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quarta-feira, 26 de setembro de 2018

#EleNão porque eu sou Cristão: Um pastor batista e um padre católico explicam porque não votam em Bolsonaro


No entanto, “nós precisamos saber de que Deus ele (Bolsonaro) está falando. De que família ele está dizendo? De uma família que dá porrada no filho e que discrimina a mulher?”, afirma, porém, o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, que soma o coro do #EleNão ao lado do pastor evangélico Levi Araújo, da Igreja Batista Água Branca.



Do Justificando:

Ele não porque eu sou Cristão

Quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Ele não porque eu sou Cristão



Por Caroline Oliveira
Deus é um dos norteadores do discurso de Jair Bolsonaro. Sua candidatura é uma missão divina como traduz o seu nome do meio, Messias, e como o próprio declara. Essa é a sua propaganda, moralmente cravada nos corações cristãos brasileiros e daqueles que nem tanto. Após o atentado, o clima de fanatismo religioso em torno do candidato aumentou. “Estou vivo por um milagre”. Ao lado de Deus, posta-se a família. Logo, as armas diante da segurança. Tudo azeitado sob as bênçãos do totalitarismo daquilo que é dito e não dito.
“nós precisamos saber de que Deus ele está falando. De que família ele está dizendo? De uma família que dá porrada no filho e que discrimina a mulher?”,
No entanto, “nós precisamos saber de que Deus ele está falando. De que família ele está dizendo? De uma família que dá porrada no filho e que discrimina a mulher?”, afirma, porém, o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo, que soma o coro do #EleNão ao lado do pastor evangélico Levi Araújo, da Igreja Batista Água Branca.
Conhecido pelo trabalho social que realiza com população em situação de rua na cidade de São Paulo, o padre não pôde falar com o Justificando de bate pronto. “Estou atendendo um irmão em situação de rua no momento”. Só depois retornou a ligação, e, então, disse que não vota em um candidato como o Bolsonaro porque não é esse o ensinamento que acompanha.
“O caminho que eu sigo é o da tolerância, não discriminação, não preconceito, não tortura, violência”, afirma Lancellotti.
Saindo da ação pessoal e partindo para a população de cristãos como um todo, ele acredita que nenhum religioso deveria votar no Bolsonaro por coerência a determinados princípios. “Não se pode ser cristão e ser a favor da tortura, ou acreditar no preconceito”, diz.
Ele vê contradições e um entendimento classista do cristianismo. Este, usado em discursos que pregam o contrário que propõe a religião, transforma-se em uma ferramenta de dominação tornando-se inofensiva. “Como não se deixaram mudar pela proposta de Jesus, mudaram Jesus”, afirma. E complementa, “o cristianismo é uma prática revolucionária, de questionamento, não de legitimação do poder”.

O padre Julio Lancelotti fala na solenidade de instalação do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (Foto: Wilson Dias/Agência Brasil)
Segundo as próprias declarações do presidenciável pelo Partido Social Liberal (PSL), ele “daria um coro” em seu filho se este desse indícios de homossexualidade. O autor de seu livro de cabeceira é o torturador da ditadura militar Coronel Ustra, “o terror de Dilma Rousseff”, como afirmou Bolsonaro. Aos “petralhas”, o fuzilamento, como disse em comício. FHC também iria nessa, afirmou em um programa de televisão. Os negros, promíscuos e sete arrobas, disse sem constrangimento em uma palestra. Maria do Rosário não deveria ser estuprada, como se houvessem aquelas passíveis de serem, ironizou também o candidato. Mediante essas e outras, o  padre da Pastoral do Povo da Rua se posiciona sem titubear“é uma questão de coerência e de superação a todo tipo de totalitarismo, imposição e apologia à violência. Eu não posso justificar, a partir de posições pessoais, uma escolha que é frontalmente contra a doutrina que queremos vivenciar”, esclarece o padre, que vê o candidato como a representação da desumanização.
“Um sistema democrático que permite a vitória do totalitarismo não é em si democrático. É a negação da democracia”, disse. Para Lancellotti, não se pode generalizar o fascismo em todos os apoiadores, há uma parcela da população que vota em Bolsonaro por falta de discernimento e por uma busca de resultados imediatos a qualquer preço. Mas ele lembra que “grande parte das propostas que o candidato faz não pode ser executada por um presidente em regime democrático”. Para isto, seria necessário a dissolução do Congresso Nacional e a instauração de poderes ditatoriais. Seu candidato à vice-Presidência, Mourão, defende publicamente a possibilidade de intervenção militar e de um “autogolpe”. Por essa nenhum vice-decorativo esperava.
“Um sistema democrático que permite a vitória do totalitarismo não é em si democrático. É a negação da democracia”
Na mesma linha, o pastor batista reformado Levi Araújo não vota em Bolsonaro porque é “discípulo de Jesus de Nazaré e um cidadão que preza pelos direitos constitucionais”, os quais configuram o Estado Democrático de Direito, e, por isso, o Estado Laico, cujo foro preserva a liberdade religiosa.
Para ele, ninguém deve votar nas polarizações colocadas no momento por medo de qual presidenciável pode chegar ao Planalto. “Não se faz democracia com medo ou raiva. Esse voto útil e odioso de todos os lados não é saudável, não tem saúde democrática, é um voto adoecido”. Levi acredita que esse é um pontos que move o voto no “Messias”. Aliado à chantagem, o medo repete o clima de 1964.
De acordo com o pastor, o comunismo, transfigurado hoje fantasticamente no petismo pela mídia e por personagens particulares, é vendido como o ataque à Família e aos Bons Costumes. Vale ressaltar que os bancos lucraram oito vezes mais no governo Lula do que no FHC, segundo levantamento realizado pelo Valor Econômico. A sombra da Venezuela e, do lado de lá, o stalinismo. Mas, para ele, a chantagem também se dá pela comunicação falseada sobre “ideologia de gênero, legalização das drogas e do aborto”. “É uma chantagem que pega e faz com que as pessoas fiquem com medo, o que é uma falácia”, afirma o pastor.
“Nós, cristãos, somos contra o aborto. Eu tenho a minha convicção pessoal cristã. Contudo, vivo em um País onde existem outras religiões. Essa é uma resposta simples. Existe outra mais forte: o aborto é, antes de tudo, uma questão de saúde pública, e deve ser debatido com a sociedade. O problema é que a moral cristã passa a ser creditada como o único argumento possível”, afirma Araújo.

Pastor Levi Araújo, da Igreja Batista Água Branca (Foto: Reprodução Facebook)
Sobre ideologia de gênero, para ele, isso não existe. “O que existe é uma busca para respeitar as pessoas nas suas decisões e opiniões. Qualquer pessoa tem o direito de fazer o que quiser. Deus criou o ser humano com a capacidade de decidir. Se o Deus que eu creio deixou o povo escolher, é uma bobagem querer ser melhor que Deus.”
Por fim, o pastor afirma que um líder espiritual tem o direito de abrir ou não o seu voto, mas jamais de impô-lo ou de manipular os seguidores para votarem em sua preferência”. Além disso, um “líder espiritual não tem o direito de se omitir e não se posicionar em casos extremos de risco e comprometimento do Estado Democrático de Direito, do Estado Laico, das políticas públicas de seguridade social, dos direitos humanos e da banalização da vida”, afirma.


A ampliação do discurso fascista afeta diretamente pessoas em situação de rua

Durante as ações truculentas da Prefeitura de São Paulo na Cracolândia, os “rapas realizados pela Guarda Civil Metropolitana da cidade e a morte de um morador de rua na Mourato Coelho, Lancellotti sempre expôs as incongruências de uma cidade que se diz cristão em sua população mas legitima ações como essa.
Mesmo que o candidato do PSL não ganhe o pleito presidencial deste ano, para o padre, o fascismo já saiu do armário. “O próprio Bolsonaro não controla mais o bolsonarismo, cujo guarda-chuva que está justificando todas as ações de discriminação e afins.”
Para ele, esse discurso da extrema-direita incide diretamente sobre a população em situação de rua. “Quando [agentes de segurança] escutam políticos desse espectro político e ideológico, sentem-se legitimados”.
Arte e edição: André Zanardo

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