneira, disse, e não cabe a nós entender os instrumentos utilizados por Ele em seus planos.

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