Extraído do Tijolaço:
Ramonet analisa o golpe na Venezuela
22 de fevereiro de 2014 | 08:38 Autor: Miguel do Rosário
O diretor do Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, fez uma das melhores análises até agora sobre o que acontece na Venezuela. Ele lembra que o chavismo é profundamente democrático e denuncia o golpe em curso no país.
É interessante verificar o “modus operandi” dos protestos, descrito minuciosamente por Ramonet, sempre tendo como pano de fundo a tentativa de usar a violência para produzir instabilidade e comoção nacional. Provoca-se a polícia até o limite, inclusive com armas de fogo, fomentando reação do Estado, para em seguida denunciar a “repressão”.
Técnicas de manual
Por Ignacio Ramonet, na Folha.
A Venezuela passou por quatro eleições decisivas recentemente: duas votações presidenciais, uma para governos estaduais e uma para prefeituras. Todas foram vencidas pelo bloco da revolução bolivariana. Nenhum dos resultados foi impugnado pelas missões internacionais de observação eleitoral.
A votação mais recente aconteceu apenas dois meses atrás e resultou em clara vitória para os chavistas. Desde que Hugo Chávez assumiu a Presidência, em 1999, todas as eleições demonstram que, sociologicamente, o apoio à revolução bolivariana é majoritário no país.
Na América Latina, Chávez foi o primeiro líder progressista –desde Salvador Allende– a apostar na via democrática para chegar ao poder. Não é possível compreender o que é o chavismo se não for levado em conta o seu caráter profundamente democrático. A aposta de Chávez, ontem, e a de Nicolás Maduro, hoje, é o socialismo democrático. Uma democracia não só eleitoral. Também econômica, social, cultural…
Em 15 anos, o chavismo conferiu a milhões de pessoas que não tinham documentos de identidade por serem pobres a situação de cidadãos e permitiu que votassem. Dedicou mais de 42% do Orçamento do Estado aos investimentos sociais. Tirou 5 milhões de pessoas da pobreza. Reduziu a mortalidade infantil. Erradicou o analfabetismo. Multiplicou por cinco o número de professores nas escolas públicas (de 65 mil a 350 mil). Criou 11 novas universidades. Concedeu aposentadorias a todos os trabalhadores (mesmo os informais). Isso explica o apoio popular de que Chávez sempre desfrutou e as recentes vitórias eleitorais de Nicolás Maduro.
Por que, então, os protestos? Não nos esqueçamos de que a Venezuela chavista –por possuir as maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos– sempre foi (e será) objeto de tentativas de desestabilização e de campanhas de mídia sistematicamente hostis.
Apesar de se haver unido sob a liderança de Henrique Capriles, a oposição perdeu quatro eleições consecutivas. Diante desse fracasso, sua facção mais direitista, ligada aos Estados Unidos e liderada pelo golpista Leopoldo López, aposta agora em um “golpe de Estado lento”. E aplica as técnicas do manual quanto a isso.
Na primeira fase: 1. Criar descontentamento ao tirar do mercado produtos de primeira necessidade. 2. Fazer crer na “incompetência” do governo. 3. Fomentar manifestações de descontentamento. E 4. Intensificar a perseguição pela mídia.
A partir de 12 de fevereiro, os extremistas ingressaram na segunda fase: 1. Utilizar o descontentamento de um grupo social (uma minoria de estudantes) a fim de provocar protestos violentos e detenções. 2. Montar “manifestações de solidariedade” aos detidos. 3. Introduzir entre os manifestantes pistoleiros com a missão de provocar vítimas de ambos os lados (a análise balística determinou que os disparos que mataram o estudante Bassil Alejandro Dacosta e o chavista Juan Montoya, em 12 de fevereiro, em Caracas, foram feitos com a mesma arma, uma Glock calibre 9 mm). 4. Ampliar os protestos e seu nível de violência. 5. Redobrar a ofensiva da mídia, com apoio das redes sociais, contra a “repressão” do governo. 6. Conseguir que as “grandes instituições humanitárias” condenem o governo por “uso desmedido da violência”. 7. Conseguir que “governos amigos” façam “advertências” às autoridades locais.
É nesta etapa que estamos.
Portanto, a democracia venezuelana está ameaçada? Só se for, uma vez mais, pelos golpistas de sempre.
IGNACIO RAMONET, 70, é diretor do jornal “Le Monde Diplomatique” em sua versão espanhola e autor de “Fidel Castro: Biografia a Duas Vozes” e “Hugo Chávez, Minha Primeira Vida”, que será lançado em maio no Brasil
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Entrevista sobre mais uma tentativa de golpe na Venezuela, instigado pela direita, com o professor Igor Fuser
Entrevista sobre mais uma tentativa de golpe na Venezuela, instigado pela direita, com o professor Igor Fuser
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