A liminar concedida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal federal (STF) ao ex-presidente Lula, reconhecendo a incompetência da 13a Vara Federal de Curitiba de julgar seus processos, tem desdobramentos que não foram bem compreendidos até agora.
Na liminar, Fachin não poderia avaliar o mérito das denúncias. Mas, ao delimitar a competência da 13a Vara de Curitiba exclusivamente aos crimes relacionados com a Petrobras, ele desmonta o pilar central, sobre o qual foram levantadas todas as acusações da Lava Jato para condenar Lula.
Ou seja, para manter o caso em Curitiba, a Lava Jato teria que comprovar as relações entre os supostos benefícios recebidos por Lula e contratos com a Petrobras, conquistados pelas empreiteiras. Toda os três processos se basearam nessa hipótese. Foi para isso que forçaram delações nesse sentido, com os abusos revelados pela Vaza Jato.
Para conceder a liminar, Fachin teria que admitir que a Lava Jato não dispunha de provas para sustentar as acusações. Admitindo, não apenas levantou argumentos para conceder a liminar, como destruiu todo o argumento penal levantado pela Operação.
Entenda melhor, nos detalhes.
Na liminar, Fachin levanta inúmeras votações do STF contra o papel da 13a Vara de juiz universal. Por exemplo, manifestações do Ministro Teori Zavascki, segundo os quais:
15. Nenhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários, à revelia das regras de competência.
16. A mesma razão (inexistência de conexão) que motivou o não reconhecimento da prevenção de Ministro da Suprema Corte que supervisiona a investigação de crimes relacionados à Petrobras estende-se ao juízo de primeiro grau.
Fachin lembra que “não foram poucas as pretensões de reconhecimento da incompetência do Juízo da 13a Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba que aportaram ao Supremo Tribunal Federal”.
Em todos os casos em que o STF concedeu liminar, havia o reconhecimento que tais processos não tinham relação com a Petrobras.
Cita um acórdão do Ministro Gilmar Mendes sustentando que:
1. O fato de a polícia judiciária ou o Ministério Público Federal denominarem determinadas apurações como fases da Operação Lava Jato, a partir de uma sequência de investigações sobre crimes diversos, não se sobrepõe às normas disciplinadoras de competência.
2. A competência não pode ser definida a partir de um critério temático e aglutinativo de casos atribuídos aleatoriamente pelos órgãos de persecução e julgamento, como se tudo fizesse parte de um mesmo contexto, independente das peculiaridades de cada situação.
3. A colaboração premiada, como meio de obtenção de prova, não constitui critério de determinação, de modificação ou de concentração da competência.
O julgamento de mérito
A partir daí, desenvolve-se um enredo interessantíssimo.
Para caracterizar o crime, há a necessidade de relacionar o suposto benefício recebido com um ato de corrupção identificado. O que a Lava Jato fez foi levantar contratos da Petrobras, que beneficiaram as empreiteiras e forçar delações para que casassem os contratos com benefícios auferidos por Lula – uma óbvia manipulação, dada a enorme desproporção entre os contratos e os benefícios.
Sobre essas acusações, baseadas em delações enfiadas a fórceps nos processos, diz Fachin:
Restou demonstrado que as condutas atribuídas ao paciente não foram diretamente direcionadas a contratos específicos celebrados entre o Grupo OAS e a Petrobras S/A, constatação que, em cotejo com os já estudados precedentes do Plenário e da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, permite a conclusão pela não configuração da conexão que autorizaria, no caso concreto, a modificação da competência jurisdicional.
Com efeito, o único ponto de intersecção entre os fatos narrados na exordial acusatória e a causa atrativa da competência da 13a Vara Federal de Curitiba é o pertencimento do Grupo OAS ao cartel de empreiteiras que atuava de forma ilícita – dentre outros órgãos públicos, sociedades de economia mista e empresas públicas –, em contratações celebradas com a Petrobras S/A.
Mas não cuida a exordial acusatória de atribuir ao paciente uma relação de causa e efeito entre a sua atuação como Presidente da República e determinada contratação realizada pelo Grupo OAS com a Petrobras S/A, em decorrência da qual se tenha acertado o pagamento da vantagem indevida
(…) Não há, contudo, o apontamento de qualquer ato praticado pelo paciente no contexto das específicas contratações realizadas pelo Grupo Odebrecht com a Petrobras S/A, o que afasta, por igual, a competência da 13a Vara Federal de Curitiba ao processo e julgamento das acusações.
Idêntica omissão é constatada na denúncia oferecida nos autos da Ação Penal n. 5021365-32.2017.4.04.7000/PR, segundo a qual o paciente teria recebido dos Grupos OAS e Odebrecht vantagens indevidas consubstanciadas em reformas patrocinadas em sítio, localizado no Município de Atibaia/SP, as quais totalizaram R$ 1.020.500,00.
O mesmo ocorre com a denúncia formulada nos autos da Ação Penal n. 5044305-83.2020.4.04.7000/PR, em que se atribui a prática de crimes de lavagem de capitais, consistentes em 4 (quatro) supostas doações simuladas, realizadas pelo Grupo Odebrecht, em favor do Instituto Lula, cada uma no valor de R$ 1.000.000,00, realizadas nos dias 16.12.2013, 31.1.2014, 5.3.2014 e 31.3.2014, totalizando a quantia de R$ 4.000.000,00.
Em suma, para conceder a liminar, teria que entrar no mérito da acusação, já que o ponto central eram as supostas conexões entre os contratos com a Petrobras e os benefícios recebidos por Lula. Ao afirmar taxativamente não haver o apontamento de nenhum ato de Lula diretamente relacionado aos contratos das empreiteiras com a Petrobras, Fachin destrói toda a linha de argumentação da acusação.
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