Com apoio declinante na sociedade e com a crescente rejeição internacional, o governo Bolsonaro tende a se embrenhar cada vez mais nas condutas que configuram governos de arbítrio e autoritários.
A defesa da democracia exige coragem
por Aldo Fornazieri
GGN. - É forçoso reconhecer que, até agora, o desgaste do governo Bolsonaro se deve muito mais aos seus desatinos do que a uma atuação consistente das oposições. Com efeito, Bolsonaro mostra-se absolutamente despreparado para o cargo que exerce e não passa dia que não promova algum mal-estar. Seu governo volta-se para a destruição dos débeis pilares de uma democracia incompleta e parcial. Os poucos avanços e consolidações que ocorreram em algumas áreas – a exemplo da educação, da saúde, da habitação, da agricultura familiar, dos direitos, do meio ambiente, entre outras – vêm sendo atacados e demolidos de forma impiedosa e cruel. Bolsonaro e alguns de seus ministros, a exemplo de Ricardo Salles, são vistos como pessoas deploráveis e indesejáveis em setores crescentes das sociedades e dos governos de outros países. A incultura, a insciência e o caráter néscio deste governo causam indignação, repulsa e vergonha.
Os conflitos internos ao próprio governo, a falta de programa de governo e de políticas públicas mostram que o Brasil está à deriva, caminha para o caos, para a inviabilidade econômica, política e moral. As inconsequências desta loucura ideológica, desta aventura de pessoas dotadas de mentes atormentadas, recaem sobre o povo pobre, provocando sofrimento, desemprego, desassistência e dor. As ofensas que o mentor ideológico do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, profere contra o vice-presidente e alguns ministros militares, com o uso de palavras de baixo calão, evidenciam o lodo político, intelectual e moral do qual os bolsonaristas alimentam suas ideias e suas ações.
Esta destruição do país, esta devastação da dignidade nacional, sofre uma pálida oposição dos partidos progressistas e de esquerda. Sem base no Congresso Nacional, com apoio declinante na sociedade e com a crescente rejeição internacional, o governo Bolsonaro tende a se embrenhar cada vez mais na aventura destrutiva e nas atitudes e condutas que configuram governos de arbítrio e autoritários.
As oposições não podem agir nessa conjuntura como se o país vivesse tempos de “normalidade”. Sintomas de que as oposições não entenderam a mudança radical que o Brasil sofreu com a vitória de Bolsonaro já surgiram na conduta dos partidos progressistas logo após as eleições: demoraram para se posicionar e, quanto o fizeram, apresentaram análises pífias e autocondescendentes acerca das derrotas sofridas. Outro sintoma da incompreensão do momento está no fato que o PT só convocou seu Congresso para novembro de 2019 – um ano após a ascensão da extrema-direita ao poder. O PSol, ao que se sabe, nem Congresso partidário convocou. Os congressos partidários são fundamentais nos momentos de drásticas mudanças conjunturais, chamando a militância e os movimentos sociais ao debate e à mobilização e para definir novos rumos programáticos, diretivos e estratégicos em face dessas mudanças. Esta demora toda mostra a indolência com que as oposições tratam o desastre no qual o Brasil está mergulhado.
Os partidos de esquerda não foram capazes de organizar uma frente democrática contra a destruição do Brasil e os desatinos do governo Bolsonaro. O PT permanece enredado na sua incapacidade de promover uma mobilização popular por “Lula Livre”, de estabelecer um amplo diálogo com a sociedade visando reduzir o antipetismo e de apresentar propostas programáticas que sinalizem que o partido se afirma como alternativa à destruição do país e à incompetência da direita. Com isso, abre as portas para o fortalecimento de alternativas ao centro e à direita, a exemplo de João Dória.
Se, por um lado, o PSol está certo em se afirmar como polo de oposição radical a Bolsonaro, com uma política de enfrentamento permanente, por outro, parece não conseguir sair de um certo isolamento, não estabelecendo um diálogo mais amplo com diferentes setores sociais. Pode crescer como partido de oposição parlamentar, mas enfrentará dificuldades em se viabilizar como alternativa de poder.
Quanto a Ciro Gomes, ele parece irredutível em caminhar pela senda da sua autoimolação política, no seu descontrole, na construção de sua inconfiabilidade pelos tormentos de sua inconstância. Assim, afasta o próprio PDT de uma política mais unitária com as demais oposições progressistas. Com esses impasses todos, o PSol tende a crescer no âmbito parlamentar, o PSB tende a se fortalecer na conquista de novas prefeituras, mas a oposição como um todo continuará apática em face da destruição promovida por Bolsonaro, à espera de que o Centrão ou Mourão resolvam o problema.
O PT e o PSol não podem fazer oposição apenas a partir da ética das convicções, pois isto inflama os devotos, não apresenta saídas para os dramas da população, não dialoga com a sociedade e não contribui para construir uma alternativa à extrema-direita e à direita. É preciso agir também com a ética da responsabilidade. Tome-se o caso da Reforma da Previdência. É certo que é preciso fazer um duro combate à proposta do governo. Mas, o modelo atual de Previdência é justo? Ele não agrega privilégios aos militares e aos juízes e membros do Ministério Público, principalmente a aqueles que recebem salários acima do teto constitucional, que não são poucos? Então, os partidos progressistas têm o dever de apresentar propostas que removam esses privilégios, caso contrário, serão coniventes com as injustiças que aumentam as desigualdades. Ser coniventes com injustiças que provocam desigualdades não é ser de esquerda.
O PT, em sua resolução sobre a Previdência afirma que “qualquer equilíbrio a ser buscado no Sistema de Seguridade e seus beneficiários deve enfrentar as isenções fiscais de R$ 300 bilhões anuais, a sonegação de R$ 500 bilhões/ano, a dívida dos patrões com o INSS que representa mais de R$ 300 bilhões e os privilégios representados pelas distorções existentes nas remunerações, nos altos salários e super pensões que persistem em algumas carreiras públicas”. Isto está correto. Mas o partido deveria explicar a razão de não ter feito esse ajuste de contas em seus governos. Deveria explicar a razão de ter regado os pesados cofres de empresários, que depois patrocinaram o golpe, com generosos subsídios. Além disso, o partido deveria apresentar propostas concretas para enfrentar esses problemas, promovendo uma disputa real de alternativas contra o governo Bolsonaro e outros setores de direita. Da forma como a questão da reforma da Previdência está posta no Congresso, o Centrão ficará com os louros de barrar mudanças na aposentadoria rural e no BPC.
Dado o caráter excepcional da conjuntura brasileira, da destruição deliberada que o governo Bolsonaro vem promovendo de vários mecanismos do Estado, da economia e dos direitos sociais; dada a violência que Boslonaro, associado a Moro, Witzel e Dória vem promovendo, não é possível que as oposições progressistas continuem se comportando como se o país estivesse num período de pacata normalidade. A sociedade, sem direção e sem comando, clama pelo surgimento de líderes e partidos corajosos, que saibam conduzir o povo para uma saída desta crise.
A prudência recomenda que, nesta conjuntura, os líderes e os partidos não se acomodem na cautela. Pelo contrário: a prudência recomenda coragem e ousadia. As oposições e seus líderes não têm o direito de deixar que as pessoas se refugiem na impotência de suas angústias. Contra as desmedidas, a irracionalidade e os desatinos de um governo destrutivo, a prudência exige que as oposições ajam com ousada desmedida para barrar essa destruição e indicar um caminho de esperança para o povo brasileiro.
Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
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