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sábado, 27 de fevereiro de 2010

Intolerância Religiosa, especialmente evangélica, no ocidente




Carlos Antonio Fragoso Guimarães

  No século XVIII parecia que o mundo realmente teria tido a chance de superar antigas formas de pensar e atingiríamos a idade das luzes da razão... Daí o nome Iluminismo dado ao movimento filosófico liderado por Voltaire e outros que daria ensejo aos ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade...

  Passaram-se os séculos... As luzes do iluminismo não se mostraram tão fortes e algumas começaram a dar mostras de mais fazer sombras que de iluminar, fora outras que começaram a queimar. A liberdade de pensar se tornou outra coisa, um racionalismo alienante. Os tempos modernos foram na verdade tempos de padrozinação de massas. Os atos terroristas do 11 de setembro de 2001 foram frutos diretos de uma outra forma de terrorismo, um dos quais ocorreu em outro dia 11 de setembro, só que duas décadas e meias antes... Quando o governo democraticamente eleito de Salvador Allende foi derrubado por militares com o apoio explícito dos EUA.. O mesmo governo que armou e financiou os Talibãs na década de 80, e por ai vai...

E agora, vemos o retorno do fundamentalismo religioso... Aquele que é intolerante ao diferente e meigo a quem se converte e paga aos dirigentes de seu culto...

 Não quero dizer com isso, que não existam religiosos que se voltem para a bela mensagem ética do Cristo (e também de Buda e outros lumiares), mas me refiro àquelas pessoas que se apegam a uma interpretação literalista de textos religiosos fazendo disto política e pretexto para impor idéias e comportamentos pelo simples fato de não aceitar as flores da diversidade...

  Sobre isto, especialmente ante o perigo de um novo retrocesso uma outra Idade das Trevas, nada melhor do que ler um texto de gente que, pertencendo ao próprio meio de onde atualmente parecem surgir novos fanáticos, não é... mas que tem suficiente clareza de idéias e sensibilidade para reconhecer o câncer que surge em seus membros...

Sobre o biblicismo literalista, mas seletivo, dos fundamentalistas e seu perigo à democracia, veja-se este video, do seriado americano "The West Wing", onde o personagem que faz o Presidente Americano, interpretado por Martin Sheen, responde a uma fundamentalista:



Segue, para reflexão, o lúcido texto do Teólogo Ed René Kivitiz, pastor da Igreja Batista de Água Branca, em São Paulo, intitulado O Evangelho dos Evangélicos, e o deixo falar, pela sua lucidez, sem tecer maiores comentários... Um áudio das palestras de Kivitiz sobre o mesmo tema pode ser encontrado no Youtube.

   O Evangelho dos Evangélicos

  "Nem todo aquele que me diz Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus." (Jesus Cristo)

 Estou convencido de que um é o evangelho dos evangélicos, outro é o evangelho do reino de Deus. Registro que uso o termo "evangélico" para me referir à face hegemônica da chamada igreja evangélica, como se apresenta na mídia radiofônica e televisiva.

 O evangelho dos evangélicos é estratificado. Tem a base e tem a cúpula. Precisamos falar com muito cuidado da base, o povo simples, fiel e crédulo. Mas precisamos igualmente discernir e denunciar a cúpula. A base é movida pela ingenuidade e singeleza da fé; a cúpula, muita vez é oportunista, mal intencionada, e age de má fé. A base transita livremente entre o catolicismo, o protestantismo e as religiões afro. A base vai à missa no domingo, faz cirurgia em centro espírita, leva a filha em benzedeira, e pede oração para a tia que é evangélica. Assim é o povo crédulo e religioso. Uma das palavras chave desta estratificação é "clericalismo": os do palco manipulando os da platéia, os auto-instituídos guias espirituais tirando vantagem do povo simples, interesseiro, ignorante e crédulo.

A cúpula é pragmática, e aproveita esse imaginário religioso como fator de crescimento da pessoa jurídica, e enriquecimento da pessoa física. Outra palavra chave é "sincretismo". A medir por sua cúpula, a igreja evangélica virou uma mistura de macumba, protestantismo e catolicismo. Tem igreja que se diz evangélica promovendo "marcha do sal": você atravessa um tapete de sal grosso, sob a bênção dos pastores, e se livra de mal olhado, dívida, e tudo que é tipo de doença. Já vi igreja que se diz evangélica distribuir cajado com água do Jordão (i.é, um canudo de bic com água de pia), para quem desejasse ungir o seu negócio, isto é, o seu business. Lembro de assistir a um programa de TV onde o apresentador prometia que Deus liberaria a unção da casa própria para quem se tornasse um mantenedor financeiro de sua igreja.

O povo religioso é supersticioso e cheio de crendices. Assim como o Brasil. Somos filhos de portugueses, índios, africanos, e muitos imigrantes de todo canto do planeta. Falar em espíritos na cultura brasileira é normal. Crescemos cheios de crendices: não se pode passar por baixo de escada; gato preto dá azar; caiu a colher, vem visita mulher, caiu garfo, vem visita homem; e outras tantas idéias sem fundamento. Somos assim, o povo religioso é assim. Tem professor de universidade federal dando aula com cristal na mão para se energizar enquanto fala de filosofia.

E a cúpula evangélica aproveita a onda e pratica um estelionato religioso: oferece uma proposta ritualística que aprisiona, promove a culpa e, principalmente, ilude, porque promete o que não entrega. Aliás, os jornais começam a noticiar que os fiéis estão reivindicando indenizações e processando igrejas por propaganda enganosa.

O evangelho dos evangélicos é estratificado. A base é movida pela ingenuidade e singeleza da fé, e a cúpula é oportunista. A base transita entre o catolicismo, o protestantismo e as religiões-afro, e a cúpula é pragmática. A base é cheia de crendices e a cúpula pratica o estelionato religioso.

O evangelho dos evangélicos é mercantilista, de lógica neoliberal. Nasce a partir dos pressupostos capitalistas, como, por exemplo, a supremacia do lucro, a tirania das relações custo-benefício, a ênfase no enriquecimento pessoal, a meritocracia - quem não tem competência não se estabelece. Palavra chave: prosperidade. Desenvolve-se no terreno do egocentrismo, disfarçado no respeito às liberdades individuais. Palavra chave: egoísmo. Promove a desconsideração de toda e qualquer autoridade reguladora dos investimentos privados, onde tudo o que interessa é o lucro e a prosperidade do empreendedor ou investidor. Palavra chave: individualismo. Expande-se a partir da mentalidade de mercado. Tanto dos líderes quanto dos fiéis. Os líderes entram com as técnicas de vendas, as franquias, as pirâmides, o planejamento de faturamento, comissões, marketing, tudo em favor da construção de impérios religiosos. Enquanto os fiéis entram com a busca de produtos e serviços religiosos, estando dispostos inclusive a pagar financeiramente pela sua satisfação. Em síntese, a religião na versão evangélica hegemônica é um negócio.

O sujeito abre sua micro-empresa religiosa, navega no sincretismo popular, promete mundos e fundos, cria mecanismos de vinculação e amarração simbólicas, utiliza leis da sociologia e da psicologia, e encontra um povo desesperado, que está disposto a pagar caro pelo alívio do seu sofrimento ou pela recompensa da sua ganância.

Em terceiro lugar, o evangelho dos evangélicos é mágico. Promove a infantilização em detrimento da maturidade, a dependência em detrimento da emancipação, e a acomodação em detrimento do trabalho.

Pra ser evangélico você não precisa amadurecer, não precisa assumir responsabilidades, não precisa agir. Não precisa agregar virtudes ao seu caráter ou ao processo de sua vida. Primeiro porque Deus resolve. Segundo porque se Deus não resolver, o bispo ou o apóstolo resolvem. Observe a expressão: "Estou liberando a unção". Pensando como isso pode funcionar, imaginei que seria algo como o apóstolo ou bispo dizendo ao Espírito Santo: ´Não faça nada por enquanto, eles não contribuíram ainda, e eu não vou liberar a unção".

Existe, por exemplo, a unção da superação da crise doméstica. Como isso pode acontecer? A pessoa passa trinta anos arrebentando com o seu casamento, e basta se colocar sob as mãos ungidas do apóstolo, que libera a unção, e o casamento se resolve. Quem não quer isso? Mágica pura.

O sujeito é mau-caráter, incompetente para gerenciar o seu negócio, e não gosta de trabalhar. Mas basta ir ao culto, dar uma boa oferta financeira, e levar para casa um vidrinho de óleo de cozinha para ungir a empresa e resolver todos os problemas financeiros.

Essa postura de não assumir responsabilidades, de não agir com caráter, e esperar que Deus resolva, ou que o apóstolo ou bispo liberem a unção tem mais a ver com pensamento mágico do que com fé.

Em quarto lugar, o evangelho dos evangélicos tem espírito fundamentalista. Peço licença para citar Frei Beto: "O fundamentalismo interpreta e aplica literalmente os textos religiosos, não sabe que a linguagem simbólica da Bíblia, rica em metáforas, recorre a lendas e mitos para traduzir o ensinamento religioso." O espírito fundamentalista é literalista, e o mais grave é que o espírito fundamentalista se julga o portador da verdade, não admite críticas, considerações ou contribuições de outras correntes religiosas ou científicas.

Quem tem o espírito fundamentalista não dialoga, pois considera infiéis, heréticos, ou, na melhor das hipóteses, equivocados sinceros, todos os que não concordam com seus postulados, que não são do mesmo time, e não têm a mesma etiqueta. Quem tem o espírito fundamentalista se considera paradigma universal. Dialoga por gentileza, não por interesse em aprender. Ouve para munir-se de mais argumentos contra o interlocutor. Finge-se de tolerante para reforçar sua convicção de que o outro merece ser queimado nas fogueiras da inquisição. Está convencido de que só sua verdade há de prevalecer.

Mais uma vez Frei Beto: "o fundamentalista desconhece que o amor consiste em não fazer da diferença, divergência". Por causa do espírito fundamentalista, o evangelho dos evangélicos é sectário, intolerante, altamente desconectado da realidade. O evangelho dos que têm o espírito do fundamentalismo é dogmático, hermético, fechado a influências, e, portanto, é burro e incoerente.

Em quinto lugar, o evangelho dos evangélicos é um simulacro. Simulacro é a fotografia mais bonita que o sanduíche. Não me iludo, o evangelho dos evangélicos é mais bonito na televisão do que na vida. As promessas dos líderes espirituais são mais garantidas pela sua prepotência do que pela sua fé. Temos muitos profetas na igreja evangélica, mas acredito que tenhamos muito mais falsos-profetas. Os testemunhos dos abençoados são mais espetaculares do que a realidade dos cristãos comuns. De vez em quando (isso faz parte da dimensão masoquista da minha personalidade) fico assistindo estes programas, e penso que é jogada de marketing, testemunho falso. Mas o fato é que podem ser testemunhos por amostragem. Isto é, entre os muitos que faliram, há sempre dois ou três que deram certo. O testemunho é vendido como regra, mas na verdade é apenas exceção.

A aparência de integridade dos líderes espirituais é mais convincente na TV e no rádio do que na realidade de suas negociatas. A igreja evangélica esta envolvida nos boatos com tráficos de armas, lavagem de dinheiro, acordos políticos, vendas de igrejas e rebanhos, imoralidade sexual, falsificação de testemunho, inadimplência, calotes, corrupção, venda de votos.

A integridade do palco é mais atraente do que a integridade na vida. A fé expressa no palco, e nas celebrações coletivas é mais triunfante, do que a fé vivida no dia a dia. Os ideais éticos, e os princípios de vida são mais vivos nos nossos guias de estudos bíblicos e sermões do que nas experiências cotidianas dos nossos fiéis. Os gabinetes pastorais que o digam: no ambiente reservado do aconselhamento espiritual a verdade mostra sua cara.


Estratificado, mágico, mercantilista, fundamentalista, e simulacro. Eis o evangelho dos "evangélicos".

Fonte: Ed René Kivitz (a palestra completa "O Evangelho dos Evangélicos" pode ser ouvida no Youtube em quatro partes, sendo o primeiro encontrado em http://www.youtube.com/watch?v=_JTk1qVdUhQ&NR=1)

René Kivitz é teólogo, escritor e palestrante, mestrando em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Passeio Socrático

Frei Betto

Ao viajar pelo Oriente mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.

Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelo produz felicidade?'

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...'. 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'

Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizi­nho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

A palavra hoje é 'entretenimento'. Domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, calçar este tênis, ­ usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba­ precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental, três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...


Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático. Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz!"

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Atques Evangélicos contra uma Nova Consciência

Texto de Antonio de Pádua

extraído de http://souzaoliveira.com/germano/?p=43
POR UMA NOVA CONSCIÊNCIA

Por volta de 1990, os festejos carnavalescos, em Campina Grande, estavam em baixa. Quem gostava de carnaval aproveitava o feriadão para viajar a João Pessoa ou outra capital do Nordeste. Foi então que alguém teve a ideia de criar um evento alternativo que proporcionaria o encontro – não o confronto – de várias ideologias em busca de alternativas que conduzissem o fragmentado mundo moderno a uma convivência pacífica. Budistas, hinduístas, cristãos, muçulmanos, ateus, agnósticos, prostitutas, etc, expunham suas visões de mundo, em um clima de respeito e confraternização.

Em pouco tempo o evento tornou-se um sucesso: hotéis lotados, ruas cheias de turistas, que se encantavam com aquele convívio pacífico entre pessoas de pensamentos tão diferentes…

Foi assim, em ritmo crescente, por quase dez anos, quando os evangélicos − que se negavam a participar do evento, preferindo refugiar-se nos retiros espirituais – decidiram criar um evento somente deles. Alegavam que os participantes do Encontro para uma nova consciência, promoviam, de fato, uma consciência satânica, que não tinha nada de novo, já que era uma extensão do discurso da serpente no Jardim do Éden. Chegaram até a culpar as pessoas envolvidas com o evento por quaisquer males que sobreviessem à cidade, inclusive o crescente desemprego, que não acontecia somente em Campina Grande, mas em todo o país.

Nascia o Encontro para a consciência "cristã", em clara oposição ao evento anterior. Estabelecia-se o confronto, no lugar da convivência e do respeito; o enfrentamento, ao invés da cooperação. A velha consciência da divisão se estabeleceu, inclusive entre os evangélicos, já que, até hoje, algumas denominações se negam a participar ou são excluídas por não apresentarem as credenciais “genuínas” do verdadeiro evangélico. Assim começava o evento que divulgava a consciência do Cristo.
Daí em diante, totalmente dependente de recursos públicos, o Encontro para uma nova consciência começou a fenecer. Pressionados pelos evangélicos, e preocupados com os votos, os políticos foram reduzindo as verbas, matando à míngua o evento que tantos turistas trouxera à cidade, divulgando-a pelo Brasil a fora. A desorganização, a falta de divulgação e de informação, afastou a maioria dos turistas, restando alguns abnegados que ainda tentam manter o evento, apesar de todas as adversidades.

Com os cofres abastecidos, inclusive por dinheiro público, o Encontro para a consciência cristã vai realizar a sua 12ª. edição, a X2, como chamam, com uma organização impecável. Para eles, foram as suas orações que conduziram ao fracasso o Encontro para uma nova consciência. Era a consciência do Cristo vencendo a consciência satânica.
Sinto-me voltando à Idade Média. Apaguem as luzes, é hora de dormir.

Texto: Antônio de Pádua Tô Mais Diaquino

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Dom José Maria Pires participa do XIX Encontro para a Nova Cosnciência de Campina Grande, Paraíba




Dom José Maria Pires (foto), arcebispo emérito da Paraíba, uma das mais lúcidas vozes da Igreja, teólogo respeitado internacionalmente e um dos baluartes, ao lado de Dom Hélder Câmara, Frei Betto e Leonardo Boff, da resistência contra a Ditadura Militar que castigou o Brasil por 21 anos, participará do XIX Encontro da Nova Consciência, realizado em Campina Grande, Paraíba.

Dom José ficou conhecido pela bravura em defender uma Igreja que ofereça abrigo aos excluídos, tendo sido por isso criticado pela ala conservadora da Igreja, infelizmente atualmente dominante, por sua atuação junto à chamada Teologia da Libertação.

O ilustre Arcebispo Emérito da Paraíba participará na tarde deste sábado, dia 13, de uma mesa redonda que vai discutir “o papel das religiões na construção da paz mundial”.
Dom José irá dialogar com mais dois convidados, representantes de movimentos religiosos bastan diferentes entre si, sendo um do Irã (Simin Rabbani / Fé Bahá’í) e outro de São Paulo, o Sheikh Muhammad Ragip.

Além desta, Dom José participará de mesas sobre Direitos Humanos e Intolerância religiosa, algo bem a acalhar já que o Encontro Para a Nova Consciência - um evento filosófico, macro-ecumênico e democrático, que se propõe a ser uma generosa interface de diálogo entre diferentes concepções religiosas, filosóficas e científicas - vem sendo alvo de grande agressividade por partes de evangélicos fundamentalias em seu Evento-Imitação chamado Encontro para a Consciência "Cristã" - muito embora o "cristã" deles pareça ser mais de nome que de atitude fraterna.

Esse ano, o 19° Encontro da Nova Consciência tem como tema “Sustentabilidade e Responsabilidade Sócio-ambiental”, e ocorre no Sesc do centro de Campina Grande.

Informações sobre o Encontro para a Nova Consciência podem ser obtidos em www.novaconsciencia.com.br.

Fanatismo Cristão





Artigo de Frei Betto

23/11/2004

Extraído do site Voltaire.net

O fundamentalismo sempre existiu nas tradições religiosas. Ele consiste em interpretar literalmente o texto sagrado, sem contextualizá-lo, extraindo deduções alegóricas e subjetivas como a única verdade universalmente válida. Para o fundamentalista, a letra da lei vale mais que o Espírito de Deus. E a doutrina religiosa está acima do amor.

Escolas do Sul dos EUA, e também no Estado do Rio de Janeiro, rejeitam os avanços científicos resultantes das pesquisas de Darwin e ensinam que o homem e a mulher foram criados diretamente por Deus. Tal visão fundamentalista nem sequer reconhece que Adão, em hebraico, significa “terra”, e Eva, “vida”. Como os autores hebreus do Antigo Testamento não raciocinavam com categorias abstratas, à semelhança da gente simples do povo, o conceito ganhou plasticidade no “causo” de Adão e Eva.

Todo fundamentalista é, a ferro e fogo, um “altruísta”. Está tão convencido de que só ele enxerga a verdade que trata de forçar os demais a aceitar o seu ponto de vista... para o bem deles!

Há muitos fundamentalismos em voga, desde o religioso, que confessionaliza a política, ao líder político que se considera revestido de missão divina. Eles geram fanáticos e intolerantes. O mais próximo de nós, brasileiros, é o que vigora no governo dos EUA, convencido de que promove o bem contra as forças do mal, utilizando armas letais no extermínio do povo iraquiano e tratando os homossexuais como doentia aberração da natureza.

Uma das melhores conquistas da modernidade é a separação entre a Igreja e o Estado. Nada de papas coroando reis, como na Idade Média, ou de presidentes consagrando a nação ao Sagrado Coração de Jesus, como há poucas décadas ocorria na Colômbia.

Certa vez perguntei a Fidel por que em Cuba o Estado e o Partido eram confessionais. Ele estranhou: “Como confessionais?” “Sim, expliquei, pois são oficialmente ateus. E negar a existência de Deus é tão confessional como afirmá-la.” Mais tarde, o Estado e o Partido Comunista cubanos tornaram-se laicos, assim como todos os estados e partidos modernos.

Reger a vida política a partir de preceitos religiosos é um desrespeito a quem professa outra religião ou nenhuma. Isso não significa que um cristão deva abrir mão de suas convicções e dos valores evangélicos. Mas ele não deve esperar que todos reconheçam a natureza religiosa de sua ética. E nem queira impor a sua fé como paradigma político.

Há que cuidar também para evitar o fundamentalismo laicista, de quem julga que religião é uma questão privada, sem dimensão social e política. Afinal, todos os cristãos são discípulos de um prisioneiro político... O fundamentalismo laicista, que sempre relegou a religião à esfera da superstição, é danoso por estimular o preconceito e não reconhecer que milhões de pessoas têm em sua fé o paradigma de suas convicções e práticas. Corre-se o risco de repetir o erro dos antigos partidos comunistas, que exigiam dos novos militantes profissão de fé no ateísmo.

Reforçam o fundamentalismo cristão todos os que são indiferentes ao diálogo inter-religioso e consideram a sua igreja como a única verdadeira intérprete dos mandamentos e da vontade divinos. Por isso, é importante estabelecer os critérios éticos que propiciam a base sobre a qual as diferentes igrejas e religiões devem dialogar e somar esforços. São eles: a ética da libertação num mundo dominado por múltiplas opressões; a ética da justiça nessa realidade estruturalmente injusta; a ética da gratuidade nessa cultura mercantilista onde imperam o interesse e o negócio; a ética da compaixão num mundo marcado pela dor de tantas vítimas; a ética da acolhida, já que há tantas exclusões à nossa volta; a ética da solidariedade numa sociedade fortemente competitiva; a ética da vida num mundo ameaçado pelos sinais de morte na natureza e nos pobres.

O fundamentalismo é irmão gêmeo do moralismo. E o moralista é capaz de ver o mosquito no olho alheio, como observou Jesus, sem atinar para a trave no próprio olho. No caso de certos políticos imperiais, quem sabe a solução para a paz seja considerar a guerra um atentado ao pudor...

Frei Betto

Escritor e autor, conjuntamente con Luiz Fernando Veríssimo y otros, de “O Desafio Ético” (Garamond), entre otros títulos

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Palavra de Grande Inquisidor...

Rubem Alves

Jornal Correio Popular, 22/05/2005 (com adaptações)

De tudo o que Dostoievski escreveu em Os Irmãos Karamazovi o que mais me impressionou foi o incidente do “Grande Inquisidor”. É assim. Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as pessoas. Todos o reconheciam e sentiam o seu poder mas ninguém se atrevia a pronunciar o seu nome. Não era necessário. De longe o Grande Inquisidor o observa no meio da multidão e ordena que ele seja preso e trazido à sua presença. Então, diante do prisioneiro silencioso, ele profere a sua acusação.


“Não há nada mais sedutor aos olhos dos homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível. Em lugar de pacificar a consciência humana de uma vez por todas mediante sólidos princípios, Tu lhe ofereceste o que há de mais estranho, de mais enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas: a liberdade. Agiste, pois, como se não amasses os homens... Em vez de Te apoderares da liberdade humana, Tu a multiplicaste, e assim fazendo, envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade.. .”


O Grande Inquisidor estava certo. Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade mas, de posse dela, são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade dá medo. Os homens são pássaros que amam o vôo mas têm medo dos abismos. Por isso abandonam o vôo e se trancam em gaiolas.


É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que eles voariam se as portas da gaiola estivessem abertas. A verdade é o oposto. Não há carcereiros. Os homens preferem as gaiolas ao vôo. São eles mesmos que constroem as gaiolas em que se aprisionam “Prisioneiro, dize-me, quem foi que fez essa inquebrável corrente que te prende?”, perguntava o escritor indiano Rabrindranath Tagore. “Fui eu”, disse o prisioneiro, “fui eu que forjei com cuidado, esta corrente...”

Deus dá as asas e a nostalgia pelo vôo.


As religiões, contudo, são instituições que possuem especialistas que constroem gaiolas.

As religiões posseum prédios, mas pouca vida. São instituições que pretendem, ou acreditam haver colocado numa gaiola o Pássaro Encantado. E não percebem que o pássaro que têm preso nas suas gaiolas de palavras é um pássaro empalhado, uma forma dogmática rígida. Era por isso que, no Antigo Testamento, era proibido falar o nome de Deus. Hoje, ao contrário, os religiosos não só falam o nome sagrado como também escrevem tratados de anatomia e fisiologia divinas. E proclamam que o pássaro só pode ser encontrado dentro das suas gaiolas. Religiões: uma enorme feira onde se vendem pássaros engaiolados de todos os tipos.

Os hereges que as religiões queimam e matam não são assassinos, terroristas, ladrões, adúlteros, pedófilos, corruptos. Esses são pecados suaves que podem ser curados pelo perdão e pelos sacramentos. Os hereges, ao contrário, são aqueles que odeiam as gaiolas e abrem as suas portas para que o Pássaro Encantado voe livre. Esse pecado, abrir as portas das gaiolas para que o Pássaro voe livre, não tem perdão. O seu destino é a fogueira. Palavra do Grande Inquisidor.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nosso saber moderno está aquém da Sabedoria

Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Mais algumas reflexões que, por mais tolas que possivelmente sejam, talvez tenham algum sentido... Estou aberto à críticas e sugestões.

O foco destas está no desequilíbrio de nosso sistema de educação parcial, que favorece mais o lado racional cartesinano que uma integração de aspectos discursivos analíticos com intuitivos sintéticos, razão e emoção, análise e poética. Faço-me explicar:

Pensar leva ao representar da realidade... isso cria um modelo, um conceito, uma interpretação da realidade, mas todo mapa está aquém da riqueza do território... embora, obvimente, a representação inteletcual seja um instrumento útil.... e como todo instrumento útil, terá suas limitações e a possibilidade de ser descartado diante de outro melhor.

Bem ilustrou isso Antoine de Saint-Exupèry. O geógrafo de O Pequeno Príncipe sabia de todos os conceitos sobre as montanhas, nomes, relevos, aspectos, seu impacto no clima... mas jamais sentiu o peito se inflar diante do nascer do sol entre elas, seus picos pintados de dourados pelos raios do sol nascente, sua nudez coberta pela neve, árvores ou núvens... Ou seja, ele nunca viu uma montanha, nunca vivenciou a experiência de estar em uma... tinha, contudo, todas as informações possíveis sobre ela... mas ter informação até mesmo uma estante de livros tem; saber e senti-la a partir do que ela retrata é algo bem diferente...

Pensar é bom, mas pensar demais pode levar a um mundo de lógica própria que nos isole da beleza ao redor... Também nos pode isolar das pessoas, das ávores, do vento e da chuva. Muitos economistas pensam tanto que suas decisões acabam com a vida de inúmeras pessoas e espécies, isso porque seus modelos são apenas construções de gráficos e números, mas lhes faltam levar em conta a vida, os anseios e sonhos desta e das demais gerações. Então, por que não acrescentar ao linear cartesianismo de nosso racionalismo bidimensional o espaço da vida, as cores da poesia? Muitas vezes a qualidade está na descoberta da beleza sobre o esqueleto das estruturas matemáticas... Somos sentimentos, emoções, desejos, além da razão... Não vejo onde a inteligência sensível de um Renoir seja inferior a da inteligência analítica de um Newton... são apenas exemplos de que o espírito humano produz conhecimentos diversos... Um instrumental, outro, espiritual, ambos necessários ao nosso bem-estar e equilíbrio. Favorecer um em detrimento de outro é uma atitude doentia que pode - e leva, como vemos - a extremos trágicos. Entre Buda e a Bomba, incluindo-se o meio termo, a escolha é nossa... mas acho que a que foi feita pelo ocidente nos últimos sessenta anos não foi a mais equilibrada e muito menos sensata.

Pensem nisso...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Direito à Verdade

Escrito por Frei Betto

06-Fev-2010


O 3º Plano Nacional de Direitos Humanos foi instituído por decreto presidencial de 21 de dezembro de 2009. Suas diretrizes, objetivos estratégicos e ações programáticas, aprovadas na 11ª Conferência Nacional dos Direitos Humanos, constituem passo histórico de consolidação do Estado democrático de direito.



O Plano comporta significativa agenda de promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil, com postulados de universalidade, indivisibilidade e interdependência, e gera a justa expectativa de transformar-se numa agenda do Estado brasileiro, tendo como fundamentos os compromissos internacionais assumidos pelo país.



O documento mereceu, na sua exposição de motivos, a assinatura de 31 ministérios, fato inédito. Apesar de resultar de exaustivos debates democraticamente travados na sociedade civil, e de apresentar as bases de uma política de Estado para os direitos humanos, suscitou críticas exacerbadas de setores da Igreja, de latifundiários e donos de empresas de comunicação.



Deu ensejo também a críticas de militares, que deveriam preocupar-se em não serem confundidos com torturadores, e de civis contrários ao compromisso de envio, pelo Executivo ao Legislativo, do projeto que objetiva a criação de uma Comissão da Verdade.



Entre diversos temas transversais e essenciais, contemplando direitos individuais, sociais e coletivos, em consonância com a Constituição Federal, o Plano sugere a criação da Comissão Nacional da Verdade, com participação da sociedade civil, de forma plural e suprapartidária, com mandato e prazo definidos.



Uma vez criada, a Comissão deverá promover a apuração e o esclarecimento público de violações de direitos humanos praticadas no Brasil no contexto da repressão política ocorrida no período fixado pelo artigo 8º do Ato das Disposições Transitórias, isto é, de 18 de setembro de 1946 até a promulgação da Constituição (1988). Assegurará, assim, os direitos à memória e à verdade histórica, propiciando a reconciliação nacional.



Deverá ainda realizar diligências, como requisitar documentos públicos, com a colaboração das respectivas autoridades; requerer ao Judiciário o acesso a documentos privados; colaborar com todas as instâncias do Poder Público para a apuração de violações de direitos humanos, observadas as disposições da lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979 (Lei da Anistia); promover, com base no acesso às informações, meios e recursos necessários para localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos; identificar e tornar públicas as estruturas utilizadas para a prática de violações de direitos humanos, suas ramificações nos diversos aparelhos de Estado e em outras instâncias da sociedade; registrar e divulgar seus procedimentos oficiais, a fim de garantir o esclarecimento circunstanciado de torturas, mortes e desaparecimentos, devendo discriminá-los e encaminhá-los aos órgãos competentes; apresentar recomendações para a efetiva reconciliação nacional e prevenir a não repetição de violações de direitos humanos.



É imperativo da soberania nacional a restauração da memória histórica. Recontar o passado sempre ensina a enfrentar o presente, no intuito de não se repetirem violações, tais quais as ocorridas em períodos ditatoriais, que envolveram a prática contumaz de crimes contra a humanidade, como torturas, seqüestros, assassinatos e desaparecimentos forçados de dissidentes do regime militar.



Não há motivos para temer tornar públicos os arquivos do período ditatorial, o exame e a revelação responsável do ocorrido no contexto de repressão política, que ainda projeta dor, sofrimento e angústias, sobretudo aos familiares de mortos e desaparecidos políticos que ainda não tiveram reconhecido o direito sagrado de sepultar os seus entes queridos e receber todas as informações, o que até hoje lhes é sonegado.



Os direitos humanos constituem condição para a prevalência da dignidade humana. Devem ser promovidos e protegidos por meio de esforço conjunto do Estado e da sociedade civil. É fundamental, para tanto, a implementação do Plano Nacional, com ênfase na criação da Comissão Nacional da Verdade, a fim de elucidar, sem revanchismo, como dever de um país que verdadeiramente almeja a consolidar sua democracia, a repressão política, sem tratar de forma igual os desiguais: torturadores e torturados; seqüestradores e seqüestrados; assassinos e assassinados.



Somente assim as feridas poderão cicatrizar e ocorrerá a verdadeira reconciliação nacional.



Frei Betto é escritor, autor de "Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira" (Rocco), entre outros livros.