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sábado, 14 de dezembro de 2013

Jesus Cristo “capitalista” e Papa Francisco “marxista”?



Nos EUA, o pontífice tem sido extremamente criticado por suas observações contrárias ao capitalismo moderno. A principal acusação? Marxismo
Por Vinicius Gomes
Após a rodada de conferências da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Bali, na Indonésia, o “embaixador” do Vaticano na ONU, o Arcebispo Silvano Tomas, emitiu as considerações da Santa Fé sobre o atual sistema econômico no mundo, onde vale destacar um parágrafo:

“Enquanto uma minoria está vivendo um exponencial crescimento de riqueza, o abismo cresce entre a vasta maioria da prosperidade usufruída por esses poucos felizes. Esse desequilíbrio é o resultado de ideologias que defendem uma autonomia absoluta do mercado e de especulação financeira [...] Uma nova tirania então nasce, invisível e quase virtual, a qual impõe, unilateralmente e impiedosamente, suas próprias regras e leis”. 
Já não é de hoje que o Vaticano tem atacado o atual sistema econômico mundial. Em maio desse ano, o papa Francisco alertou em um discurso sobre os perigos de uma economia “sem rosto” que esquece as pessoas e agrava as desigualdades. Pode parecer absurdo, mas o papa tem sido extremamente criticado por suas observações contrárias ao capitalismo moderno. A principal acusação ao pontífice? Marxismo.

Papa Francisco x Ultraconservadores
“Jesus Cristo era um capitalista e agora está chorando no Paraíso por culpa dele!”.
“Ele está acabando com o capitalismo e está acabando com a América!”.
“É Marxismo puro saindo da boca dele!”
Em todas essas frases, o “ele” se refere a Francisco e todas vieram de alguns dos ultraconservadores norte-americanos espalhados pela mídia. Em fins de novembro, o pontífice compartilhou alguns de seus pensamentos sobre o capitalismo selvagem e suas consequências para milhões de pessoas, em sua exortação de 84 páginas intitulada de Evangelii Gaudium. Após condenar a idolatria ao dinheiro, a desigualdade e a economia de exclusão, é seguro dizer que o papa não é um fervoroso capitalista. Fato esse que despertou a ira da extrema direita dos EUA, que chegou ao ponto de fazer comentários como os relatados acima.
O intelectual espanhol Vicenç Navarro destacou em seu artigo a respeito diversas passagens do documento papal, no qual Francisco se utilizou muito mais das palavras de Jesus (o grande “capitalista”) do que de “O Capital” de Karl Marx para condenar o sistema. “A crítica não se limita aos excessos do capitalismo, mas ao capitalismo em si, há partes do documento que parecem aproximar-se desta postura. Escreve Francisco: ‘o mandamento Não matarás estabelece um mandato de respeitar a vida humana. Daí que este ‘não matar’ deve aplicar-se a um sistema econômico baseado na desigualdade e na exclusão’. Acrescenta Francisco que “tal economia mata”.
E, diferentemente do que seus detratores tentam apontar, o papa parece saber muito bem do que está falando ao criticar o capitalismo moderno, como aponta Navarro ao citar o pontífice. “Algumas pessoas (Francisco poderia ter escrito a maioria dos establishments econômicos, financeiros, políticos e midiáticos europeus e estadunidenses) continuam defendendo as teorias do “trickle-down”, segundo as quais a concentração de riqueza produzida no crescimento econômico (capitalista) e em seus mercados trará inevitavelmente maior justiça e inclusão, ao aumentar a riqueza, melhorar a vida de todos e a coesão social. Essa opinião, que nunca foi confirmada por dados, expressa uma fé ingênua e crua na bondade dos que concentram o poder econômico e na eficiência sacrossanta do sistema econômico existente”.
Não é necessário ser um seguidor da Igreja Católica para admitir a propriedade que Francisco tem quando fala do capitalismo moderno. Ao acusá-lo de ser marxista e atacá-lo por defender os mais oprimidos pelo sistema, afirmando que o Jesus capitalista pregou contra a “distribuição de riqueza”, os conservadores caem no ridículo, ainda mais quando nos lembramos de algumas de suas clássicas e verdadeiras pregações, como “abençoados sejam os pobres” ou “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulho do que um rico entrar no Paraíso”.
Outra forma de criticar Francisco é compará-lo também a seus predecessores e seus antagonismos ao pensamento marxista. O falecido João Paulo II, por exemplo, é apontado como um dos grandes responsáveis pela derrota vermelha na Guerra Fria, junto ao ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan. O comentarista financeiro da conservadora Fox News, Stuart Varney, apontou que “ele entendia que os livres mercados são necessários, pois cresceu sob um regime comunista”. Pouco mais de um ano atrás, Bento XVI destacou a falha do marxismo em Cuba: “Hoje é evidente que a ideologia marxista, como foi concebida, não corresponde à realidade”.
Ironicamente, todos esses críticos de Francisco e defensores da econômica global fazem parte do “Tea Party”, a mesma linha conservadora republicana que poucos meses atrás quase provocou uma crise mundial com a paralisação do governo dos EUA, fazendo a Casa Branca de “refém” e a qual, Noam Chomsky classificou como profundamente reacionária. Não é a toa que as críticas ao Vaticano se juntam aos ataques a Obama.
Em tempo: o papa Francisco acaba de ser escolhido como a personalidade de 2013 pela revista Time. No ano passado havia sido Barack Obama.
 

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