Hipernormalização, “fake News” e pós-verdade: as novas armas do poder na
realização do “Admirável Mundo Novo” da massificação, da desconsideração do
pensamento crítico e da Educação e da acomodação ideológica ao domínio de uma
minoria. Um mundo de Bannons, Trumps e fantoches armados patrocinados pelo
grande capital...
Que há algo de “errado” no mundo
em que as relações sociais estão se deteriorando a partir de uma visão de mundo
advinda de uma mídia e, mais ainda, de redes sociais que, apesar de vincularem
informações percebidas como “erradas” ou “inconsistentes”, por reforçarem
posicionamentos políticos ou de aspiração social pessoa, estimulam bolhas em que
as pessoas estão se isolando e atomizando ainda que percebam cada vez mais
distantes as promessas de paz, tranquilidade e prosperidade que nos fizeram a
partir do “fim da história”, em 1989, se tornaram um engodo, isso praticamente
todo mundo sente, de uma forma ou de outra. Que a Democracia real esta sendo
continuamente solapada e atacada por um grupo de detentores do capital é algo
um grupo bem menor pessoas estão a perceber. Que a “explicação” de que o mundo
está do jeito que está por não outra alternativa é algo que uma imensa multidão
parece aceitar sem maiores reflexões. Pior ainda é o incentivo simplória a uma
visão maniqueísta entre bons (normalmente os mais ricos fazendo pe desfazendo leis, governos, direitos de acordo com seus interesses) e maus, normalmente os que lutam por direitos sociais e
igualdade, de acordo com a ótica da grande mídia empresarial. O que as levaram
a isso?
O grande problema é entender
como, em uma época em que temos orgulho de sermos parte de uma sociedade
“científica”, possa existir esse conformismo e acomodação a tal “determinismo”
social e, com ele, a apatia frente aos
retrocessos humanos, sociais e ambientais que são banalizados, ou melhor, impostos como normais primeiro pela grande mídia empresarial e, agora, pelas Fake News, especialidade do outra especialista em alienação pró extrema-direita, Steve Bannon, o senhor da manipulação pelo Whatsapp. Será esta acomodação e apatia frente ao que se sabe ser mentiras parte de algo
inevitável ou, ao contrário, faz parte do jogo político em ação nos últimos
quarenta anos?
Um
escritor russo, chamado Alexei Yurchak, havia percebido no processo de decadência
soviético entre meados dos anos 70 e 80 que a mídia se tornara o principal
instrumento para o estabelecimento do conformismo e aceitação de uma falsa
realidade, a modalidade tecnológica da máxima que diz que uma mentira repetida
mil vezes se torna uma “realidade” aos ouvidos ou olhos de quem as assimila. A
este processo, ele chamou de Hipernormalização. Contudo, a
prática não foi uma característica apenas da extinta URSS, mas foi um predicado
da mídia na imposição dos interesses da classe dominante e dos anônimos detentores do grande capital em praticamente todo o mundo.
A ideia foi retomada pelo documentarista britânico Adam Curtis, que
realizou um excelente filme sobre o tema, chamado HyperNormalisation,
recentemente lançado pela BBC. O
documentário traça o histórico de 40 anos de desenvolvimento do jogo neoliberal
com o uso da mídia e novas tecnologias, partindo das costuras e jogos políticos
de Henry Kissinger e sua “ambiguidade construtiva”, do processo de demonização
do diferente, muito utilizado por Reagan e Teacher na imposição do
neoliberalismo nos anos 80 e culminando na construção midiática de falsos
inimigos (e que acabaram, por força da hipernormalização,
por se tornarem inimigos reais) como foi o caso de Muammar Kadafi e do clã
Assad, no Oriente Médio, com o resultado atual dos vários movimentos terroristas que todos vemos
horrorizados. O documentário também fala
dos primórdios da ascensão de Donald Trump e da ultra direita, das contradições
da utopia da internet e seu uso político e pelo mercado financeiro, em associação
com os veículos de comunicação de massa, em especial os que estão em mãos de
empresários e de políticos. E o foco do documentário está exatamente neste
fato: o excesso de informações e sua canalização para determinadas
interpretações pre-estabelecidas impede uma visão realmente crítica do que está
acontecendo. Assim, as pessoas, perdidas, acabam por outorgarem a capacidade de
“refletir” a outros que se apresentem por estes meios, pretensos especialistas,
ou os assim apresentados pela mídia, normalmente apresentando um discurso
pronto, compatível com os interesses de seus donos ou do poder financeiro que
os patrocinam.
A noção
de hipernormalização,
assim, se aproxima de outro neologismo, que foi escolhido pelo dicionário de
Oxford como a palavra do ano: a Pós-Verdade, ou seja, aquilo que não é verdade, mas que é
apresentado como se o fosse de tal modo que suplanta a própria realidade.
Assim como a hipernormalização, a “pós-verdade”, segundo o citado
dicionário, ocorre apenas quando os fatos objetivos valem menos para formar
opiniões que os “apelos às emoções e à
crenças pessoais” – incluindo preconceitos ou formas deturpadas de encarar
pessoas, fatos, acontecimentos - e são usados para justificar qualquer coisa
que seja de interesse de um grupo de pessoas que visem um determinado objeto
que não poderia ser obtido por vias normais, usando-se dos fatos reais. Como
diz o analista político Bob Fernandes, em um de seus vídeos,
“pós-verdade” é o que ocorre “quando a mistificação, a mentira bem
embrulhada é vendida, e consumida, como se "verdade" fosse”. O
jogo midiático envolvido no impeachment de Dilma Rousseff, que foi bem
reconhecido pela imprensa internacional, e os “apelos dramáticos” de certos
atores envolvidos no processo de linchamento midiático brasileiro demonstram
bem isto. Ao afinal, está cada vez mais claro que os pretextos usados para
derrubarem uma presidenta legitimamente eleita mostram-se a cada dias, não
apenas falsos, mas ridicularmente insanos, parte de uma grande farsa
orquestrada por forças reacionárias, como não deixa “mentir” suas consequências.
Dentro de uma certa interpretação, a
hipernormalização e sua irmã, a pós-verdade, juntas, são os principais meios
atuais de manipulação de mentalidades, apelando não tanto para a razão, mas
para o drama emocional, condicionando a percepção das pessoas, o que explica,
em parte, a onda conservadora que se abate sobre o mundo apesar da realidade
mesma que mostra que a crise de 2008 foi causada pelo Mercado Financeiro, o
único a se beneficiar com todos os males gerados, ou dos políticos de um
passado recente bem pouco abonador que retiraram uma presidente eleita e que
são, enfim, eles mesmos os causas das dores, dos incômodos, dos retrocessos
sociais, da violência institucionalizada, mas que foram apresentados por uma
ótica que encobria seus pontos negativos, ajudando a atingir os objetivos das
forças dominantes.
Este é o processo da hipernormalização: apesar da realidade, muitos são levados a aceitar a versão da Matrix mediatizada pela grande mídia. Não se precisa preocupar-se tanto com o pão havendo o circo da mídia. E assim, em grande parte, surgem os midia-idiotizados, pessoas seduzidas pelo estímulo narcísico de “informações” diluídas em formatos de espelhos de sua própria mentalidade, condicionados ao Admiravel Mundo Novo previsto por Aldous Huxley. Aqui, a Pós-Verdade e o midiático ditam uma nova – e pérfida – realidade à parte do real, onde as amarras narcísicas e egóicas que nos escravizam não são percebidas, por serem impostas insidiosamente através de uma percepção artificialmente fabricada.
Este é o processo da hipernormalização: apesar da realidade, muitos são levados a aceitar a versão da Matrix mediatizada pela grande mídia. Não se precisa preocupar-se tanto com o pão havendo o circo da mídia. E assim, em grande parte, surgem os midia-idiotizados, pessoas seduzidas pelo estímulo narcísico de “informações” diluídas em formatos de espelhos de sua própria mentalidade, condicionados ao Admiravel Mundo Novo previsto por Aldous Huxley. Aqui, a Pós-Verdade e o midiático ditam uma nova – e pérfida – realidade à parte do real, onde as amarras narcísicas e egóicas que nos escravizam não são percebidas, por serem impostas insidiosamente através de uma percepção artificialmente fabricada.
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