Nos EUA, o pontífice tem sido
extremamente criticado por suas observações contrárias ao capitalismo moderno.
A principal acusação? Marxismo
Por Vinicius Gomes
Após a rodada de
conferências da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Bali, na Indonésia, o
“embaixador” do Vaticano na ONU, o Arcebispo Silvano Tomas, emitiu as considerações
da Santa Fé sobre o atual sistema econômico no mundo, onde vale destacar um
parágrafo:
“Enquanto uma minoria está vivendo um exponencial crescimento de
riqueza, o abismo cresce entre a vasta maioria da prosperidade usufruída por
esses poucos felizes. Esse desequilíbrio é o resultado de ideologias que
defendem uma autonomia absoluta do mercado e de especulação financeira [...]
Uma nova tirania então nasce, invisível e quase virtual, a qual impõe,
unilateralmente e impiedosamente, suas próprias regras e leis”.
Já não é de hoje que o Vaticano tem atacado o atual sistema econômico
mundial. Em maio desse ano, o papa Francisco alertou em um discurso sobre os
perigos de uma economia “sem rosto” que esquece as pessoas e agrava as
desigualdades. Pode parecer absurdo, mas o papa tem sido extremamente criticado
por suas observações contrárias ao capitalismo moderno. A principal acusação ao
pontífice? Marxismo.
Papa Francisco x Ultraconservadores
“Jesus Cristo era
um capitalista e agora está chorando no Paraíso por culpa dele!”.
“Ele está acabando
com o capitalismo e está acabando com a América!”.
“É Marxismo puro
saindo da boca dele!”
Em todas essas frases, o “ele” se
refere a Francisco e todas vieram de alguns dos ultraconservadores
norte-americanos espalhados pela mídia. Em fins de novembro, o pontífice
compartilhou alguns de seus pensamentos sobre o capitalismo selvagem e suas
consequências para milhões de pessoas, em sua exortação de 84 páginas
intitulada de Evangelii
Gaudium. Após condenar a idolatria ao dinheiro, a desigualdade e a
economia de exclusão, é seguro dizer que o papa não é um fervoroso capitalista.
Fato esse que despertou a ira da extrema direita dos EUA, que chegou ao ponto
de fazer comentários como os relatados acima.
O intelectual espanhol Vicenç Navarro
destacou em seu artigo
a respeito diversas passagens do documento papal, no qual Francisco se utilizou
muito mais das palavras de Jesus (o grande “capitalista”) do que de “O Capital”
de Karl Marx para condenar o sistema. “A crítica não se limita aos excessos do
capitalismo, mas ao capitalismo em si, há partes do documento que parecem
aproximar-se desta postura. Escreve Francisco: ‘o mandamento Não matarás
estabelece um mandato de respeitar a vida humana. Daí que este ‘não matar’ deve
aplicar-se a um sistema econômico baseado na desigualdade e na exclusão’.
Acrescenta Francisco que “tal economia mata”.
E, diferentemente do que seus
detratores tentam apontar, o papa parece saber muito bem do que está falando ao
criticar o capitalismo moderno, como aponta Navarro ao citar o pontífice.
“Algumas pessoas (Francisco poderia ter escrito a maioria dos establishments
econômicos, financeiros, políticos e midiáticos europeus e estadunidenses)
continuam defendendo as teorias do “trickle-down”, segundo as quais a
concentração de riqueza produzida no crescimento econômico (capitalista) e em
seus mercados trará inevitavelmente maior justiça e inclusão, ao aumentar a
riqueza, melhorar a vida de todos e a coesão social. Essa opinião, que nunca
foi confirmada por dados, expressa uma fé ingênua e crua na bondade dos que
concentram o poder econômico e na eficiência sacrossanta do sistema econômico
existente”.
Não é necessário ser um seguidor da
Igreja Católica para admitir a propriedade que Francisco tem quando fala do
capitalismo moderno. Ao acusá-lo de ser marxista e atacá-lo por defender os mais
oprimidos pelo sistema, afirmando que o Jesus capitalista pregou contra a
“distribuição de riqueza”, os conservadores caem no ridículo, ainda mais quando
nos lembramos de algumas de suas clássicas e verdadeiras pregações, como
“abençoados sejam os pobres” ou “é mais fácil um camelo passar pelo buraco de
uma agulho do que um rico entrar no Paraíso”.
Outra forma de criticar Francisco é
compará-lo também a seus predecessores e seus antagonismos ao pensamento
marxista. O falecido João Paulo II, por exemplo, é apontado como um dos grandes
responsáveis pela derrota vermelha na Guerra Fria, junto ao
ex-presidente norte-americano, Ronald Reagan. O comentarista financeiro da
conservadora Fox News, Stuart Varney, apontou
que “ele entendia que os livres mercados são necessários, pois cresceu sob um
regime comunista”. Pouco mais de um ano atrás, Bento XVI destacou
a falha do marxismo em Cuba: “Hoje é evidente que a ideologia marxista, como
foi concebida, não corresponde à realidade”.
Ironicamente, todos esses críticos de
Francisco e defensores da econômica global fazem parte do “Tea Party”, a mesma
linha conservadora republicana que poucos meses atrás quase provocou uma crise
mundial com a paralisação do governo dos EUA, fazendo a Casa Branca de “refém”
e a qual, Noam Chomsky classificou
como profundamente reacionária. Não é a toa que as críticas ao Vaticano se juntam aos
ataques a Obama.
Em tempo: o papa Francisco acaba de ser escolhido
como a personalidade de 2013 pela revista Time. No ano passado havia sido
Barack Obama.
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