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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Hipernormalização, “fake News”, pós-verdade, manipulação e midiotia, por Carlos Antonio Fragoso Guimarães



Hipernormalização, “fake News” e pós-verdade: as novas armas do poder na realização do “Admirável Mundo Novo” da massificação, da desconsideração do pensamento crítico e da Educação e da acomodação ideológica ao domínio de uma minoria. Um mundo de Bannons, Trumps e fantoches armados patrocinados pelo grande capital...





Que há algo de “errado” no mundo em que as relações sociais estão se deteriorando a partir de uma visão de mundo advinda de uma mídia e, mais ainda, de redes sociais que, apesar de vincularem informações percebidas como “erradas” ou “inconsistentes”, por reforçarem posicionamentos políticos ou de aspiração social pessoa, estimulam bolhas em que as pessoas estão se isolando e atomizando ainda que percebam cada vez mais distantes as promessas de paz, tranquilidade e prosperidade que nos fizeram a partir do “fim da história”, em 1989, se tornaram um engodo, isso praticamente todo mundo sente, de uma forma ou de outra. Que a Democracia real esta sendo continuamente solapada e atacada por um grupo de detentores do capital é algo um grupo bem menor pessoas estão a perceber. Que a “explicação” de que o mundo está do jeito que está por não outra alternativa é algo que uma imensa multidão parece aceitar sem maiores reflexões. Pior ainda é o incentivo simplória a uma visão maniqueísta entre bons (normalmente os mais ricos fazendo pe desfazendo leis, governos, direitos de acordo com seus interesses) e maus, normalmente os que lutam por direitos sociais e igualdade, de acordo com a ótica da grande mídia empresarial. O que as levaram a isso?

O grande problema é entender como, em uma época em que temos orgulho de sermos parte de uma sociedade “científica”, possa existir esse conformismo e acomodação a tal “determinismo” social e, com ele,  a apatia frente aos retrocessos humanos, sociais e ambientais que são banalizados, ou melhor, impostos como normais primeiro pela grande mídia empresarial e, agora, pelas Fake News, especialidade do outra especialista em alienação pró extrema-direita, Steve Bannon, o senhor da manipulação pelo Whatsapp. Será esta acomodação e apatia frente ao que se sabe ser mentiras parte de algo inevitável ou, ao contrário, faz parte do jogo político em ação nos últimos quarenta anos?

   Um escritor russo, chamado Alexei Yurchak, havia percebido no processo de decadência soviético entre meados dos anos 70 e 80 que a mídia se tornara o principal instrumento para o estabelecimento do conformismo e aceitação de uma falsa realidade, a modalidade tecnológica da máxima que diz que uma mentira repetida mil vezes se torna uma “realidade” aos ouvidos ou olhos de quem as assimila. A este processo, ele chamou de Hipernormalização. Contudo, a prática não foi uma característica apenas da extinta URSS, mas foi um predicado da mídia na imposição dos interesses da classe dominante e dos anônimos detentores do grande capital em praticamente todo o mundo.

   A ideia foi retomada pelo documentarista britânico Adam Curtis, que realizou um excelente filme sobre o tema, chamado HyperNormalisation, recentemente lançado pela BBC.  O documentário traça o histórico de 40 anos de desenvolvimento do jogo neoliberal com o uso da mídia e novas tecnologias, partindo das costuras e jogos políticos de Henry Kissinger e sua “ambiguidade construtiva”, do processo de demonização do diferente, muito utilizado por Reagan e Teacher na imposição do neoliberalismo nos anos 80 e culminando na construção midiática de falsos inimigos (e que acabaram, por força da hipernormalização, por se tornarem inimigos reais) como foi o caso de Muammar Kadafi e do clã Assad, no Oriente Médio, com o resultado atual dos vários  movimentos terroristas que todos vemos horrorizados.  O documentário também fala dos primórdios da ascensão de Donald Trump e da ultra direita, das contradições da utopia da internet e seu uso político e pelo mercado financeiro, em associação com os veículos de comunicação de massa, em especial os que estão em mãos de empresários e de políticos. E o foco do documentário está exatamente neste fato: o excesso de informações e sua canalização para determinadas interpretações pre-estabelecidas impede uma visão realmente crítica do que está acontecendo. Assim, as pessoas, perdidas, acabam por outorgarem a capacidade de “refletir” a outros que se apresentem por estes meios, pretensos especialistas, ou os assim apresentados pela mídia, normalmente apresentando um discurso pronto, compatível com os interesses de seus donos ou do poder financeiro que os patrocinam.

  A noção de hipernormalização, assim, se aproxima de outro neologismo, que foi escolhido pelo dicionário de Oxford como a palavra do ano: a Pós-Verdade, ou seja, aquilo que não é verdade, mas que é apresentado como se o fosse de tal modo que suplanta a própria realidade. Assim como a hipernormalização, a “pós-verdade”, segundo o citado dicionário, ocorre apenas quando os fatos objetivos valem menos para formar opiniões que os “apelos  às emoções e à crenças pessoais” – incluindo preconceitos ou formas deturpadas de encarar pessoas, fatos, acontecimentos - e são usados para justificar qualquer coisa que seja de interesse de um grupo de pessoas que visem um determinado objeto que não poderia ser obtido por vias normais, usando-se dos fatos reais. Como diz o analista político Bob Fernandes, em um de seus vídeos, “pós-verdade” é o que ocorre “quando a mistificação, a mentira bem embrulhada é vendida, e consumida, como se "verdade" fosse”. O jogo midiático envolvido no impeachment de Dilma Rousseff, que foi bem reconhecido pela imprensa internacional, e os “apelos dramáticos” de certos atores envolvidos no processo de linchamento midiático brasileiro demonstram bem isto. Ao afinal, está cada vez mais claro que os pretextos usados para derrubarem uma presidenta legitimamente eleita mostram-se a cada dias, não apenas falsos, mas ridicularmente insanos, parte de uma grande farsa orquestrada por forças reacionárias, como não deixa “mentir” suas consequências.

 Dentro de uma certa interpretação, a hipernormalização e sua irmã, a pós-verdade, juntas, são os principais meios atuais de manipulação de mentalidades, apelando não tanto para a razão, mas para o drama emocional, condicionando a percepção das pessoas, o que explica, em parte, a onda conservadora que se abate sobre o mundo apesar da realidade mesma que mostra que a crise de 2008 foi causada pelo Mercado Financeiro, o único a se beneficiar com todos os males gerados, ou dos políticos de um passado recente bem pouco abonador que retiraram uma presidente eleita e que são, enfim, eles mesmos os causas das dores, dos incômodos, dos retrocessos sociais, da violência institucionalizada, mas que foram apresentados por uma ótica que encobria seus pontos negativos, ajudando a atingir os objetivos das forças dominantes.

Este é o processo da hipernormalização: apesar da realidade, muitos são levados a aceitar a versão da Matrix mediatizada pela grande mídia. Não se precisa preocupar-se tanto com o pão havendo o circo da mídia. E assim, em grande parte, surgem os midia-idiotizados, pessoas seduzidas pelo estímulo narcísico de “informações” diluídas em formatos de espelhos de sua própria mentalidade, condicionados ao Admiravel Mundo Novo previsto por Aldous Huxley. Aqui, a Pós-Verdade e o midiático ditam uma nova – e pérfida – realidade à parte do real, onde as amarras narcísicas e egóicas que nos escravizam não são percebidas, por serem impostas insidiosamente através de uma percepção artificialmente fabricada.

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