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terça-feira, 18 de setembro de 2018

A irresponsabilidade midiática em julgamento, por Fábio de Oliveira Ribeiro




“... ditaduras modernas como novas formas de governo, nas quais ou os militares tomam o poder, abolem o governo civil e privam os cidadãos de seus direitos e liberdade políticos (...) Hannah Arendt


Do Jornal GGN



A irresponsabilidade midiática em julgamento
por Fábio de Oliveira Ribeiro
Hannah Arendt fez uma distinção crucial entre a ditadura e o totalitarismo. Segundo ela, nas:

“... ditaduras modernas como novas formas de governo, nas quais ou os militares tomam o poder, abolem o governo civil e privam os cidadãos de seus direitos e liberdade políticos, ou um partido se apodera do aparato de Estado às custas de todos os outros partidos e assim de toda a oposição política organizada. Os dois tipos significam o fim da liberdade política, mas a vida privada e a atividade não política não são necessariamente afetadas. É verdade que esses regimes em geral perseguem os opositores políticos com grande crueldade, e eles estão certamente muito longe de ser formas constitucionais de governo no sentido em que passamos a compreendê-las – nenhum governo constitucional é possível sem que sejam tomadas medidas para assegurar os direitos de uma oposição, mas eles não são criminosos no sentido comum da palavra. Se cometem crimes, eles são dirigidos contra inimigos declarados do regime no poder.” (Responsabilidade e Julgamento, Hannah Arendt, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 95)
Num regime totalitário, as coisas são diferentes.
“A sociedade totalitária, em oposição ao governo totalitário, é na verdade monolítica; todas as manifestações públicas, culturais, artísticas e eruditas, e todas as organizações, os serviços sociais e de bem-estar, até os esportes e o entretenimento são ‘coordenados’. Não há cargo nem emprego de relevância pública, das agências de propaganda ao judiciário, da representação no palco ao jornalismo esportivo, do ensino primário e secundário às universidades e sociedades acadêmicas, em que uma aceitação inequívoca dos princípios regentes não seja exigida. Quem quer que participe da vida pública, independentemente de ser membro do partido ou das formações de elite do regime, está implicado de uma maneira ou outra nas ações do regime como um todo.” (Responsabilidade e Julgamento, Hannah Arendt, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 96) 
O que se esboçando no Brasil não é uma ditadura e sim um regime totalitário. Isso fica bem claro quando levamos em consideração a ambição totalizante daqueles que pretendem preservar e/ou aprofundar o sistema de poder criminoso que assaltou o poder em 2016.  É essa ambição que explica a prisão de pessoas portando faixas com o nome de Lula, a punição administrativa imposta pela prefeitura de São Paulo ao PT por causa do showmício na Av. Paulista, a proibição pelo TSE do uso na campanha de Haddad da expressão “eu sou Lula”, a perseguição a diversos professores universitários por razões políticas, a criminalização do ato contra a escalada repressiva da PF que levou ao suicídio do reitor da Universidade de Santa Catarina, a sabotagem virtual do grupo de mulheres contra Jair Bolsonaro que foi criado no Facebook e, é claro, a pretensão do vice dele de fazer uma nova constituição sem a participação do povo.
Se levarmos em consideração esse contexto, é preocupante a insinuação feita no hospital pelo candidato da extrema direita que dará um golpe de estado se não for eleito. De fato, Bolsonaro já se comporta como se fosse dono do poder (ou, pior, como se o poder emanasse de sua augusta pessoa), o que em tese torna até mesmo desnecessária a eleição. Mais preocupante ainda é o fato dele estar recebendo apoio da Rede Globo, algo que faz as outras empresas de comunicação tratarem ele como se ele não fosse alguém que defendeu abertamente a tortura e um genocídio.
O estranho comportamento dos jornalistas da Rede Globo ao entrevistar o general Mourão e Fernando Haddad é sintomático. O candidato do PT foi constantemente hostilizado e interrompido diversas vezes. O vice de Bolsonaro não foi confrontado por uma vítima da ditadura (estou me referindo obviamente a Miriam Leitão) nem mesmo quando disse que os heróis dele são os torturadores e assassinos da ditadura militar de 1964/1988.
Suponho que o clã Marinho acredita que pode controlar Bolsonaro, que sob o governo dele - caso ele seja eleito ou chegue ao poder pela via rápida independentemente do resultado das eleições - apenas os inimigos do regime e da própria Rede Globo sofrerão as consequências. A elite alemã cometeu o mesmo erro nos anos 1930. O que parecia ser apenas um governo forte antissoviético rapidamente evoluiu para um regime totalitário. O preço que foi pago pelas vítimas do nazismo não deixou de ser cobrado dos próprios alemães. Quando as cidades do Reich começaram a ser atacadas as bombas incendiárias da RAF e da USAF não fizeram distinção entre os alemães ricos e os pobres alemães que apoiavam ou eram compelidos a apoiar o regime nazista.
O nazismo era ferozmente nacionalista e isso garantiu à Alemanha superar a crise financeira mundial iniciada nos EUA. Os neonazistas de Jair Bolsonaro batem continência para a bandeira dos EUA e querem desnacionalizar as empresas e os recursos minerais e petrolíferos brasileiros. Portanto, o regime neoliberal totalitário que está sendo diariamente construído nas ruas e nos telejornais não deixará de produzir um estrago ainda maior na nossa economia.
Os países que conseguiram superar a crise financeira de 2008 (Portugal e Islândia, por exemplo) e aqueles que não afundaram (Rússia, China e Índia) se recusaram a seguir a cartilha neoliberal que arrebentou a Argentina de Maurício Macri. As medidas neoliberais impostas ao país por Michel Temer apenas produziram mais desemprego, desindustrialização e aumento do endividamento público. A percepção de que fomos vítimas de um golpe de estado comprometeu a retomada da economia mediante a atração de novos investimentos estrangeiros.
Nosso país já está diplomaticamente isolado. É uma verdadeira estupidez acreditar que o cerco diplomático (que tende a aumentar em razão do descumprimento da decisão válida e eficaz proferida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU em favor de Lula) será rompido por um regime neoliberal totalitário, violento e potencialmente genocida que está lentamente substituindo a Constituição de 1988. Os juízes brasileiros que aderiram ao golpe de 2016 (e que tornam mais e mais vulnerável a democracia a cada decisão absurda) parecem ter esquecido uma lição fundamental:
“Todo esse mundo verdadeiramente humano, que em sentido estrito forma a esfera política, pode sim, ser destruído pela força bruta, mas não surgiu da força, e seu destino inerente não é perecer pela força.” (A promessa da política, Hannah Arendt, Difel, Rio de Janeiro, 2008, p. 222)
Antecipando o que pode ocorrer no Brasil, a Embaixada da Alemanha divulgou um vídeo sobre o que o nazismo fez ao seu país. Vale a pena conferir.
Os barões da mídia fizeram de tudo para derrubar Dilma Rousseff. Há pouco mais de dois anos, os comentaristas de TV diziam que era só derrubar o PT que a economia melhoraria. A economia não só não melhorou como agravou a crise política. A irresponsabilidade do clã Marinho nas últimas semanas é evidente. Eles ajudaram a destruir a economia brasileira com a Lava Jato e comprometeram a higidez do regime constitucional de 1988 ao apoiar o Impeachment. Agora os filhos do Dr. Roberto parecem determinado a substituir a farsa do golpe de 2016 por uma tragédia de grandes proporções.
Os golpistas que tem horror a sangue ainda podem dormir com suas consciências tranquilas. Eles conseguirão dormir tranquilamente no futuro?
“O que leva um homem a temer a sua consciência e a antecipação da presença de uma testemunha que o aguarda apenas se e quando ele vai para casa.” (Responsabilidade e Julgamento, Hannah Arendt, Companhia das Letras, São Paulo, 2010, p. 255)
Todo o mal que barões da mídia têm feito ao Brasil e aos brasileiros mais pobres é produto de um cálculo racional. Eles não querem pagar impostos, eles pretendem reduzir os prejuízos e/ou desejam aumentar seus lucros. A irracionalidade deles, contudo, me parece evidente. Eles lucraram mais do que os outros brasileiros durante o milagrinho econômico de Lula e Dilma Rousseff. Impacientes e irracionais, os comentaristas deles nos telejornais destilam ódio contra Lula e o PT todo santo dia. Alguns deles já não conseguem esconder que tem medo pavor de um povo que, apesar de tudo, tem se mostrado pacífico, alegre, tolerante, paciente e ordeiro. Todavia, em algum momento eles também serão obrigados a enfrentar suas próprias consciências ao presenciar o horror que estão criando.
As consciências das vítimas do totalitarismo neoliberal e seus defensores também irão se levantar para acusar os responsáveis. O julgamento da mídia brasileira será severo, mas não será injusto. Injusta é a irresponsabilidade total daqueles que acreditam que as vidas dos “outros” são indignas e descartáveis. 

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