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terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Fundamentalismo, concentração de renda e repressão, por Enio Verri



 "O que há pouco não se imaginava, no Brasil, bate às suas portas. O fascismo. E ele é difundido por ninguém menos que o presidente da República"


(Foto: Antonio Cruz - ABR)

Artigo de Enio VerriDeputado federal e professor licenciado do departamento de Economia da Universidade Estadual do Paraná

Do 247:

O que há pouco não se imaginava, no Brasil, bate às suas portas. O fascismo. E ele é difundido por ninguém menos que o presidente da República. Bolsonaro é mais uma caixa de ressonância do mercado financeiro, que impõe à América Latina uma nova ocupação, desde as ocorridas no século 16, quando as monarquias e a Igreja Católica chegaram para ocupar, espoliar e disseminar a ideologia cristã, no mais das vezes desvirtuando os ensinamentos do revolucionário Cristo, para alcançar seus objetivos financeiros e culturais. Na versão atual, da mesma forma, a ocupação é com a Bíblia e as forças armadas, oficiais e clandestinas, que, também, estão nas estruturas das oficiais. E é muito fácil encontrar quem se preste a massacrar qualquer um que se oponha a uma ditadura fundamentalista de mercado, com alta concentração de renda, sob uma dura e cruenta repressão.
É inaudita a covardia contra a fé de gente que não percebe a complexidade dos ritos que legitimam a instalação desse ou daquele governo, atrelado a uma religião que admite o fuzil contra os pobres. O partido criado por Bolsonaro carrega esse discurso em seu programa. Obediência à religião e liberdade para, não apenas portar, mas para disparar sua arma de fogo. Se isso não é fundamentalismo religioso belicista, não se sabe mais o que é. Segundo essa concepção equivocada do cristianismo, pobres, principalmente negros, são considerados bandidos e podem e devem ser abatidos e trucidados, a bem de uma sociedade higienista, excludente e escravocrata. Ele governa para 20% de 208 milhões e usa a fé e o medo de dezenas de milhões para convencê-los a não reagir à instalação de um inviável Estado Mínimo, no qual a supressão de direitos sociais, conquistados com muita luta, no nono país mais desigual do mundo, já conduziu 13,5 milhões à miserabilidade e cerca de 40 milhões para a informalidade.
O cristianismo conformista dos pobres com a exclusão e as injustiças não se difundiria sem o pronto apoio dos veículos de comunicação dos conglomerados. Oposição a esse governo não é uma prerrogativa da esquerda, ou da direita, apenas, ela perpassa por campos que dizem respeito à nação, em questões, como o comportamento do 5º maior país e uma das 10 economias do mundo, no avanço do processo civilizatório, no qual, por exemplo, é inconcebível admitir a qualquer religião, a título seja lá do que for, imiscuir-se nas questões de Estado. A laicidade do Estado se necessária para que todas as crenças sejam aceitas, respeitadas e toleradas. Uma instituição, como o Ministério Público, por exemplo, não pode decidir sobre questões do interesse público com base na moral de alguma ideologia religiosa. Isso é o comportamento de um Estado Fundamentalista, no qual uma crença qualquer passa a valer mais que uma Constituição popular e soberana.
Os retrocessos vão desde a desastrosa política econômica à cultura, passando pela moral, pelo público e o privado. Ao mesmo em que isenta empresários sob uma vã promessa de geração de empregos, Bolsonaro taxa em 22% e 7,5% a cesta básica e o seguro desemprego, aumenta o preço da carne, tornando impraticável o consumo para grande parte da população. Mas os atrasos vão muito além e os custos são tão ou mais caros. O presidente arrasta o Brasil para um abismo de fanatismo religioso, moralista e obtuso. O discurso de ódio e as políticas antidemocráticas causam medo, inclusive, nos empresários. Ele usurpa da fé alheia e se une a um tipo de cristianismo que prega o material acima do espiritual. Se Cristo pudesse voltar, com certeza, expulsaria certos vendilhões que se enriquecem explorando a crença das pessoas. São dois componentes da atual conjuntura, a religião como discurso de ódio e as armas, que devem estar no debate do dia a dia e analisadas como ameaça à jovem democracia brasileira.
Bolsonaro difunde seu discurso de ódio protegido por certos veículos de comunicação, que têm interesse na total desregulamentação das relações entre capital e trabalho e no açambarcamento da soberania, a que Bolsonaro, o patriota, está se prestando. Ele radicaliza e acusa a esquerda de o fazê-lo. Radicaliza na supressão de direitos, a esquerda radicaliza na defesa da classe trabalhadora. Radicaliza na afronta contra os africanos escravizados, a esquerda radicaliza e pede anulação da nomeação do presidente da Fundação Palmares. O seu governo, como um todo, radicaliza na desvalorização da educação, da saúde, da habitação, da cultura, do desenvolvimento tecnológico e da soberania.
A esquerda, ao invés da direita e da maior parte do centro, sempre defendeu as garantias do Estado Democrático de Direito, o direito da população historicamente alijada ao acesso da divisão do resultado da produção, a partir dos recursos energéticos brasileiros. Nesse sentido, como disse Luiz Inácio Lula da Silva, somos radicalmente a favor da Seguridade Social pública, da educação pública gratuita e de qualidade, da pluralidade de pensamentos, de cultura, de ideologias. É preciso combater e desmascarar o discurso conformista de determinadas igrejas e veículos de comunicação que já estão sentindo os efeitos dos ataques das criaturas nascidas dos ovos chocados, desde 2016, que eclodem agora e se voltam justamente contra quem chocou os ovos do fascismo.

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