"O que fazer então? Como podemos velar pela verdade, recuperar a possibilidade de objetividade, sabendo embora que sempre existe uma subjetividade em qualquer atividade humana – até mesmo a científica, que se pretende absolutamente isenta?"
Do GGN:
Mídia, verdade, pós-verdade, por Dora Incontri
Começo o assunto de hoje, fazendo uma retrospectiva pessoal, para engatar no tema sobre o qual quero tecer algumas reflexões. Quando me formei em jornalismo, na Cásper Líbero, nos anos 80, já durante a faculdade, tinha sido contagiada pela paixão pela educação e, com 21 anos, já lançado meu primeiro livro sobre o assunto. Mesmo assim tentei durante alguns anos atuar no jornalismo, mas não encontrava um espaço na grande mídia, em que pudesse me encaixar sem trair meus compromissos éticos e minha vontade de militância (jamais partidária) de transformação social e de denúncia das injustiças. Costumo citar que um dos orgulhos que tenho no meu currículo é ter recusado duas vezes trabalhar na Veja, que já naquele momento era um veículo parcial e pouco fiel às fontes, praticando muita manipulação.
Pois bem, passados 35 anos de minha formação, tempo durante os quais eu pretendi contribuir com um projeto de um Brasil mais justo, numa intensa militância na educação e cheguei ao projeto da Universidade Livre Pampédia (ainda em construção e em ação, apesar das imensas lutas para fazer algo alternativo, livre, plural, sem fins lucrativos num país em crise generalizada), encontro-me aqui escrevendo uma coluna num projeto de jornalismo também livre e plural.
E apesar de continuar achando que a educação é o que pode nos levar a mudanças profundas da sociedade, pela emancipação que ela pode proporcionar às mentes e aos corações – se não for usada como estratégia de massificação e manobra como é feito em momentos históricos de totalitarismo, – volto a pensar na importância do jornalismo. E hoje, num cenário de complexidade que chega a nos tirar o fôlego.
É o cenário em que está claro que a grande mídia só tem compromisso com ela mesma – como corporação, como aliada de poderes econômicos e políticos e quase nunca um compromisso com a verdade. E num tempo em que surge a mídia alternativa, independente, como uma esperança de verdade e objetividade e ao mesmo tempo, uma coisa nunca vista antes na história, em que todos os internautas viraram de alguma forma “jornalistas” em potencial, pois podem postar fotos, vídeos em tempo real e discutir ideias livremente.
Mas no meio disso tudo – este é um momento histórico em que fatos estão desacreditados, como queria Nietzsche, um dos grandes desconstrutores da objetividade “não há fatos, apenas interpretações” e estamos num oceano de informações, desinformações e manipulações, de fake news, em nível mundial, destruindo reputações, elegendo governos fascistas e nos deixando com um gosto amargo de perplexidade e impotência.
O que fazer então? Como podemos velar pela verdade, recuperar a possibilidade de objetividade, sabendo embora que sempre existe uma subjetividade em qualquer atividade humana – até mesmo a científica, que se pretende absolutamente isenta? Penso que o que determina a objetividade são valores éticos: honestidade, integridade, intenção reta. E o que faz com que nossa subjetividade não deturpe, antes corrobore a verdade, são outros tantos princípios morais: como senso de justiça, empatia com os que estão em vulnerabilidade e mais desfavorecidos, respeito ao próximo…
Como recuperar tais valores éticos em nossa sociedade é uma outra questão que nos sufoca, se entre aqueles que se dizem adeptos de um mestre como Jesus, muitos não os adotam nem de longe.
Como espírita, e analisando alguns órgãos de divulgação espírita e suas redes sociais, vejo uma atitude lamentável, que é a de uma suposta isenção. À parte os espíritas progressistas – felizmente, um movimento crescente – que se posicionam claramente a respeito de questões sensíveis na sociedade, ou pelo menos se propõem ao debate, os órgãos mais tradicionais querem parecer divorciados de qualquer posição política e superiores a qualquer tema polêmico. Mas isso, como sempre, é apenas um disfarce. Por exemplo, não pronunciar uma palavra contra o armamento da população ou contra aqueles 80 tiros que mataram o músico Evaldo dos Santos Rosa, ou ainda contra a matança promovida pelo governador do Rio, significa um consentimento tácito. Nem que fosse apenas para se solidarizar com as famílias ou para fazer um discurso sobre pacifismo, aliás uma obrigatoriedade para qualquer um que se diz cristão… Essa suposta isenção nada mais é do que estar ao lado de quem matou e não ao lado das vítimas. É o que caracteriza essa direita conservadora. Tudo o que pode redundar numa crítica ou numa contestação dos poderes estabelecidos é silenciado, mesmo que haja injustiça, violência e morte.
Continuemos pois na luta, aqueles que têm uma visão dos labirintos em que estamos metidos, para cruzar jornalismo e educação: sendo didáticos, claros, defendendo os que não têm voz, pautando nosso discurso pela busca de objetividade, com integridade e humanismo e, diria, até paciência, para explicar mil vezes o que muitos ainda não entenderam da realidade. Aqueles que puderem, se empenhem nisso.
E aos navegadores, que simplesmente reproduzem notícias, memes, vídeos, fotos e textos, como papagaios na internet, procurem ler tudo, verificar as fontes, consultar várias referências e não passar nada adiante que não tenha grande dose de certeza de que seja pelo menos verossímil.
Esse próprio artigo contém reflexões que já foram feitas mil vezes. Chomski, só para citar um grande pensador e, como eu, anarquista, tem análises lúcidas a respeito do papel da mídia. Mas não custa nada repetir e repetir, para ressoar e alcançar mais pessoas.
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