Precisamos encarar as maneiras como os incêndios do colapso climático já se cruzam com a supremacia branca e a crescente xenofobia.
Foto: Jeff J Mitchell/Getty Images
Apenas um New Deal Verde pode conter o eco-fascismo
OS ORGANIZADORES ESPERAM que um grande número de pessoas participem da Greve Global pelo Clima, que começou em 20 de setembro e seguirá até o dia 27. Essa edição se baseia na primeira greve climática global, realizada em 15 de março, e que atraiu cerca de 1,6 milhão de jovens que abandonaram as aulas em escolas de todos os continentes.
Mas a greve desta semana será diferente. Desta vez, jovens organizadores convidaram adultos de todas as esferas da vida para se juntarem a eles nas ruas. Assim, além de escolas em mais de 150 países, quase mil trabalhadores na sede da Amazon em Seattle se comprometeram a se juntar à greve, assim como alguns sindicatos de professores universitários, o Congresso da União Britânica de Comércio e muitos outros. Há um plano para fazer Washington DC parar em 23 de setembro.
Essa diversidade dos grupos envolvidos pode muito bem se revelar uma nova etapa no movimento climático, com muitos outros movimentos e distritos eleitorais se vendo na luta contra o colapso climático – bem como na visão emergente de um New Deal Verde interseccional baseado na justiça.
E também é uma coisa boa porque, como Donald Trump vomita o ódio racista aos refugiados das Bahamas que fogem dos destroços do furacão Dorian e um número crescente de assassinos de extrema direita cita danos ambientais como justificativa para sua violência, há uma necessidade premente de enfrentar os caminhos em que os incêndios do colapso climático já se cruzam com os da supremacia branca e da xenofobia que cresce globalmente.
Esses são os temas que exploro em profundidade em meu novo livro, “On Fire: The (Burning) Case for Green New Deal” [em tradução livre, “Em chamas: O caso (ardente) de um New Deal Verde”], do qual este ensaio foi extraído.
Um massacre eco-fascista
Em Christchurch, na Nova Zelândia, a Greve Escolar pelo Clima de 15 de março começou da mesma maneira que em muitas outras cidades: alunos barulhentos saíram de suas escolas ao meio do dia segurando cartazes que exigiam uma nova era de ação climática. Alguns eram doces e sinceros (EU DEFENDO O CHÃO QUE PISO), outros menos (MANTENHA A TERRA LIMPA. AQUI NÃO É URANO!).
Às 13 horas, cerca de 2 mil crianças haviam chegado à Cathedral Square, no centro da cidade, onde se reuniram em um palco improvisado e contribuíram com um sistema de som para ouvir discursos e música.
Havia estudantes de todas as idades, e uma escola maori inteira havia se juntado à greve. “Eu estava tão orgulhosa de toda a cidade de Christchurch”, me disse uma das organizadoras, Mia Sutherland, de 17 anos. “Todas essas pessoas foram muito corajosas. Não é fácil sair.”
No momento em que Sutherland estava se preparando para prestar o testemunho final do dia, uma de suas amigas deu-lhe um puxão e disse: “Você tem que encerrar. Agora!” Sutherland estava confusa – eles tinham sido barulhentos demais? Nesse momento, um policial subiu ao palco e tirou o microfone da mão dela. Todo mundo precisa sair da praça, disse ele pelo sistema de som. Vão para casa. Voltem para a escola. Mas fiquem longe do Hagley Park.
Algumas centenas de estudantes decidiram marchar juntos até a prefeitura para manter o protesto. Sutherland, ainda confusa, foi pegar um ônibus – e foi quando ela viu uma manchete em seu celular sobre um tiroteio a 10 minutos de onde estava. Levaria várias horas até que os jovens grevistas percebessem o horror total do que havia acontecido naquele dia – e por que eles foram instruídos a ficar longe de um parque perto da mesquita Al Noor.
Hoje sabemos que, ao mesmo tempo em que a greve climática dos estudantes acontecia, um australiano de 28 anos que vive na Nova Zelândia dirigiu até a mesquita, entrou e, durante as orações de sexta-feira, abriu fogo contra os presentes. Após seis minutos de carnificina, ele saiu calmamente de Al Noor, dirigiu-se para outra mesquita e continuou a violência. No final, 50 pessoas foram mortas, incluindo uma criança de 3 anos. Outro morreria no hospital semanas depois. Outros 49 ficaram gravemente feridos. Aquele foi o maior massacre da história recente da Nova Zelândia.
O assassino não foi movido por preocupações ambientais – sua motivação era o autêntico ódio racista –, mas o colapso ecológico foi uma das forças que pareciam estar alimentando esse ódio.
Em seu manifesto (publicado em vários sites de mídia social) e nas inscrições de sua arma, o assassino expressou admiração pelos homens responsáveis por outros massacres semelhantes: no centro de Oslo e em um acampamento de verão norueguês em 2011 (77 pessoas mortas); na Igreja Episcopal Metodista Africana de Emanuel, em Charleston, na Carolina do Sul, em 2015 (nove pessoas assassinadas); em uma mesquita da cidade do Quebec em 2017 (seis pessoas mortas); e na sinagoga da Árvore da Vida de Pittsburgh em 2018 (11 pessoas assassinadas). Como todos os outros terroristas, o atirador de Christchurch era obcecado pelo conceito de “genocídio branco”, uma suposta ameaça representada pela crescente presença de populações não brancas nas nações majoritariamente brancas, que ele atribuía aos “invasores” imigrantes.
O horror em Christchurch fazia parte desse padrão claro e crescente de crimes de ódio de extrema direita, mas também era distinto de duas maneiras. Uma era a medida em que o assassino planejou e executou seu massacre como um espetáculo feito para a internet. Antes de começar seu tumulto, ele anunciou no fórum 8chan que “é hora de parar de apenas postar coisas e fazer um post na vida real”, como se um assassinato em massa fosse apenas um meme particularmente chocante esperando para ser compartilhado.
A natureza hipermediada do massacre de Christchurch, com a óbvia tentativa do assassino de brincar com seu “post na vida real”, fez um contraste insuportável com a realidade devastadora de seu crime – de balas atingindo pessoas, de famílias atingidas pela dor e de uma comunidade muçulmana global que recebeu uma mensagem aterrorizante de que seus membros não estavam seguros em lugar algum, nem mesmo na santidade da oração.
Ela também contribuiu para um contraste violento com os jovens grevistas climáticos que se reuniram exatamente ao mesmo tempo para um propósito tão diferente. Onde o assassino brincava alegremente com as linhas entre fato, ficção e conspiração, como se a própria idéia da verdade fosse #FakeNews, os grevistas insistiam meticulosamente que realidades duras, como gases de efeito estufa acumulados, pegadas de carbono e uma espiral de extinções realmente importavam, e exigiam que os políticos acabassem com a distância entre suas palavras e suas ações.
Quando falei com ela seis semanas depois daquele dia terrível, Mia Sutherland ainda estava tendo problemas para separar a greve e o massacre; eles de alguma forma se fundiram em sua memória. “Na mente de ninguém eles estão separados”, ela me disse, sua voz apenas um tom acima de um sussurro.
Quando eventos intensos acontecem muito próximos, a mente humana frequentemente tenta estabelecer conexões que não existem, um fenômeno conhecido como apofenia. Mas, neste caso, havia conexões. Na verdade, a greve e o massacre podem ser entendidos como reações opostas espelhadas a algumas das mesmas forças históricas. E isso se relaciona com a outra maneira pela qual o assassino de Christchurch se distingue dos assassinos em massa da supremacia branca de quem ele abertamente se inspirou. Ao contrário deles, ele se identifica explicitamente como um “eco-fascista etno-nacionalista”. Em seu manifesto incoerente, ele descreveu suas ações como um tipo de ambientalismo distorcido, criticando o crescimento populacional e afirmando que “a imigração contínua na Europa é uma guerra ambiental”.
Para deixar claro, o assassino não foi movido por preocupações ambientais – sua motivação era o autêntico ódio racista –, mas o colapso ecológico foi uma das forças que pareciam estar alimentando esse ódio, da mesma forma que o vemos agir como um acelerador do ódio e da violência em conflitos armados ao redor do mundo. Meu medo é que, a menos que algo de significativo mude a forma como nossas sociedades lidam com a crise ecológica, veremos esse tipo de eco-fascismo do poder branco emergir com muito mais frequência, como uma racionalização feroz por recusar-se a cumprir nossas responsabilidades coletivas com o clima.
Muito disso se deve ao complexo cálculo do aquecimento global. Esta é uma crise esmagadora criada pelas camadas mais ricas da sociedade: quase 50% das emissões globais são produzidas pelos 10% mais ricos da população mundial; os 20% mais ricos são responsáveis por 70%. Mas os impactos dessas emissões estão prejudicando os mais pobres primeiro e de forma pior, forçando um número crescente de pessoas a se mover, com muitos outros a caminho. Um estudo de 2018 do Banco Mundial estima que, até 2050, mais de 140 milhões de pessoas na África Subsaariana, Sul da Ásia e América Latina serão deslocadas por causa do estresse climático, uma estimativa que muitos consideram conservadora. A maioria ficará em seus próprios países, aglomerando-se em cidades e favelas já superlotadas; muitos tentarão uma vida melhor em outro lugar.
Em qualquer universo moral, guiado por princípios básicos de direitos humanos, essas vítimas de uma crise provocada por outras pessoas deveriam receber justiça. Essa justiça deveria assumir muitas formas. Em primeiro lugar, a justiça exige que os 10 a 20% mais ricos parem a causa subjacente dessa crise cada vez mais grave reduzindo as emissões tão rapidamente quanto a tecnologia permitir (a premissa do New Deal Verde). A justiça também exige que atendamos ao chamado de um “Plano Marshall para a Terra” que o negociador climático da Bolívia pediu há uma década: lançar recursos no sul global para que as comunidades possam se fortalecer contra o clima extremo, sair da pobreza com tecnologia limpa e proteger seus modos de vida sempre que possível.
Quando a proteção não for possível – quando a terra é simplesmente seca demais para o cultivo e quando os mares estão subindo rápido demais para impedi-los – a justiça exige que reconheçamos claramente que todas as pessoas têm o direito humano de se mover e buscar segurança. Isso significa que a eles são devidos asilo e status na chegada. Na verdade, em meio a tantas perdas e sofrimentos, a eles é devido muito mais do que isso: eles merecem bondade, compensação e um sincero pedido de desculpas.
Em outras palavras, a ruptura climática exige um acerto de contas no terreno mais revoltante para as mentes conservadoras: redistribuição de riqueza, compartilhamento de recursos e reparações. Um número crescente de pessoas na extrema direita percebe isso muito bem e é por isso que elas estão desenvolvendo várias lógicas distorcidas, pelas quais nada disso pode acontecer.
A primeira fase é gritar “conspiração socialista” e negar completamente a realidade. Já estamos nessa fase há algum tempo. Essa foi a atitude adotada por Anders Breivik, o sociopata que abriu fogo no acampamento de verão da Noruega em 2011. Breivik estava convencido de que, além da imigração, uma das maneiras pelas quais a cultura ocidental branca estava sendo enfraquecida era por meio de apelos à Europa e aos países anglófonos para pagar sua “dívida climática”. Em uma seção de seu manifesto intitulado “Verde é o novo vermelho – Parem o Comunismo Ecológico!”, em que cita vários negacionistas proeminentes da mudança climática, ele lança demandas para o financiamento do clima como uma tentativa de “‘punir’ os países europeus (EUA incluído) pelo capitalismo e seu sucesso”. A ação climática, ele afirma, “é a nova redistribuição da riqueza”.
Mas se a negação direta parecia uma estratégia viável, nove anos depois (com seis desses anos entre os dez mais quentes já registrados) ela não funciona. Isso não significa, no entanto, que negacionistas repentinamente adotarão uma resposta à crise climática baseada em acordos internacionais. É muito mais provável que muitos que atualmente afirmam negar a mudança climática simplesmente mudem abruptamente para a sinistra visão de mundo adotada pelo assassino de Christchurch, um reconhecimento de que estamos realmente enfrentando um futuro convulsivo e que é mais uma razão para países ricos de maioria branca fortalecerem suas fronteiras, bem como suas identidades como cristãos brancos, e travarem guerra contra todos e quaisquer “invasores”.
Mas se a negação direta parecia uma estratégia viável no passado, hoje ela não funciona.
A ciência climática não será mais negada; o que será negado é a ideia de que aquelas nações que foram, historicamente, as maiores emissoras de carbono, devem algo aos povos negros e pardos afetados por essa poluição. Isso será negado com base na única lógica possível: que essas pessoas não-brancas e não-cristãs são inferiores, são os outros, são invasores perigosos.
Em grande parte da Europa e dos países anglófonos, esse endurecimento já está em andamento. A União Europeia, a Austrália e os Estados Unidos adotaram políticas de imigração que são variações de “prevenção por meio da dissuasão”. A lógica brutal é tratar os migrantes com tanta insensibilidade e crueldade que pessoas desesperadas serão impedidas de buscar segurança atravessando fronteiras.
Com isso em mente, os migrantes são deixados a se afogar no Mediterrâneo ou morrer de desidratação no acidentado deserto do Arizona. E, se eles sobrevivem, são colocados em condições equivalentes à tortura: nos campos da Líbia, para onde os países europeus agora enviam os migrantes que tentam chegar às suas costas; nos campos de detenção de ilhas da Austrália; em um Walmart cavernoso que virou prisão infantil no Texas. Na Itália, se os migrantes chegam a um porto, agora são regularmente impedidos de desembarcar, mantidos em cativeiro em barcos de resgate sob condições que um tribunal decidiu serem equivalentes a sequestro.
Enquanto isso, o primeiro-ministro do Canadá envia fotos de si mesmo acolhendo refugiados e visitando mesquitas – mesmo quando seu governo faz grandes investimentos em militarizar a fronteira e apertar o laço do Acordo de Terceiro País Seguro, que impede os requerentes de asilo de solicitar proteção em passagens oficiais de fronteiras canadenses se vierem do supostamente “seguro” Estados Unidos de Trump.
O objetivo dessa fortificação na Europa e nos países anglófonos é muito claro: convencer as pessoas a permanecerem onde estão, por mais miserável e mortal que seja. Nesta visão de mundo, a emergência não é o sofrimento das pessoas; é o desejo inconveniente deles de escapar desse sofrimento.
É por isso que, poucas horas após o massacre de Christchurch, Trump pôde ignorar o surto de violência da extrema direita e mudar imediatamente de assunto para a “invasão” de migrantes na fronteira sul dos Estados Unidos e a recente declaração de uma “emergência nacional”, medida destinada a liberar bilhões de dólares para um muro na fronteira. Três semanas depois, Trump tuitou: “Nosso país está CHEIO!”. Isso seguiu o ministro do Interior da Itália, Matteo Salvini, respondendo à chegada de um pequeno grupo de migrantes resgatados no mar ao tuitar: “Nossos portos estavam e permanecem FECHADOS”.
Murtaza Hussain, repórter investigativo que estudou o manifesto do assassino de Christchurch de perto, enfatiza que o texto está cheio de ideias que são tudo menos insignificantes. Hussain escreve que as palavras dele são “lúcidas e assustadoramente familiares. Suas referências a imigrantes como invasores encontram ecos na linguagem usada pelo presidente dos Estados Unidos e líderes de extrema direita em toda a Europa. Para aqueles que se perguntam onde [ele] foi radicalizado, a resposta está muito clara. Foi em nossa mídia e política, onde minorias, muçulmanos ou outros, são difamados rotineiramente.”
Ideologias tóxicas
Os motores da migração em massa são complexos: guerra, violência de gangues, violência sexual, aprofundamento da pobreza. O que está claro é que a ruptura climática está intensificando todas essas outras crises e só vai piorar quando a temperatura subir. Mas, em vez de ajudar, os países mais ricos do planeta parecem determinados a aprofundar a crise em todas as frentes.
Eles estão deixando de fornecer ajuda significativa para que os países mais pobres possam se proteger melhor dos extremos climáticos. Quando o empobrecido e endividado Moçambique foi atacado pelo ciclone Idai, o Fundo Monetário Internacional ofereceu ao país 118 milhões de dólares, um empréstimo (não uma concessão) que de alguma forma teria que pagar de volta; a Jubilee Debt Campaign descreveu o ato como “uma acusação chocante da comunidade internacional”. Pior ainda, em março de 2019, Trump anunciou que pretendia cortar 700 milhões de dólares em ajuda para a Guatemala, Honduras e El Salvador, alguns dos quais foram destinados a programas que ajudam agricultores a lidar com a seca. Em uma expressão igualmente explícita de suas prioridades, em junho de 2018, no início da temporada de furacões, o Departamento de Segurança Interna desviou 10 milhões de dólares da Agência Federal de Gerenciamento de Emergências, encarregada de responder a desastres naturais locais, e a transferiu para o setor de Imigração e Alfândega, com o objetivo de pagar pela detenção de migrantes.
Vamos compartilhar o que resta e tentar cuidar uns dos outros? Ou, em vez disso, tentaremos guardar o que sobrou, cuidar dos “nossos” e deixar todos os outros de fora?
Que fique claro: este é o início da barbárie climática. E, a menos que haja uma mudança radical não apenas na política, mas também nos valores subjacentes que governam nossa política, é assim que o mundo rico se “adaptará” a mais perturbações climáticas: desencadeando completamente as ideologias tóxicas que classificam o valor relativo de vidas humanas para justificar o descarte monstruoso de enormes parcelas da humanidade. E o que começa como brutalidade na fronteira certamente infectará as sociedades como um todo.
Essas ideias supremacistas não são novas; nem nunca foram embora. Para nós na América do Norte, eles estão profundamente enraizados na base jurídica da própria existência de nossas nações (da Doutrina do Descobrimento Cristão à terra nullius). Seu poder diminuiu e fluiu ao longo de nossas histórias, dependendo de quais comportamentos imorais exigiam justificativa ideológica. E, assim como essas ideias tóxicas surgiram quando foram necessárias para racionalizar a escravidão, o roubo de terras e a segregação, elas estão surgindo mais uma vez agora que são necessárias para justificar a recalcitrância climática e a barbárie em nossas fronteiras.
Essas ideias supremacistas não são novas; nem nunca foram embora. Para nós na América do Norte, eles estão profundamente enraizados na base jurídica da própria existência de nossas nações (da Doutrina do Descobrimento Cristão à terra nullius). Seu poder diminuiu e fluiu ao longo de nossas histórias, dependendo de quais comportamentos imorais exigiam justificativa ideológica. E, assim como essas ideias tóxicas surgiram quando foram necessárias para racionalizar a escravidão, o roubo de terras e a segregação, elas estão surgindo mais uma vez agora que são necessárias para justificar a recalcitrância climática e a barbárie em nossas fronteiras.
A crueldade em rápida escala de nosso momento atual não pode ser minimizada; tampouco o dano a longo prazo à psique coletiva se isso não for contestado. Sob o teatro de alguns governos que negam a mudança climática e outros que afirmam estar fazendo algo a respeito enquanto fortalecem suas fronteiras contra seus efeitos, há uma questão abrangente diante de nós. No instável e difícil futuro que já começou, que tipo de pessoas nós seremos? Vamos compartilhar o que resta e tentar cuidar uns dos outros? Ou, em vez disso, tentaremos guardar o que sobrou, cuidar dos “nossos” e deixar todos os outros de fora?
Neste tempo de mares em ascensão e ascenção do fascismo, essas são as escolhas diante de nós. Existem outras opções além da barbárie climática, mas, considerando o ponto a que chegamos, não há sentido em fingir que são fáceis. Será necessário muito mais do que um imposto sobre carbono ou cap-and-trade (comércio internacional de emissões de carbono). Será necessária uma guerra total contra a poluição, a pobreza, o racismo, o colonialismo e o desespero – tudo ao mesmo tempo.
A mensagem vinda da greve escolar é que muitos jovens estão prontos para esse tipo de mudança profunda. Eles sabem muito bem que a sexta extinção em massa não é a única crise que eles herdaram. Eles também estão crescendo entre os escombros da euforia do mercado, nos quais os sonhos de aumentar continuamente os padrões de vida deram lugar a uma austeridade desenfreada e insegurança econômica. E a tecno-utopia, que imaginava um futuro sem atritos de conexão e comunidade ilimitadas, se transformou em vício nos algoritmos de inveja, vigilância corporativa implacável, misoginia on-line e supremacia branca.
“Depois de fazer sua lição de casa”, diz a jovem ativista climática sueca Greta Thunberg, “você percebe que precisamos de novas políticas. Precisamos de uma nova economia, onde tudo se baseie em nosso orçamento de carbono, extremamente limitado e em rápido declínio. Mas isso não é o suficiente. Precisamos de uma nova maneira totalmente nova de pensar. … Temos que parar de competir uns com os outros. Precisamos começar a cooperar e compartilhar os recursos restantes deste planeta de maneira justa.”
Isso é necessário porque nossa casa está pegando fogo, e isso não deve ser uma surpresa. Construída com falsas promessas, futuros com desconto e pessoas sacrificadas, ela foi planejada para explodir desde o início. É tarde demais para salvar todas as nossas coisas, mas ainda podemos salvar um ao outro e muitas outras espécies também. Vamos apagar as chamas e construir algo diferente em seu lugar. Algo um pouco menos ornamentado, mas com espaço para todos aqueles que precisam de abrigo e cuidados.
Adaptado de “On Fire: The (Burning) Case for Green New Deal”, publicado pela Simon & Schuster.
Esta história faz parte do Covering Climate Now, uma colaboração global de mais de 250 veículos de notícias que visa fortalecer a cobertura da crise climática.
Tradução: Maíra Santos
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