O anúncio do fim de investimentos em ciências sociais revela que o bolsonarismo pretende transformar as universidades em escolas técnicas, formadoras de mão de obra barata para empresas exportadoras de commodities minerais e do agronegócio.
O objetivo é voltar ao padrão econômico da era colonial.
O anúncio de Bolsonaro sobre os planos de reduzir ou eliminar os investimentos nas faculdades de ciências humanos, além do espanto que provoca, também indica que há um método por trás dos bastidores, orientando as ações do governo.
Para a maioria da plateia é mais uma decisão desastrada, formulada por um governo de ignorantes. Porém, a decisão tem sentido, quando o quebra-cabeças é montado.
Uma peça central no tabuleiro foi a visita de Bolsonaro, acompanhado de Sérgio Moro – o ex-juiz, que, por suas reiteradas demonstrações de analfabetismo cultural, levanta sérias dúvidas sobre a lisura ou a qualidade dos concursos para a magistratura no Brasil – à sede da CIA, nos Estados Unidos.
Foi uma atitude inédita, pois nenhum outro chefe de estado, no cumprimento de suas funções, fez uma visita à agência estadunidense, responsável exatamente responsável por espionar outros países.
A visita, somada às cenas mais vergonhosas de subserviência, puxa-saquismo e degradação, que se tem notícia em uma viagem oficial de uma delegação governamental a Washington, revela sem sombra de dúvida que o governo bolsonarista fez a opção de colocar o Brasil como um estado subalterno aos Estados Unidos.
Todos os outros exemplos que ocorreram fartamente, como:
*as continências prestadas por Bolsonaro à bandeira dos EUA ou a John Bolton, um funcionário de segundo escalão;
*o apoio ao muro da vergonha;
*as ameaças de participar da guerra estadunidense contra a Venezuela;
*a entrega de Alcântara;
*a venda da Embraer;
*a paralisação de projetos militares de ponta, substituídos pela compra de material obsoleto dos EUA;
*o descaso com a rápida extinção da indústria brasileira;
*o alinhamento indecente da diplomacia do Itamarati ao departamento de estado.
E vários outros fatos comprovam que há um método orientando o governo bolsonarista.
O que os formuladores dessas políticas pretendem pode ser compreendido nas teses do estudioso da geopolítica estadunidense de origem polonesa, Zbigniew Brzezinski.
O polaco-estadunidense foi assessor de Jimmy Carter no período imediatamente após a Guerra do Vietnam, quando o país sofreu a sua maior humilhação na história.
A partir da derrota, Brzezinski e outros estudiosos da geopolítica sugeriram que os Estados Unidos deveriam adotar várias estratégias novas, para manter e expandir a sua hegemonia mundial.
Entre elas, o cinturão sanitário, para conter a União Soviética, no sul da Ásia – o que levou à intervenção secreta da CIA no Afeganistão, financiando, recrutando, organizando, treinando e armando os grupos islâmicos que combateram o governo pró-Moscou; o conceito de bloqueios econômicos, inaugurado contra o Irã, e o descarte da prática tradicional de invasão e ocupação de países, como havia ocorrido no Vietnam e resultou em desastre.
As ideias do polonês incluem outras ideias, mas o que interessa agora é a mudança no conceito de submissão ou neutralização de países recalcitrantes ao alinhamento automático com as diretrizes de Washington.
A partir da tese de que invadir militarmente deveria ser evitado, porque é muito oneroso em termos de vidas de jovens estadunidenses e dinheiro, Brzezinski e outros estrategistas sugeriram duas vertentes principais que poderiam ser utilizadas em cada caso particular, em algumas situações combinadas.
A primeira é atuar para desorganizar os países insubordinados às diretrizes dos EUA.
A desorganização é feita com bloqueios econômicos, articulação de oposição interna e ataques militares limitados para afetar a economia desses países.
Podem ser incluídos nesse caso o Iraque, o Irã e a Iugoslávia – que após a queda da União Soviética avançava para ser um dos países mais poderosos da Europa e do mundo.
Esses exemplos e outros são países desorganizados, que não possuem limitada energia para contestar o poderio estadunidense. E, em alguns casos não podem resistir à exploração dos seus recursos naturais pelas empresas do difuso “ocidente” (é o caso do Iraque, Líbia e Síria, onde a construção de um oleoduto ligando os poços de petróleo iraniano ao Mar Mediterrâneo foi inviabilizada).
Em outros locais, basta a cooptação da elite endinheirada, para dobrar determinados países. É o padrão utilizado na América Latina e, também, na Europa.
Aparentemente apoiando os interesses de setores das classes altas e dirigentes de alguns países, o governo estadunidense, suas agências de inteligência e espionagem, ONGs ligadas a bilionários conservadores e os braços do sistema financeiro mundial (na verdade, do difuso “ocidente”) atuam para impor, na verdade, a geoestratégia do governo estadunidense.
O país é a potência hegemônica mundial e como todo império quer preservar o seu status planetário.
Isso é natural, qualquer potência na história demonstrou o mesmo propósito de manter ou expandir seu peso no tabuleiro geopolítico.
A União Europeia tem imenso potencial graças ao seu estágio civilizatório, o nível científico de seus países, o padrão educacional de sua população, a força da sua indústria, além de outras vantagens para avançar e ameaçar a hegemonia dos Estados Unidos.
Então, não será estranha a descoberta em algum ponto no futuro que os movimentos que buscam a dissolução da comunidade têm dedos externos.
O melhor exemplo a ser estudado é o Brexit, que nenhuma vantagem traz para o Reino Unido.
Na América Latina, há um terreno fértil, para ações de desestabilização, devido à tibieza da elite.
Os casos trágicos da Argentina, Equador e Peru são reveladores.
No Chile, foi descoberto que instituições internacionais, como o Banco Mundial, operaram, falsificando dados sobre a economia do país, para facilitar a vitória de Piñera, o candidato da extrema direita.
No Brasil, Fernando Henrique Cardoso, o presidente intelectual, se tornou conhecido nos meios acadêmicos por uma teoria, para justificar a subordinação do país aos Estados Unidos: a Teoria da Dependência.
A teoria defende que os países em desenvolvimento devem se alinhar a potências hegemônicas e assumir um papel econômico e social dentro da ordem estabelecida pelo país líder.
No caso, o Brasil deveria se concentrar na exportação de commodities minerais e do agronegócio, abrindo mão da industrialização – ou seja, retornando a uma situação semicolonial.
O bolsonarismo leva esta proposição de absoluta subserviência geopolítica aos EUA à sua máxima potência.
Mesmo concordando com esses princípios e operando para a sua viabilização, FHC manteve o lustro da democracia e da civilização, mantendo o Brasil relativamente organizado.
Bolsonaro manda às favas as aparências. Atua para manter o país desorganizado e em estado de tensão permanente.
Paulatinamente, o bolsonarismo vai destruindo uma a uma das conquistas civilizatórias do país.
Suas falas e atitudes revelam muito mais do que ignorância ou loucura: um método de destruição programado, conforme ele combinou em Washington.
O objetivo é demolir o país, para assegurar sua dependência e incapacidade de avançar.
Nesse projeto de demolição, não há espaço para coisas como desenvolvimento, industrialização, inovação, ciência.
Um país dependente não precisa disso. Basta formar a mão de obra barata, para trabalhar sem direitos básicos nas empresas, que irão saquear as riquezas naturais do Brasil e exportar comida envenenada para africanos e asiáticos.
Compreendendo o objetivo, é possível perceber o motivo pelo qual bolsonarismo quer extinguir o estudo de ciências humanas: simplesmente porque eles não querem que o Brasil seja um país.
Aliás, Bolsonaro havia anunciado com muita clareza o seu propósito nos Estados Unidos: eu não vim para construir nada, estou aqui para destruir e há muita coisa para ser destruída do Brasil”.
Evilázio Gonzaga é jornalista, publicitário e desenvolvedor de marketing digital.
No Viomundo
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