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sexta-feira, 9 de julho de 2021

Xadrez do Alto Comando sem espinha dorsal, por Luis Nassif

     O senador Omar Aziz se referia a grupos corruptos infiltrados nas Forças Armadas. Não generalizou. Como notas oficiais não podem incorrer em problemas de interpretação de texto, é evidente que foi uma jogada política, em cima de um álibi falso, visando impedir o aprofundamento das investigações da CPI da Covid.

        Do GGN:


A Nota do Alto Comando das Forças Armadas, e do Ministro da Defesa, foi tão apressada que errou até a data: trocou 7 de julho por 7 de junho. Foi de protesto contra as declarações do senador Omar Aziz, presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Covid.

O senador Omar Aziz se referia a grupos corruptos infiltrados nas Forças Armadas. Não generalizou. Como notas oficiais não podem incorrer em problemas de interpretação de texto, é evidente que foi uma jogada política, em cima de um álibi falso, visando impedir o aprofundamento das investigações da CPI da Covid.

Vamos por partes.

Peça 1 – as circunstâncias

Há dois eventos recentes que podem explicar o episódio.

O primeiro, o notável avanço da candidatura Lula nas pesquisas de opinião.

O segundo, a informação de que o ex-diretor de Logística da Saúde, Roberto Dias, teria preparado um dossiê com provas da atuação do governo Bolsonaro no Ministério, para o caso de cair sozinho. Seria a pá de cal no governo Bolsonaro.

Com a decretação de prisão, provavelmente Omar Aziz pretendia acelerar a decisão de Dias de divulgar o dossiê. A solidariedade das organizações criminosas é rompida quando um dos elos rompe com o pacto de silêncio.

Daí a necessidade de uma ação política rápida, para desconstruir a decisão de Aziz. A nota do Alto Comando se encaixa nessa estratégia.

Peça 2 – a montagem do pacto de silêncio 

Conforme o GGN antecipou há vários dias, só agora caiu a ficha da CPI de que o caso Covaxin envolvia disputa entre duas organizações atuando na Saúde: uma ligada ao deputado Ricardo Barros (e ao Centrão), outra envolvendo militares da ativa e da reserva, alguns atuando por conta própria, mas dentro do guarda-chuva de golpe montado dentro do próprio Palácio do Planalto.

No tiroteio inicial, o Palácio alvejou Ricardo Barros, valendo-se do cabo Dominguetti para tirar o homem de Barros na Saúde. Caindo, o ex-diretor de Logística Roberto Dias estava disposto a entregar os militares e, mais que isso, mostrar as digitais das instâncias superiores do governo.

Depois do estrago feito, há uma tentativa desesperada do governo de montar um pacto com as duas organizações, partindo da obviedade que as disputas entre elas poderão reverter contra ambas.

Por isso, acionou todos seus comandados, de políticos a militares, em uma parceria bizarra entre o Centrão e o Alto Comando das Forças Armadas para mostrar que ainda tinha a força e impedir que os escândalos viessem à tona, de forma completa, tornando irreversível o impeachment.

Peça 3 – Forças Armadas

Há várias hipóteses para a nota do Alto Comando, nenhuma dignificante para as Forças Armadas:

  1. Solidariedade com colegas acusados de corrupção.
  2. Parceria com o governo notoriamente genocida e corrupto de Jair Bolsonaro. Nesse caso, em parceria explícita com o Centrão. Basta conferir o discurso candente do notório senador Fernando Bezerra de apoio à nota.
  3. Preparativos para uma futura pressão contra a eleição de Lula – que, justamente ontem, apareceu como favorito absoluto nas próximas eleições.
  4. Falta de coragem política de encarar os problemas internos da corporação.

Dois episódios recentes mostram, em dois pesos, duas medidas, a subordinação humilhante das FFAAs a Bolsonaro, ou, então, sua parceria com ele.

Caso General Eugênio Pacelli Vieira Mota – um general profissional, sério, exonerado depois que foi criticado por Bolsonaro por editar portaria que aumentava o controle de armas pelo Exército. Acatou-se uma decisão de Bolsonaro, visando fortalecer grupos civis armados, em franco choque com as prerrogativas das FFAAs, de terem o monopólio da força. Ou seja, militares jogando contra as FFAAs para satisfazer Bolsonaro. Em algum momento do futuro, haverá militares sendo assassinados por milícias. E a conta recairá em quem foi omisso em relação ao tema.

Caso General Eduardo Pazuello – um general da ativa, metendo-se até o pescoço em operações suspeitas, que resultaram na morte de centenas de milhares de brasileiros, que atropela explicitamente os regulamentos do Exército, e não é punido.

Não apenas isso.

Há sinais explícitos de uma atuação suspeita por parte de militares da ativa e da reserva, e nenhuma informação sobre medidas adotadas internamente para coibir essa atividade.

Por enquanto, é uma atuação isolada, fruto da cooptação de Bolsonaro, abrindo milhares de cargos no setor público para militares, e colocando-os em cargos estratégicos militares afinados com ele. Mas a falta de reação por parte do Alto Comando é preocupante.

Abaixo, um levantamento rápido de militares, da reserva e da ativa, envolvidos em escândalos.

Coronel George Divério – envolvido na reforma irregular do prédio do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.

Tenente-coronel Alex Lial Marinho e coronel Marcelo Bento Pires – em seu depoimento, Luiz Miranda, ex-diretor do Departamento de Logística, afirmou ter recebido pressões do tenente-coronel Alex Lial Marinho e do coronel Marcelo Bento Pires, para apressar a importação de Covaxin.

Coronel da Reserva Glaucio Octaviano Guerra – coronel reformado da Aeronáutica, com quem o cabo Luiz Paulo Dominguetti trocou mensagens sobre o fornecimento de vacinas. Em 2 de novembro passado, quando a guerra pelas vacinas estava em pleno curso, Guerra abriu uma empresa em Maryland, Estados Unidos, a Guerra International Consultants. Ele é irmão de Cláudio Guerra, torturador notório, colega de Bolsonaro nos porões da ditadura. E também irmão de Glauco Octaviano de Guerra, ex-auditor fiscal preso em maio passado, acusado de envolvimento na aquisição de ventiladores para pacientes com Covid-19.

Coronel Élcio Franco – Secretário Executivo do Ministério, na gestão Pazuello, foi acusado de ter sido o principal negociador da Covaxin. Franco é ligado ao Instituto Força Brasil, que reune militares de direita, defensores das bandeiras de Bolsonaro. Fontes do IFB, ligadas a Franco, garantem que ele se surpreendeu quando, ao chegar no Ministério, deparou-se com a enorme quantidade de e-mails da Pfizer, não respondidos. Segundo a fonte, foi ele quem desengavetou o caso Pfizer. Mas seria suficientemente leal a seus chefes para não delatar.

Tenente Coronel Marcelo Branco – demitido do Ministério da Saúde, três dias antes do jantar no Shopping em Brasília – que juntou o cabo Dominguetti com coroneis e com o diretor do Departamento de Logística – abriu a empresa Valorem Consultoria em Gestão Empresarial para atuar na área da saúde.

O caso dos CPFs de militares para auxílio emergencial – quando foi aprovado o auxílio emergencial de R $600,00, identificaram-se 189.695 CPFs de militares solicitando indevidamente o recurso. Não houve nenhuma campanha visando estimular militares a ingressar no programa. É óbvio que foi ação de uma quadrilha visando conseguir os depósitos para, depois, desviá-los para uma outra conta. O golpe foi impedido. Até agora não se sabe de uma medida das FFAAs para apurar a tentativa de crime.

Peça 4 – os desdobramentos da Nota

Há uma certeza e duas dúvidas em relação à Nota do Alto Comando.

A certeza é o constrangimento criado em parcelas dos militares, por uma manobra claramente destinada a impedir a apuração da maior corrupção da história, envolvendo centenas de milhares de vítimas da Covid-19.

As dúvidas são sobre a motivação dos militares.

Quando voltaram atrás na punição a Pazuello, a versão que ocorreu é que tinham evitado confronto com Bolsonaro, para se poupara para eventos futuros – quando Bolsonaro tentou concretizar o golpe.

Agora, cedem novamente, em circunstâncias muito mais nebulosas, porque não calçada em uma negativa – a de não punir Pazuello -, mas de uma ação afirmativa, de uma nota de protesto por motivo tão fútil, aliás da mesma maneira que o AI-5, em resposta a um discurso sem impacto maior do então deputado Márcio Moreira Alves.

Houve uma atoarda de protestos na mídia, juntando colunistas e editorialistas de todas as linhas. E muitas declarações em off de militares, tentando colocar água na fervura.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro continua colocando em dúvida as eleições de 2022, atacando o Supremo e desmontando a estrutura pública.

Nos próximos dias se saberá, melhor, se a posição do Alto Comando foi por fraqueza ou cumplicidade. E se a condenação ampla da Nota os sensibilizará a se tornar, novamente, servidores do Estado, não cúmplices de um presidente sob suspeita.

De qualquer modo, a visita, ontem, do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, ao presidenciável, governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, mostra que não sairão da cena política tão facimente.

A cada dia que passa, mais orgânica fica a aliança entre militares e governo, mais a boca fica torta pelo uso do cachimbo. A sobrevida política a Bolsonaro poderá significar a contagem regressiva para o fim da democracia.


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