É um confronto curioso, entre o país selvagem que emergiu das passeatas e do fundamentalismo, e o país institucional, que teima em resistir.
GGN.- Ontem, cinco entidades – Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o Instituto Vladimir Herzog, a Comissão Arns e o Instituto Ethos – enviaram ofício à ONU denunciando “visíveis retrocessos” nas políticas públicas brasileiras sobre o tema. A peça de resistência foi o relatório final da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) na gestão da antiga presidente Eugênia Gonzaga, exonerada por Jair Bolsonaro.
Eugênia conseguiu que se desse início à retificação dos atestados de óbitos dos desaparecidos. Em vez de suicídio, desaparecimento e outras desculpas, o reconhecimento de ter sido assassinado pelo Estado brasileiro.
As famílias foram orientadas sobre como proceder, para obter as retificações perante cartórios. Damares, agora, acusa Eugênia de ter praticado “advocacia administrativa”, por ter oferecido os meios necessários ao requerimento das famílias – uma declaração de óbito, com base na Comissão Nacional da Verdade e um formulário para a família assinar -, um argumento duplamente estapafúrdio, porque esse tipo de pedido aos cartórios não á ato privativo de advogado.
No final do ano passado, houve um encontro inesquecível em Brasilia, onde, pela primeira vez, os familiares de mortos e desaparecidos políticos receberam desculpas formais de um órgão do Estado brasileiro.
Segundo o depoimento de Lygia Jobim, filha do embaixador José Jobim, assassinado na ditadura por ter provas sobre a corrupção ocorrida na construção da Hidrelétrica de Itaipu:
Sem o trabalho dos que a constituem, sob a presidência da incansável guerreira Dra. Eugênia Augusta Gonzaga, não só este encontro não teria sido realizado como não teríamos tido o reconhecimento dos restos mortais de mais um desaparecido político nem o primeiro caso de retificação de um atestado de óbito, que foi o de meu pai, José Jobim.
No primeiro dia do Encontro recebi, através da Dra. Eugênia, não só a certidão de óbito atestando que o falecimento se deu “em razão de morte não natural, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição generalizada e sistemática á população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”, mas também, em nome do Estado brasileiro, um pedido formal de desculpas.
São reparações morais a que todos temos direito
Damares pretende criminalizar os gastos de R$ 216 mil, com transporte e hospedagem das famílias.
É um confronto curioso, entre o país selvagem que emergiu das passeatas e do fundamentalismo, e o país institucional, que teima em resistir.
Damares fez carreira como pastora, enganando fieis com falsificações sobre zoofilia, pedofilia. Chegou a Ministra pelas relações familiares com parlamentares de duvidosa reputação. Explicou que os sermões que fazia, com seus temas absurdos, eram para um tipo específico de plateia, admitindo a manipulação dos fatos para impressionar fieis iletrados. É a mais explícita representante do país que emergiu com Bolsonaro.
Eugênia assumiu há anos o tema dos desaparecidos por exclusiva solidariedade com as famílias – que jamais deixaram de lutar pelo direito de saber o que ocorreu com seus familiares desaparecidos na ditadura. Não tinha formação política, se considerava uma desinformada sobre a história do período. O que a movia era exclusivamente a solidariedade com as famílias e o respeito absoluto pela Constituição. E sua recompensa maior era o reconhecimento interno do trabalho realizado.
Na comemoração dos 25 anos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, a PGR Raquel Dodge relembrou dois dos maiores feitos da PFDC: a inclusão de crianças com deficiência na rede escolar e a defesa da justiça de transição, ambas com participação essencial de Eugenia.
O que esse pessoal nunca entenderá é o que move pessoas como Eugenia a ponto de trabalhar sem remuneração para a Comissão, sem se licenciar do MPF, portanto acumulando trabalho, muitas vezes tirando dinheiro do próprio bolso para cobrir despesas imprevistas.
Tudo isso para receber a recompensa de um sorriso de agradecimento de um familiar, testemunhar o conforto de uma família por poder ter um túmulo para velar o parente assassinado. E a sensação de, como servidora pública, ter cumprido com suas obrigações.
Nesse Brasil selvagem e argentário das últimas décadas, há exemplos de pessoas que resistem, se movendo por princípios e pelo reconhecimento. E isso é uma ofensa indesculpável para a turma de Damares, por expor, mais ainda, sua pequenez de alma.
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