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sábado, 3 de agosto de 2019

Segundo artigo do jurista e criminalista Juarez Cirino dos Santos na série The Intercept, um Tsnunami contra a Lava Jato: Moro no papel de juiz acusador. Publicado no site de estudos e críticas jurídicas Justificando



 "Dallagnol sabe que o Juiz Moro só pode julgar, jamais opinar sobre estratégias ou táticas da acusação, em investigações criminais ou processos judiciais, mas concorda com a sugestão, respondendo: É, sim!  Entre advogados criminais, é comum o adágio: quando o Juiz é acusador, nem Deus absolve! Três semanas depois, começa nova fase da Lava Jato."



Do site Justificando:

Juarez Cirino dos Santos: Moro no papel de acusador


Segunda-feira, 29 de julho de 2019

Juarez Cirino dos Santos: Moro no papel de acusador

Este é o segundo artigo de uma série especial de artigos elaborados especialmente para o Justificando. Nesta série de três conteúdos, o renomado professor Juarez Cirino dos Santos  faz uma análise aprofundada sobre os desdobramentos da Vaza Jato que expôs o conluio entre Juiz Sergio Moro e procuradores do MPF nos casos da Lava Jato.

Leia o resumo primeiro artigo da série:
Parte 1: The Intercept, um tsunami contra a Lava Jato
Na Parte 1 mostramos como a parcialidade do ex-Juiz Moro era velha conhecida dos advogados criminais. A condenação de Lula surge como meio para entregar o poder à direita política e garantir a nomeação de Moro como Ministro da Justiça. A publicação de The Intercept muda a percepção sobre Moro e os Procuradores da Lava Jato, de heróis da luta contra a corrupção para ideólogos da direita conservadora e fascista. E as dúvidas de Dallagnol sobre uma acusação fundada em notícia de jornal e indícios frágeis - ou seja, se o tríplex poderia ser apresentado como propina de Lula -, foram meras críticas de umsuperego frágil contra um ego oportunista, que não impediram a Denúncia contra Lula como meio para garantir a competência do ex-Juiz Moro, decisiva para os objetivos políticos do processo. Enfim, a descoberta de uma impressionante discrepância: a reportagem de O Globo, usada como prova pela acusação e como fundamento para a condenação de Lula, diz que o tríplex atribuído ao ex-Presidente se situava na Torre B, mas a Denúncia e a Sentença atribuíram a Lula um imóvel situado na Torre A.


PARTE 2: Moro no papel de acusador


O conluio de Dallagnol e Moro contra Lula

Dallagnol discute questões estratégicas da comunicação pública da Denúncia com o aliado e conselheiro Juiz Moro, lamentando:
Não foi compreendido que a longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar a corrupção para o ex-presidente. Muita gente não compreendeu porque colocamos ele como líder para imputar 3,7MM de lavagem, quando não foi por isso, e sim para imputar 87MM de corrupção.

Logo, se uma longa exposição sobre o comando do esquema era necessária para imputar 87MM de corrupção a Lula, então é porque Dallagnol não dispunha de nenhuma prova da imputação – uma falha processual que tentou suprir com um longo discurso, na conhecida função encobridora da falta de prova da imputação, mas indispensável para garantir a competência de Moro para o caso Tríplex. Eis o conluio!

A percepção da inconsistência dessa prova indireta leva Dallagnol a admitir que juristas falarão de falta de provas – uma crítica que, eventualmente, passaria com a virada para a próxima fase, diz o coordenador, sugerindo a Moro, no recebimento da denúncia, abordar esses pontos.

O Juiz Moro recebeu a Denúncia e, com seu estilo de Juiz empenhado na causa como principal acusador, além de ignorar os defeitos da acusação, contribuiu com o acréscimo de novos defeitos na instrução e na decisão da causa contra Lula. A prova definitiva do conluio viria na resposta de Moro à queixa de Dallagnol: 
Definitivamente, as críticas à exposição de vc são desproporcionais. Siga firme.
Primeiro, temos o enunciado de um juízo sobre a Denúncia, que anuncia um indevido julgamento de mérito do fato: se as críticas sobre a falta de provas são desproporcionais, então as provas são suficientes, é o que diz Moro, de outro modo.

Segundo, temos um comando judicial claro, mas impossível no processo penal sem violar o princípio do contraditório, além do princípio de imparcialidade do Magistrado (artigos 1º e 8º do Código de Ética da Magistratura). O comando siga firme de Moro, significa, em qualquer interpretação possível, no mínimo isto: vá em frente, que eu garanto! Basta o uso do imperativo com o adjetivo, na formulação fonética siga firme, para ser declarada a suspeição do Juiz Moro, anulado o processo penal e determinada a imediata libertação de Lula!

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Supervisão e orientação da acusação
Sob o pano de fundo das reações neuróticas da força tarefa com a soltura do Diretor da Odebrecht, Dallagnol discute o assunto com Moro, no chat privado do Telegram:

Dallagnol: Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?”
Moro: Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia. E adverte, logo em seguida: Teriam que ser fatos graves.

Segundo The Intercept, Dallagnol comunicou ao grupo a conversa com Russo(apelido de Moro), que rediscutiu estratégias de ação para o evento, mas Alexandrino não foi preso, indicando a influência de Moro na Operação Lava Jato. Está claro que Dallagnol, anunciando nova denúncia, com pedido de prisão sob novos fundamentos, queria induzir novo decreto de prisão de Moro, mas a resposta deste abortou a iniciativa. Sem dúvida, o MP pedir e o Juiz indeferir é absolutamente normal, o que não é normal é o Juiz sugerir ao MP que reflita se a promoção processual é uma boa ideia, ou pior ainda, antecipar critério de decisão, dizendo que teriam que ser fatos graves.

Quiproquós entre aliados

Algum tempo depois, Moro questionou duramente Dallagnol pelo Telegram:
Olha, está um pouco difícil de entender certas coisas. Por que o MPF recorreu das condenações dos colaboradores Augusto, Barusco e Mario Goes, na ação penal 5012331-04? O efeito prático é impedir a execução da pena.
Se para um Juiz é difícil entender recursos do MPF, porque impediriam a execução da pena, para o cidadão comum é mais difícil entender o desagrado do Juiz com o exercício do duplo grau de jurisdição, e para os especialistas é mais difícil ainda compreender a preocupação do Juiz com a execução da pena, cuja competência jurisdicional se esgotou na publicação da sentença. Na sequência, depois de chamar de obscuro o recurso do MPF, o Juiz Moro sentenciou:
Na minha opinião estão provocando confusão. E o efeito prático será jogar para as calendas a existência da execução das penas dos colaboradores
A manifesta contrariedade do magistrado é explicável somente pela lesão de um pacto prévio não declarado sobre atitudes processuais recíprocas, entre o Juiz Moro e Dallagnol. 

A ideia de um pacto-conluio entre Moro/Dallagnol no processo contra Lula fica cada vez mais clara, como mostra a intervenção do Juiz Moro no planejamento da Operação Lava Jato:
Moro: Olá, diante dos últimos desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da[s] duas planejadas. 
The Intercept informa que Dallagnol não vê problemas logísticos na sugestão e, no dia seguinte, começa a 23ª fase da Operação Lava Jato (Operação Acarajé). Agora, o Juiz Moro aparece como autêntico estrategista da guerra jurídica contra Lula, conduzida por Dallagnol, responsável pela promoção penal, mas de fato planejada por Moro, responsável pela sentença penal. Como se vê, a confusão de papeis subverte o sistema acusatório, fundado na separação das funções de acusar e de julgar, único método capaz de preservar relativa neutralidade judicial, mas jogado na cesta do lixo no processo contra Lula. Não é difícil de ver: se o Juiz age em comum com a parte acusadora, então é um Juiz parcial, mandando pro ralo o princípio da imparcialidade do Magistrado (artigos 1º, 8º e 9º do Código de Ética da Magistratura).

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O discurso é revelador porque é encobridor

O discurso é tudo, e tudo está no discurso, como se verifica mais uma vez no discurso do Juiz Moro, dirigido a Dallagnol:
O que acha dessas notas malucas do diretório nacional do PT? Deveríamos rebater oficialmente? Ou pela Ajufe? 
O Juiz Moro quer apenas saber se deveríamos (i) rebater oficialmente, ou (ii) rebater pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais) – em outras palavras, o discurso quer saber se nós, acusador e julgador, irmanados na causa comum, rebatemos deste ou daquele modo as notas malucas do PT, o partido do Lula, teu acusado e meu réu, neste processo penal.

A reclamação de Moro sobre ritmo de operações

Alguns meses mais tarde, o Juiz Moro revela nova contrariedade, questionando o ritmo de prisões e apreensões do MPF, porque a última fase tinha terminado um mês atrás, e pergunta:
Não é muito tempo sem operações?
Dallagnol sabe que o Juiz Moro só pode julgar, jamais opinar sobre estratégias ou táticas da acusação, em investigações criminais ou processos judiciais, mas concorda com a sugestão, respondendo: É, sim!  Entre advogados criminais, é comum o adágio: quando o Juiz é acusador, nem Deus absolve! Três semanas depois, começa nova fase da Lava Jato.

Novo episódio da causa comum

A história da causa comum de Acusador e Julgador do caso Lula é antiga, mas o diálogo entre Moro e Dallagnol de 07 de dezembro de 2015 é surreal:

Moro: Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodada por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-PresidenteAparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou repassando. A fonte é séria.
Dallagnol: Obrigado!! Faremos contato.
Para frustração geral e por razões ignoradas, a fonte indicada teria se recusado a falar, mas o coordenador da Lava Jato não titubeou: optou por um procedimento coativo, fundado numa farsa processual:
Dallagnol: Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com base em notícia apócrifa.
Moro: Melhor formalizar então.

A farsa processual estava na notícia apócrifa – uma notícia dada pelo Juiz da causa, mas cuja identidade não podia ser revelada, por razões de ofício, por força do sistema acusatório, pelo princípio do contraditório, pelo princípio da imparcialidade e, finalmente, pelo princípio da transparência, violado pela não documentação de um ato judicial, de fato, não documentável. Mas o Juiz Moro, o sujeito identificado como autor da farsa de uma notícia apócrifa, em vez de censurar o procedimento irregular, assumiu a farsa, também sem titubear, dizendo ao autor da ideia: melhor formalizar, então.

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Psicoses obsessivas e surtos megalomaníacos

A manifestação de rua contra Dilma, do dia 13 de março de 2016, é o estopim que desencadeia um diálogo delirante entre Dallagnol e Moro, normal em surtos megalomaníacos de pacientes psicóticos de um hospital psiquiátrico, mas inacreditável em funcionários públicos dotados do poder estatal de acusar e de julgar cidadãos, como indica este diálogo de fazer inveja a qualquer portador de transtorno psíquico dos manicômios judiciários brasileiros:

Dallagnol: E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […].
Moro: Fiz uma manifestação oficial. Parabéns a todos nós. Alguns minutos depois, continua: Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso não está no horizonte. E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos.

Se um Procurador da República, líder da força tarefa que promove a Operação Lava Jato, parabeniza um Magistrado pelo imenso apoio público – como um político em busca de votos -, e ousa dizer, sem pestanejar, que os sinais desse Magistrado conduzirão multidões para as reformas de que o Brasil precisa, tanto no sistema político quanto no de justiça criminal, como um Napoleão ou um Bolívar iluminista, ou como um Getúlio ou um Perón reformista, então deve existir alguma coisa de errada nos concursos para o Ministério Público Federal, que parecem selecionar alguns candidatos muito peculiares ou, pelo menos, bem distantes dos parâmetros de normalidade psíquica necessária ao exercício das relevantes funções públicas que assumem.

Contudo, quando o Magistrado assim homenageado diz ter feito, simplesmente, uma manifestação oficial, e estende os parabéns a todos nós, poderíamos ter a impressão de retornar ao mundo da vida, pensando que ainda existem Juízes no Brasil – como se disse, outrora, de Berlim – capazes de corrigir os excessos de acusadores emotivos. Ledo engano! O Magistrado homenageado nos leva de volta ao manicômio, onde assume a atitude de um portador de transtorno mental qualquer, cuja mania de grandeza aparece na desconfortável desconfiança – ainda resistida e não bem admitida – de uma imaginária capacidade institucional (dele e de Dallagnol) de limpar o congresso. É isso mesmo: capacidade de limpar o Congresso! É verdade que parece piada, mas não é piada! É um juízo sério – ou, pelo menos, na medida em que um juízo desses pode ser um juízo sério! Se Moro ainda desconfia muito da capacidade de limpar o congresso, é porque ainda acredita muito nessa capacidade! Então, confortamo-nos dizendo para nós mesmos: nós não estamos naqueles todos nós, a quem o Magistrado estendeu os parabéns.

Mas isso não é tudo, pois a psicose parece mais grave, precisamente na alternativa: o melhor seria o congresso se autolimpar, conclui Moro.  Logo, não precisamos mais limpar o congresso – até porque ainda desconfiamos muito de nossa capacidade, diz o Magistrado. Mas segue-se a constatação frustrante de que isso não está no horizonte – logo, talvez precisemos limpar o congresso, nós mesmos. Essa é a lógica obsessiva de uma atitude megalomaníaca, ou de mania de grandeza que parece constante no comportamento examinado. Enfim, a conclusão sintomática da própria megalomania: E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos.

Primeiro, a obsessão punitivista: não se trata de processar e julgar, mas de processar e condenar; depois, o delírio paranoico: estamos cercados de tantos e tão poderosos criminosos; por último, a dúvida sobre a força suficiente do STF para a tarefa – logo, nós mesmos temos que limpar o congresso, apesar de desconfiarmos muito de nossa capacidade, o que significa, também, que ainda confiamos nela… 

Autoria e participação em crime comum

A estratégia de divulgação de áudios para impedir a posse de Lula como Ministro da Casa Civil do Governo Dilma nos liberta das loucuras psicóticas obsessivas descritas, mas nos lança no descontrolado ativismo político de Moro, na autodefesa de projetos pessoais de poder político, como revelam diálogos sobre a estratégia estudada:

Dallagnol: A decisão de abrir está mantida, mesmo com a nomeação, confirma?
Moro: Qual é a posição do MPF?
Dallagnol: Abrir

Em seguida, a decisão comum sobre o ato processual criminoso de abrir (o sigilo dos áudios gravados) aparece na fala de Dallagnol:

Dallagnol: A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Analisar coisas com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo que tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que estavam sendo tentados de todo jeito …”
Moro: Não me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está ruim.

A decisão comum de um ato judicial ilegal, um crime que deveria se realizar por autoria direta, assume a forma de autoria coletiva, porque o partícipe por instigação emprega o verbo da ação na forma do plural: não entendo que tivéssemos outra opção, diz Dallagnol. As lesões dos princípios da imparcialidade e da independência judicial são evidentes, mas Moro e Dallagnol foram além, porque cometeram crime de levantamento do sigilo de áudios de interceptação telefônica. É certo que Moro diz não ter se arrependido do levantamento do sigilo, mas uma semana depois pediu desculpas ao STF – uma hipótese anômala de extinção da punibilidade, até agora válida para o Juiz Moro.


Juarez Cirino dos Santos é professor de Direito Penal da UFPR, presidente do Instituto de Criminologia e Política Criminal – ICPC e advogado criminal


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