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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Marcelo e Eduardo no país de Moro, por Mauro Santayana





A notícia de que Marcelo Odebrecht teria, no longo processo a que está sendo submetido, protestado inocência e recusado bravamente o fechamento de um suposto acordo de delação premiada, contestando até mesmo a posição de seus advogados, além de discutir com procuradores, que finalmente teriam comemorado entusiasticamente a quebra de sua admirável resistência moral e psicológica, apenas reforça a convição — termo que está cada vez mais em voga ultimamente — de que o que ocorreu no caso de Odebrecht e de outros presos e empresas, não passa, em grande parte — para tempos "excepcionais", medidas "excepcionais" — de pressão, de extorsão e de tortura.

Para torturar uma pessoa nem sempre é preciso pendurar seu corpo no pau-de-arara, ou dar-lhe um banho de mangueira e choque elétrico, embora isso possa parecer incompreensível para boa parte dos "cidadãos de bem" desta nossa cordial civilização tropical, construída na base do massacre, do porrete, do tronco e da chibata.

Sugiro ver um filme clássico de Costa-Gravas, A Confissão, com Ives Montand e Simone Signoret — ambos comunistas, diga-se de passagem — ou ler o livro homônimo de Artur e Lise London, L'Aveu, sobre os processos stalinistas do final da década de 1950.

O que está ocorrendo, aqui e agora, é o seguinte:

Tendo o sujeito ocupado algum cargo público, ou feito negócios, de 2003 para cá, com o governo brasileiro ou mesmo governos estrangeiros, e passando a pertencer, por conta disso, a uma lista de "suspeitos" que, com quase que absoluta certeza, existe, voltada para comprovar a existência de uma conspiração vermelha dirigida a corromper, destruir e saquear a nação, e até mesmo países de outros continentes, primeiro ele é acusado, antes mesmo de ser preso, de envolvimento, na maioria das vezes indireto, com eventuais crimes ainda em investigação.

Vejam que, aqui, a quantidade de acusações é importante, mesmo que algumas delas sejam cruzadas, porque aumenta a chance de autorização de prisão, ainda que alguns pedidos venham a ser eventualmente recusados pelo Supremo Tribunal Federal.

Depois, o alvo é preso, temporariamente, sem flagrante, com base em ilações frágeis, ou algum pretexto isolado, por alguns dias.

Logo em seguida, com justificativas vagas e subjetivas, como a da "manutenção da ordem pública" — quando se trata de empresários e de ex-ministros e não de perigosos terroristas javaneses treinados para lá da Bessarábia por radicais anarquistas muçulmanos — transforma-se a sua prisão em preventiva, com duração praticamente indeterminada.

E, se o sujeito finalmente não aceitar, como Marcelo Odebrecht teve que fazer agora, depois de mais de 16 meses de aprisionamento kafquiano, as condições impostas pelos procuradores — ou seja, se não vier a falar o que se exige dele — apesar de condenado a quase 20 anos por imaginosas interpretações de mensagens de celular e suposto "domínio do fato", ele ainda é ameaçado de continuar preso indefinidamente, enquanto espera que o seu caso chegue à segunda instância, da qual, se houver confirmação da sentença, não haverá — como às portas do inferno — escapatória possível.

Alguém pode em sã consciência dizer que qualquer delação ou informação que venha a se originar de métodos como esses é voluntária ou moralmente legítima?

Como não é possível comprovar, na maioria das vezes, que houve desvios — o dinheiro que foi efetivamente para as contas pessoais de funcionários da Petrobras e de alguns deputados não passa de algumas dezenas de milhões de dólares, e o que foi para partidos políticos foi repassado como doação legal perfeitamente registrada na Justiça Eleitoral à época — assim como sempre ocorreu não apenas no governo do PT, mas desde o regime militar, e para todos os principais partidos — para legitimar a fantasia de um suposto escândalo de dezenas de bilhões de dólares, criam-se, também com justificativas "preventivas" ou tão altamente subjetivas quanto a da punição por supostos "danos morais coletivos", bloqueios e multas bilionárias — a Odebrecht terá que pagar inimagináveis 7 bilhões de reais — para dizer que a Lava-Jato estaria "recuperando" uma fortuna — sem nenhuma consideração com as centenas de milhares de empregos, investimentos, fornecedores, ações, projetos, programas, muitos deles estratégicos, dessas empresas, que foram ou serão sabotados ou inviabilizados com essa "punição" tão destrutiva quanto desmedida — para que os procuradores, e, indiretamente, os juízes envolvidos, possam posar de heróis para uma certa opinião pública, burra, manipulada e hipócrita.

A diferença entre Marcelo Odebrecht e Eduardo Cunha são o caráter e as circunstâncias.

Enquanto o primeiro resisitiu, por princípio, enquanto pôde, o segundo já entrou na cadeia negociando uma delação premiada com a ilusão de sair pela porta seguinte.

O ex-presidente da Câmara dos Deputados sabe, no final das contas, que o processo a que está sendo submetido, não ele, mas o país, é político, e que esse processo está sendo dirigido para um desfecho igualmente político, em 2018, e deverá trabalhar para dar sua "voluntária" contribuição para isso, a serviço do que quiserem ou deixarem subentender seus interrogadores.

A prisão de policiais legislativos, por parte de agentes da polícia federal por ordem de um juiz de primeira instância, com a absurda desculpa de terem feito — o que não é mais do que sua obrigação — varreduras em defesa do sigilo da comunicação de parlamentares eleitos por milhares de votos — já deixou claro o que até as placas de mármore que recobrem os palácios de Brasília já deveriam saber há tempos.

O grande réu da Operação Lava-Jato e de suas co-irmãs é a Política.

Não basta arrastar o Legislativo, o Executivo e os partidos na lama, durante meses, perante a opinião pública, com a cumplicidade de uma midia irresponsável, majoritariamente parcial e seletiva.

É preciso desafiar abertamente, se possível, diante das câmeras, o poder de deputados e senadores e daqueles que ocupam cargos executivos aos quais se chega pelo voto direto, secreto e obrigatório da maioria do povo brasileiro, para dizer indiretamente à população que ela não sabe votar, que sua pseudo autoridade, na verdade, não vale nada, e que ela deve se preparar para aceitar ser tutelada por uma plutocracia iluminada que chegou ao poder pela graça de Deus ou da caneta, por meio de indicação, no caso do TCU e do STF, ou de concurso, no caso do Judiciário e do Ministério Público.

Os políticos eleitos demoraram tanto para reagir, por burrice ou por medo, tantos estão sendo ideologica ou interesseiramente cooptados para a alteração da lei, no sentido de distorcer a Constituição e diminuir a l.iberdade e o amplo Direito de Defesa, que, agora, por mais que esperneie, o Congresso, de tanto se abaixar, já deixa entrever parte do traseiro, parcialmente protegido por calças de veludo YSL ou Giorgio Armani.

Resta saber a quem beneficiará tudo isso, no fim — se fim houver — desses "tempos excepcionais" de que fala o juiz Moro.

Se a um aventureiro messiânico, vingador e onipotente, com um raio e um martelo nos dois pratos da balança da "justiça", com os olhos muito bem postos na busca obsessiva e egocêntrica de cada vez mais poder e autoritarismo; ou se, coletivamente, a uma casta de privilegiadíssimos funcionários, com um padrão de vida muitíssimo superior ao dos comuns mortais, que busca se assenhorear, na prática, da República, sem a presença ou a legitimização do voto.

Nos dois casos, é mais fácil que se favoreça, nesse processo, o aparecimento de um novo e perigoso tipo de fascismo do que o fortalecimento da velha, e mesmo que defeituosa, sábia e imprescindível senhora a que se costuma chamar Democracia.

Mauro Santayana - fonte: Contexto Livre

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