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domingo, 22 de novembro de 2020

Xadrez dos arquivos da Lava Jato e a segunda morte do mito Moro. por Luis Nassif

  

Jornal GGN:




Sérgio Moro não é um jurista. Mal domina o idioma pátrio. Não conhece a legislação internacional de mineração. Sua presença em um processo, como parecerista, poderia sensibilizar procuradores e juízes nacionais, jamais um juiz de outro país.


Qual seria o motivo, então, para receber US$ 150 mil por um mero parecer? No final da vida, o ex-Ministro Saulo Ramos, um dos mais caros pareceristas brasileiros, cobrava US$ 100 mil por parecer. E justificava o alto preço com o argumento de que não gostava de dar pareceres e quero restringir sua contratação. Fazia não mais que quatro pareceres por ano.


É o tema do nosso Xadrez.

Peça 1 – a indústria anticorrupção e o compliance


Em várias oportunidades, descrevemos, aqui, a hipocrisia da indústria da anticorrupção e os riscos da utilização indevida dos arquivos da Lava Jato para disputas empresariais. Principalmente quando os ex-membros passassem a trilhar a carreira de advogados.

Há dois caminhos óbvios, fartamente explicados pela GGN em várias oportunidades.


Um deles seria a venda de serviços baseada na rede de conhecimentos com procuradores da ativa, nacionais e i

nternacionais.

Esse processo foi detalhado no post “O negócio da Lava Jato com a indústria da anticorrupção”, de 22.05.2019.

Esse caminho já tinha sido trilhado por ex-procuradores suíços ligados à lava jato, conforme detalhado em “PGR suíço é acusado de conluio com a Lava Jato”, com base em reportagens dos jornais NZZ e da Swissinfo. O PGR Michel Lauber foi acusado de reuniões informais, não documentadas, com representantes da FIFA e da Lava Jato.

“Um pouco antes, Lauber foi acusado de irregularidades, também por reuniões sigilosas no caso FIFA. A corregedoria do MP suíço abriu uma investigação disciplinar para apurar essas reuniões entre Lauber e o presidente da FIFA, Gianni Infantino. Lauber admitiu as reuniões e alegou que visavam ajudar no avanço das investigações.

Em relação à Petrobras, argumentou que as investigações não poderiam ser tocadas de modo eficiente sem as conversas informais.

Com as denúncias, Lauder corre o risco de não ser reconduzido ao cargo”.


De fato, não foi.

Na reportagem “A Lava Jato suíças também a caminho do banco de réus” conta, com base em reportagem do Financial Times, que o governo suíço nomeou um promotor especial para analisar acusações criminais contra o presidente da FIFA, Gianni Infantino, e Michel Lauber.

Segundo a reportagem,



“Segundo e-mails vazados, Infantino tinha interesse que Lauber suspendesse investigações sobre sua conduta enquanto diretor de assuntos jurídicos da UEFA, a confederação de futebol da Europa. 

As investigações sobre Lauder se estenderam também sobre outros casos de corrupção, incluindo a Leva Jato e as contas da Odebrecht. E um terceiro escândalo surgiu com as posições aparentemente simpática de Lauder em relação a Moscou”.

Antes disso, o principal procurador suíço na Lava Jato, Stefan Lenz, abriu um escritório de advocacia e passou a oferecer serviços a clientes brasileiros. Na home do escritório, havia oferta clara de contatos com colegas no mundo todo.

Contatos internacionais

Como Promotor Público Federal eu estabeleci contatos importantes com responsáveis pela persecução penal em todo o mundo, especialmente na Europa, nos Estados Unidos da América, na América do Sul e na América Central.

Outros contatos valiosos são aqueles com importantes representantes das autoridades de investigação do Banco Mundial e do Banco Europeu de Desenvolvimento.



Recém-demitido da procuradoria suíça, Lenz recebeu uma proposta de trabalho do então Procurador Geral Rodrigo Janot, tratando Lenz como “cérebro suíço” da Lava Jato.

Peça 2 – a indústria anticorrupção e as guerras empresariais


O principal produto oferecido por ex-juizes e ex-procuradores, no entanto, não era apenas o contato com ex-colegas para abrandar investigações, mas participar diretamente das grandes disputas empresariais. E o principal cliente passaram a ser empresas com histórico de corrupção.

A lógica é simples. A ficha suja é um elemento negativo, com influência na sentença final. Trata-se, então, de levantar acusações contra o adversário para igualar o jogo.

Foi o que carreira na reportagem “Caso Eldorado expõe os negócios obscuros da indústria da anticorrupção”. Foi o caso de Josimar Verillo, empresário que participou da criação de uma ONG destinada a coibir abusos em prefeituras do interior. Nessa condição tornou-se parceiro da versão brasileira da Transparência Internacional – uma das principais aliadas da Lava Jato na mal-sucedida tentativa de criar a fundação de R$ 2,5 bilhões.

Nessa condição, Verillo foi contratado pela Paper Excelente, do grupo indonésio Asia Pulp & Paper, envolta em sem-número de denúncias de corrupção, em uma disputa com a JB&S em relação ao controle da Eldorado, fábrica de papel.

Na reportagem, mostrava a estratégia dos indonésios. Era um grupo com extensas ligações com fornecedores de madeira ligados a incêndios e degradação ambiental. Em 2010, em um desses julgamentos, contratou como lobista uma firma de relações públicas dirigida por um ex-ativista do Greenpeace.

Verillo foi flagrado financiando uma edição especial de um livro com acusações à JBS. Sua filha ocupa cargo relevante na Transparência Internacional.

Peça 3 – o uso dos arquivos das Lava Jato


A contratação de Sérgio Moro para o caso Beny Steinmetz x Vale reforça a ideia da repetição da estratégia do grupo indonésio. E aí se entende a preocupação do Procurador Geral da República Augusto Aras de compartilhar o conteúdo dos arquivos da Lava Jato, para evitar que sejam utilizados por ex-procuradores e ex-juizes em disputas comerciais.

Conforme relatei no pot “A briga de narrativas entre a Lava Jato e a PGR


“Não tem sentido a explicação da Lava Jato Curitiba, de que o compartilhamento de banco de dados pode permitir vazamentos e uso indevido para achaque. O risco maior é o do controle absoluto de um grupo sobre o banco de dados, sem nenhuma espécie de supervisão externa – nem de suas chefias”.

E aí chegamos ao busílis do caso Sérgio Moro. Conforme a bela reportagem de Cintia Alves na edição de ontem do GGN – “Moro trabalha para bilionário israelense investigado por corrupção na Suíça e nos EUA” – Benny Steinmetz está envolvido em corrupção na Guiné e com ameaça de prisão em quatro países. Consta que mora em um Boeing dele, para não ser preso em suas viagens.

Anos atrás, a Vale se associou a ele, tentando ampliar sua penetração na África. Descobriu-se, depois, que as minas de Steinmetz tinham sido conquistados mediante suborno ao ex-presidente da Guiné.



A Vale alegou que fora enganada pela empresa parceira e abriu uma disputa judicial em Londres, onde obteve, em 2019, uma vitória: sentença a favor de uma indenização de 2 bilhões de dólares. Steinmetz tenta, agora, reverter a sentença. É aí que entra Sérgio Moro.

Sua contratação por US$ 150 mil visa dois objetivos:

1. Valer-se das informações sobre a Vale, que constam dos arquivos da Lava Jato.

2. Aproveitar a penetração de Moro na imprensa para repetir a dobradinha acrítica ocorrida com a Lava Jato.

Peça 4 – a Lava Jato e a Vale


Em 2014 o governo da Guiné mandou cassar a concessão de Steinmetz, acusando-o de corrupção. Em 2008 ele pagou US$ 170 milhões para conseguir explorar a mina de Simandu. 18 meses depois, revendeu 51$ para a Vale por US$ 2,5 bilhões. Tempos depois, foi acusado de tentar subornado a viúva co ex-presidente da Guiné, Lansana Conté, por US$ 8 milhões, e US$ 200 milhões ao então Ministro das Minas e energia Mahmoud Thiam.

Simandu era considerada a “Carajás africana”.


Foram abertos dois processos bilionários em torno do tema:

1. Da Vale, tentando conseguir a indenização de US$ 2 bilhões.

2. Da Rio Tinto tentando provar que a Vale sabia da corrupção e que, portanto, a exploração da mina deveria ser transferida para ela.


Segundo reportagem de O Globo,

“No documento protocolado na Justiça americana, de 50 páginas, a Rio Tinto descreve conversas que teriam sido realizadas entre executivos da companhia e da rival brasileira entre 2008 e 2009, quando Roger Agnelli ainda estava à frente da Vale.

Nessas conversas, a Rio Tinto teria fornecido à Vale informações confidenciais relativas a Simandou, na confiança de que a empresa “as trataria com discrição” com o objetivo de avaliar uma possível parceria entre as duas gigantes da mineração na Guiné. A Rio Tinto havia adquirido os direitos de exploração de Simandou em 2006. Hoje, é sócia da chinesa Chinalco no país.

Até agora, o principal instrumento para tentar vincular a Vale à Lava Jato é o site Notícias da Mineração. Já veiculou matérias tentando ligar executivos da Andrade Gutierrez à Vale, e também executivos da Camargo Correia. É um jogo malicioso porque ambos foram depor na condição de representantes das empreiteiras junto à Petrobras. Mas a insistência em ligá-los à Vale mostra claramente a estratégia de defesa de Steinmetz.

Agora, troca-se o mensageiro: em vez do desconhecido “Notícias da Mineração”, o ex-juiz que comandou a Lava Jato. É por aí que deverá se desdobrar o tal parecer de Sérgio Moro.

Peça 5 – como matar dois coelhos com uma só cajadada

Com o parecer contratado de Sérgio Moro, matam-se dois coelhos com uma só cajadada


1. O mega-corrupto Steinmetz, capaz de deixar no chinelo qualquer corruptor brasileiro, ganha um argumento forte contra a Vale.

2. Liquida-se definitivamente com a imagem da Lava Jato, depois do segundo suicídio de Moro – o primeiro foi ter aceitado o cargo de Ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger.

Fica óbvio, agora, as sucessivas homenagens que Moro recebeu nos salões da plutocracia internacional.


Parafraseando Paulo Vanzolini, US$ 150 mil francamente foi barato.


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