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quarta-feira, 19 de junho de 2013

Nós, humanos: seres que fazemos e somos parte da História


Transcrevo recente texto de Leonardo Boff, filósofo e ecologista social, que cai muito bem com o atual momento nacional:

O ser humano como nó de relações totais





LEONARDO BOFF


Em 1845 Karl Marx escreveu suas famosas 11 teses sobre Feurbach, publicadas somente em 1888 por Engels. Na sexta tese Marx afirma algo verdadeiro, mas reducionista: "A essência humana é o conjunto das relações sociais”. Efetivamente não se pode pensar a essência  humana fora das relações sociais. Mas ela é muito mais que isso pois resulta do conjunto de suas relações totais.

Descritivamente, sem querer definir a essência humana, ela emerge como um nó de relações voltadas para todas as direções: para baixo, para cima, para dentro e para fora. É como um rizoma, aquele bulbo com raízes em todas as direções. O ser humano se constrói na medida em que ativa este complexo de relações, não somente as sociais.
Em outros termos, o ser humano se caracteriza por surgir como  uma abertura ilimitada: para si mesmo, para o mundo, para o outro e para a totalidade. Sente em si uma pulsão infinita, embora encontre somente objetos finitos. Daí a sua permanente implenitude e insatisfação. Não se trata de um problema psicológico que um psicanalista ou um psiquiatra possa curar. É sua marca distintiva, ontologógica, e não um defeito.
Mas aceitando a indicação de Marx, boa parte da construção  do humano se realiza, efetivamente, na sociedade. Daí a importância de considerarmos qual seja a formação social que melhor cria as condições para ele poder desabrochar mais plenamente nas mais variadas relações.
Sem oferecer as devidas mediações, diria que a melhor formação social é a democracia: comunitária, social, representativa, participativa, debaixo para cima e que inclua a todos sem exceção. Na formulação de Boaventura de Souza Santos, a democracia deve ser ser sem fim. Temos a ver com um projeto aberto, sempre em construção que começa nas relações dentro da família, da escola, da comunidade, das associações, dos movimentos, das igrejas e culmina na organização do estado.
Como numa mesa, vejo quatro pernas que sustentam uma democracia mínima e verdadeira, como tanto acentuava em sua vida Herbert de Souza (o Betinho) e que juntos em conferências e debates, procurávamos difundir entre prefeitos e lideranças populares.
A primeiro perna reside na participação: o ser humano, inteligente e livre, não quer ser apenas beneficiário  de um processo mas ator e participante. Só assim se faz sujeito e cidadão. Esta participação deve vir de baixo para não excluir ninguém.
A segunda perna consiste na igualdade. Vivemos num mundo de desigualdades de toda ordem. Cada um é singular e diferente. Mas a participação crescente em tudo impede que a diferença se transforme em desigualdade e permite a igualdade crescer. É a igualdade no reconhecimento da dignidade de cada pessoa e no respeito a seus direitos que sustenta a justiça social. Junto com a igualdade vem a equidade: a proporção adequada que cada um recebe por sua colaboração na construção do todo social.

A terceira perna é a diferença. Ela é dada pela natureza. Cada ser, especialmente, o ser humano, homem e mulher, é diferente. Esta deve ser acolhida e respeitada como manifestação das potencialidades próprias das pessoas, dos grupos e das culturas. São as diferenças que nos revelam que podemos ser humanos de muitas formas, todas elas humanas e por isso merecedoras de respeito e de acolhida.
A quarta perna se dá na comunhão: o ser humano possui subjetividade, capacidade de comunicação com sua interioridade e com a subjetividade dos outros; é um  portador de valores como  solidariedade, compaixão, defesa dos mais vulneráveis e de diálogo com a natureza e com a divindade. Aqui aparece a espiritualidade como aquela dimensão da consciência que nos faz sentir parte de um Todo e como aquele conjunto de valores intangíveis que dão sentido à nossa vida pessoal e social e também a todo o universo.
Estas quatro pernas  vem sempre juntas e equilibram a mesa, vale dizer, sustentam uma democracia real. Ela nos educa a sermos co-autores da construção do bem comum; em nome dele aprendemos a limitar nossos desejos por amor à satisfação dos desejos coletivos.
Esta mesa de quatro pernas não existiria se não estivesse apoiada no chão e na terra. Assim a democracia não seria completa se não  incluísse a natureza que tudo possibilita. Ela fornece a base físico-química-ecológica que sustenta a vida e a cada um de nós.  Pelo fato de terem valor em si mesmos, independente do uso que fizermos deles, todos os seres são portadores de direitos. Merecem continuar a existir e a nós cabe respeitá-los e entendê-los como concidadãos. Serão incluídos numa democracia sem fim sócio-cósmica. Esparramado em todas estas dimensões realiza-se o ser humano na história, num processo ilimitado e sem fim.

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