No Rio, a PM é obrigada a matar crianças inocentes nos bairros pobres para proporcionar segurança às crianças brancas dos bairros nobres. Desigualdades econômicas/sociais/raciais/geográficas estão se tornando absolutas e abissais.
Capitalistas comedores de criancinhas, por Fábio de Oliveira Ribeiro
Há algum tempo, aqui mesmo no GGN, disse que nós estamos sendo obrigados a viver num regime de interpretação permanente. Isso permite ao poder público interpretar o direito à vida como um entrave ao dever do Estado de matar seus inimigos (qualquer que seja ele) o que obriga o Judiciário a tratar o homicídio como um crime que merece ser perdoado ou eventualmente premiado (se for cometido por um policial).
Uma menina inocente de 8 anos foi assassinada pela polícia. Isso deveria ser suficiente para causar indignação pública e reformas institucionais. Mas não foi exatamente isso o que ocorreu, pois uma parcela significativa da população politicamente ativa aderiu à “pedagogia do assassinato” que se tornou a única política de segurança pública no Rio de Janeiro. Pior… a aprovação popular das execuções policiais tem sido interpretada pelos membros do Sistema de Justiça como uma autorização que foi dada a eles para não aplicar mais os princípios constitucionais que limitam e reprimem o excesso de violência estatal.
Eu tenho 55 anos e cresci num mundo em que os adultos assustavam as crianças dizendo que os comunistas eram comedores de criancinhas. Nos dias de hoje os comunistas se posicionam contra o assassinato de criancinhas que são praticados por policiais comandados por governadores que se dizem campeões do capitalismo neoliberal evangélico.
No texto acima mencionado, eu também disse que “Aqueles que chegaram ao poder não desejam uma reconfiguração da sociedade. Eles querem interditar o debate para garantir sua permanência no poder.” Por isso, o jornal “O Globo” se recusou a noticiar a morte da criança para não obrigar seu governador a lidar com as consequências. Quando é impossível interpretar a notícia a favor dos aliados do jornal (ou contra os adversários do dono dele) o público deve ser impedido de interpretá-la?
Censurada pela Ditadura Militar, a imprensa encontrava meios de contornar a censura. Liberada pela democracia, a imprensa resolveu conspirar contra ela e agora não pode mais deixar de praticar a autocensura.
No mundo em que eu cresci o medo dos comunistas era uma ferramenta política utilizada de maneira cirúrgica. Mas nenhuma criancinha que eu conheci foi realmente devorada por comunistas. Ironicamente, na fase atual são os inimigos mortais do comunismo que tentam salvar o país fazendo os cemitérios devorar criancinhas inocentes.
Um regime político que nasceu da mentira repetida à exaustão não pode se apoiar na verdade. O moralismo seletivo conseguiu não apenas desumanizar os jornalistas. Ele desumanizou até mesmo os filhos dos jornalistas, que estão sendo obrigados a viver num mundo em que as “outras” crianças podem ser mortas e aterrorizadas pela política. Essa separação entre duas populações confinadas num mesmo território não vai pacificar a sociedade. Ela apenas resultará numa tragédia ainda maior.
A Constituição Federal garante a igualdade de todos perante a mesma Lei, sem qualquer distinção. No Rio de Janeiro a PM é obrigada a matar crianças inocentes nos bairros pobres para proporcionar segurança às crianças brancas dos bairros nobres. Desigualdades econômicas/sociais/raciais/geográficas estão se tornando absolutas e abissais.
Como vimos no texto mencionado no início, Slavoj Žižek afirmou que “…a política ocorre apenas quando a possibilidade de reconfiguração torna-se manifesta.” (Mitologia, Loucura e Riso – A subjetividade no idealismo alemão, Markus Gabriel e Slavoj Žižek, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2012, p. 136). Se ele estiver certo, devemos admitir a hipótese de que a inexistência de possibilidade de reconfiguração da política leva necessariamente a ruptura.
As condições de possibilidade da população carioca acreditar na convivência pacífica sob a autoridade da Lei está sendo destruída pelas autoridades estatais. Portanto, uma reação violenta não será apenas previsível, ela será necessária. Caso contrário, a morte de Aghata Vitória Sales Felix terá sido em vão. Muitas outras crianças pobres e inocentes serão assassinadas.
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