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domingo, 8 de novembro de 2020

Mares e petróleos em época de entreguismo das riquezas nacionais aos estrangeiros – meditações em Sergipe, por Dora Incontri

 

Mas essa é a essência do capitalismo: não importam vidas humanas, não importa a natureza de que fazemos parte, não importa a saúde de crianças, não importa nem sequer  a satisfação do consumidor: importa o interesse lucrativo de uns poucos.


Mares e petróleos – meditações em Sergipe, por Dora Incontri

Passando uma semana de trabalho em Aracaju, não dispensei caminhadas na praia e alguns banhos de mar. Mas depois de toda aquela tragédia ambiental do ano passado, de que aliás, não ouvimos mais nada, e pela qual ninguém foi responsabilizado, estava preocupada se havia ainda manchas de óleo, se era seguro comer peixe… A maioria dos simpáticos sergipanos (como são incrivelmente acolhedores os nordestinos!), me garantia que não havia mais perigo de nada. Mesmo assim, uma pequena mancha de óleo grudou no meu pé, que só consegui tirar com óleo de cozinha, seguindo as instruções do recepcionista do hotel.

Ouvi diversas narrativas de gente que trabalha na praia sobre o quanto a coisa foi feia e sobre o trabalho intenso, voluntário, heroico, feito pela população, para arrancar com as próprias mãos o óleo que empesteou o litoral brasileiro, sem nenhuma reação do governo…

Mas diante daquele mar vasto, sagrado, que parece se estender ao infinito, fiquei meditando no óleo, no petróleo, nesse ouro negro que tem causado guerras, poluição e escravização de povos inteiros e ameaçado o planeta de colapso climático.

Olhava a praia e via plataformas da Petrobrás em alto mar e me sentia angustiada. Qualquer coisa humana, invasiva, no meio do mar, me dá sobressaltos. Deveríamos nos abeirar do mar de maneira sempre reverente, sempre respeitosa e não dessa forma predatória, exploratória, com desejo desmedido de lucro. No mar está a origem e grande parte da fonte da vida na Terra.

E lembrei-me então de tudo o que já vi sobre o carro elétrico e seus sucessivos assassinatos desde o primeiro momento da história do automóvel. O carro elétrico não polui, não precisa de combustível fóssil, é silencioso, suave, sustentável. E os primeiros carros no século XIX foram elétricos. Na concorrência com os carros a gasolina, esses acabaram levando a melhor, num primeiro momento na total ignorância do impacto ambiental que eles causariam no mundo. Mas no decorrer do século XX, sobretudo na segunda metade, quando a poluição já atingia níveis insuportáveis e já se anunciava a possibilidade de um colapso climático, houve uma tentativa de se implantar seriamente a produção de carros elétricos, o que reduziria gradativamente a emissão de gás carbônico. Um documentário de 2006, Quem matou o carro elétrico, dirigido por Chris Paine, mostra o caso da Califórnia e como a GM acabou recolhendo dos clientes e esmagando os carros elétricos que ela mesmo havia produzido e estavam se tornando um sucesso entre os consumidores.

Quantas guerras de petróleo, quanta poluição, quanta contaminação dos mares, teriam sido evitadas se a indústria automobilística tivesse dobrado a esquina e se mantido nesse caminho. Mas essa é a essência do capitalismo: não importam vidas humanas, não importa a natureza de que fazemos parte, não importa a saúde de crianças, não importa nem sequer  a satisfação do consumidor (que tanto se alardeia ser a meta de toda a produção): importa o interesse lucrativo de uns poucos. Entre esses poucos estão aqueles que lucram com o petróleo e os que lucram com as guerras pelo petróleo.

Hoje, estão de volta à cena os carros elétricos, que já circulam na Europa e no Oriente. Mas perdemos décadas. Existe uma inércia fatal para mudar as coisas, quando se trata de ferir interesses dos grandes.

Um sistema que não é mais defensável em nenhum sentido.

Queria ter certeza de que as próximas gerações conhecerão a beleza límpida dos mares.

E queria ter certeza que eu mesma, ao voltar em outra vida, para Sergipe, poderei me banhar num mar ainda vivo.

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