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domingo, 19 de agosto de 2018

Decisão do Comitê da ONU em relação ao Lula não pode ser ignorada pelo Governo Brasileiro, por Conor Foley, professor visitante da PUC Rio e ex-consultor da ONU


  "A decisão do Comitê foi legal e não política e o Brasil aceitou que seus tribunais devam considerá-la em seus julgamentos. Ao invés de tentar descartar ou deturpar o significado desta decisão, o Brasil deveria considerar as conseqüências da politização crescente de seu sistema judiciário que tem prejudicado as salvaguardas internacionalmente reconhecidas, em busca do que parece ser uma perseguição de alguns juízes ao ex-presidente Lula." - Conor Foley


Do Jornal GGN:



A resposta do governo brasileiro e da maior parte da mídia brasileira à solicitação do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o Brasil tome todas as medidas necessárias para garantir que Lula possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão, como candidato nas eleições presidenciais de 2018, foi mal informada e desonesta.
O Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores do Brasil, emitiu uma declaração logo após a publicação do pedido afirmando que o Comitê  “é composto de especialistas individuais operando a título pessoal e não nacional" e sustentou que “suas conclusões são recomendações sem efeitos vinculantes”. A maioria da mídia brasileira repetiu obedientemente esse mantra, que está muito longe de expressar overdadeiro significado da decisão e do Comitê.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos não substitui a lei nacional, mas estabelece um conjunto abrangente de padrões normativos que podem ser aplicados a todos os sistemas jurídicos do mundo. Esses padrões levam em consideração a diversidade de sistemas legais existentes e estabelecem as garantias mínimas que todo sistema deve oferecer. Uma vez que um Estado tenha ratificado um tratado internacional, ele estará vinculado às suas disposições. Além disso, todos os Estados estão vinculados aos princípios – gerais ou consuetudinários – do direito internacional, e.g., a proibição do genocídio, da escravidão e da tortura. A maioria dos tratados internacionais de direitos humanos criou entes para monitorar a conformidade dos Estadosa esses tratados, dos quais o Comitê de Direitos Humanos da ONU é, sem dúvida, o órgão global mais importante.
O Comitê de Direitos Humanos da ONU monitora o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), um dos primeiros tratados globais de direitos humanos. Composto por 18 especialistas independentes eleitos pelos Estados partes do Pacto, o Comitê examina relatórios que os Estados são obrigados a submeter periodicamente, emite observações finais que chamam a atenção para pontos de preocupação e faz recomendações específicas aos Estados. O Comitê também pode considerar comunicações de indivíduos que alegam ter sido vítimas de violação do Pacto por um Estado parte. Para que este procedimento se aplique aos indivíduos, o Estado deve, ainda, ter se tornado parte do primeiro Protocolo Facultativo do Pacto.
O Comitê não deve ser confundido com o Conselho de Direitos Humanos da ONU, que é um órgão muito maior, eleito diretamente pela Assembléia Geral da ONU com base em listas regionais. Alguns membros deste Conselho são notórios violadores de direitos humanos - como a Arábia Saudita e a Etiópia - e atuam diretamente em nome de seus respectivos governos, tomando decisões de ordem política e não jurídica.

O Comitê de Direitos Humanos da ONU desenvolve uma jurisprudência internacional interpretadade forma consistente à luz de outros órgãos adjudicativos internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Européia de Direitos Humanos. Os membros de cada órgão baseiam-se, reciprocamente, nas diversas decisões para fazerem seus próprios julgamentos, contribuindo, assim, para consolidarinterpretações cada vez mais aperfeiçoadas do direito internacional. Ao contrário do que afirma o Itamaraty, é justamente pela independência de seus membros especialistas que suas decisões têm peso legal.

O fato de o Brasil ter ratificado o PIDCP e seu Protocolo Facultativo, permitiu que Lula a ele recorresse, oferecendo a sua denúncia.  As partes do Protocolo reconhecem “a competência do Comitê para receber e considerar comunicações de indivíduos sujeitos à sua jurisdição que reivindicam ser vítimas de uma violação por aquele Estado parte de qualquer um dos direitos estabelecidos no Pacto”. Essa denúncia ainda está pendente no Comitê e provavelmente será apreciada no início do próximo ano. A decisão técnica mais recente do Comitê de Direitos Humanos da ONU foi no sentido de pedir uma "medida intermediária". Isso não significa que o Comitê tenha encontrado uma violação ainda – trata-se de uma medida urgente para preservar o direito de Lula, aguardando a consideração de mérito do caso.
O caso de Lula foi apresentado por Geoffrey Robertson, advogado britânico e ex-juiz do Tribunal Especial para Serra Leoa. Ele havia solicitado uma ação urgente em três questões: que Lula fosse imediatamente libertado da prisão, que lhe fosse concedido acesso à mídia e a seu partido político e que ele pudesse concorrer às eleições até que seus recursos perante os Tribunais tivessem sido apreciados em um julgamento justo. O Comitê rejeitou o primeiro pedido, mas confirmou os dois últimos.

A decisão do Comitê foi legal e não política e o Brasil aceitou que seus tribunais devam considerá-la em seus julgamentos. Ao invés de tentar descartar ou deturpar o significado desta decisão, o Brasil deveria considerar as conseqüências da politização crescente de seu sistema judiciário que tem prejudicado as salvaguardas internacionalmente reconhecidas, em busca do que parece ser uma perseguição de alguns juízes ao ex-presidente Lula.

Conor Foley é professor visitante da PUC Rio. Trabalhou em mais de 30 zonas de Guerra para as Nações Unidas, ONG’sde Dieitos Humanos e Organizações Humanitárias. Seu último livro chama-se UN Peacekeeping Operations and the Protection of Civilians is published by Cambridge University Press.

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