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sexta-feira, 8 de março de 2019

Mea culpa, mea maxima culpa



  "Ex-bispo auxiliar da arquidiocese de são sebastião do Rio de Janeiro, dom Hélder Câmara, por entender a independência da igreja em que estava inserido, não se calou diante das injustiças. Consequência? Houve."


Dom Hélder Câmara
Mea culpa, mea maxima culpa
por Diogo de Andrade
São Joaquim, Guanabara e Cidade. Em comum o fato de serem palácios importantes na história da cidade e do estado do Rio de Janeiro. Ah, se essas paredes falassem…
O primeiro, situado no bairro da Glória, tem um passado glorioso. Os mais garbosos bailes do país, que contavam com a presença de suas majestades Dom Pedro II e Dona Teresa, além do Marquês de Abrantes, do Visconde de Meriti, então dono do palácio, e da alta sociedade carioca daquele tempo, ocorriam no espaço onde hoje vivem os bispos católicos da igreja carioca.
O Palácio são Joaquim foi doado à igreja para servir de moradia ao primeiro cardeal do Rio de Janeiro, o cardeal Arcoverde.
Já o Palácio da Cidade, que foi a embaixada do Reino Unido no Brasil entre 1950 e 1970, em 74 foi vendido à cidade do Rio de Janeiro e, desde 75, é sua sede.
O Palácio Guanabara, por sua vez, foi residência da princesa Isabel, posteriormente abrigou o presidente Getúlio Vargas e foi doado ao estado do Rio quando a capital passou para Brasília
Prédios são símbolos. No caso dos três palácios, de poder político e religioso.
Assim como os três poderes da república, o religioso e o político precisam ser independentes. Diferentemente, porém, não precisam ser harmônicos quando o que está em jogo é o bem da população.
Ex-bispo auxiliar da arquidiocese de são sebastião do Rio de Janeiro, dom Hélder Câmara, por entender a independência da igreja em que estava inserido, não se calou diante das injustiças. Consequência? Houve. Em 1964, por pressão e intervenção dos militares que golpearam o Estado brasileiro, dom Hélder foi transferido da arquidiocese da capital do Brasil. Dom Hélder, fundador da CNBB, optou por denunciar a verdade em vez de ter uma relação harmônica com o poder político usurpador. E claro… Diante disso, restava aos militares o discurso que voltou à moda quando se pretende desqualificar alguém:
“comunista”, “socialista”, “esquerdista”.
“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista” – Dom Hélder Câmara
O que observamos, hoje, na relação entre arquidioceses e o Estado Brasileiro é algo fora dos padrões do evangelho de Jesus Cristo. Prova disso é o acordo tríplice-palaciano por silêncio ou, no máximo, por amenização a críticas, fazendo-as de modo genérico. Evidência disso é que nunca se ouviram críticas explícitas do cardeal a ações dos governos estadual e municipal em casos agudos de crise. Cito 5 exemplos.
1 – Demolição do Museu do Índio para construção de estacionamento em vistas da copa do mundo. Cabral mandou, e a PM “desceu o cacetete” nos moradores da Aldeia Maracanã. Não houve nem uma notinha da Igreja, que tem como essência a opção preferencial pelos pobres.
Cf. https://m.folha.uol.com.br/…/1250643-batalhao-de-choque-da-…
A aldeia continua sob ataque, dessa vez retórico.
“Aldeia Maracanã é lixo urbano. Quem gosta de índio, vá para a Bolívia”
Rodrigo Amorim, deputado estadual eleito pelo PSL em entrevista a O Globo em 04/01/19
2 – Greve dos professores da rede municipal do Rio de Janeiro, em 2013. Diante de uma violência polícial totalmente desproporcional, em que professoras com mais de 50 anos de idade apanharam de Pms e na qual educadores foram alvejados por balas de borracha e bombas de gás, nada de denúncia contra a violência praticada pelo estado.
Cf. https://educacao.uol.com.br/…/rj-pm-afasta-policial-que-jog…
3 – Operações em favelas. A política do enfrentamento praticada pelo governo do estado costuma apreender alguma quantidade de drogas, algumas armas e prender alguns traficantes. No entanto, deixa um rastro de mortes inocentes de moradores e policiais em serviço. Em que momento o cardeal rompeu o silêncio e exclamou o óbvio: parem com operações dessa natureza! Parem de matar inocentes! Parem de enviar jovens soldados da PM para a morte! (Ou, se acredita na política de enfrentamento, quando o cardeal foi justo: Cabral, manda um caveirão para as portas de boates na zona sul, entre atirando e prenda os traficantes de drogas sintéticas. Ou quando o cardeal solicitou operações contra o tráfico de drogas que ocorre dentro da PUC?)
Cf.https://g1.globo.com/…/numero-de-mortes-por-intervencao-pol…
4 – De acordo com O Globo, a obra do Maracanã para a copa de 2014 custou aos cofres públicos 1,346 bilhão de reais. Levantamentos em dados oficiais mostram que a contrução de uma escola custa em torno de 6 milhões de reais e de um hospital 25 milhões. Seria possível construir cerca de 220 escolas públicas e, assim, evitar que agora, em 2019, houvesse mais de 20 mil alunos que ou não conseguiram vagas para o primeiro ano do Ensino Médio, ou estão tendo, com 15, 16 anos de idade, estudar à noite e longe de casa em uma das cidades mais violentas do país. Os gastos com um Maracanã também também equivalem à construção 50 hospitais públicos…
Cf. https://m.oglobo.globo.com/…/governardo-pezao-denunciado-pe…
5 – Crivella e o caso “Chama a Márcia”. Após um apoio explícito de parte efusiva de padres nas eleições para a prefeitura do Rio de Janeiro, quando, no segundo turno, o duelo foi entre Crivella x Freixo, houve o escândalo no Palácio da Cidade em que a máquina pública foi colocada à disposição de pastores evangélicos. Mais uma vez o cardeal arcebispo, que fingiu não ver padres fazendo campanhas nas missas para Crivella, não foi efetivo na denúncia contra a apropriação da máquina pública pela IURD.
Diante da flagrante má administração dos recursos públicos e da corrupção latente comandada por Cabral e Pezão e das denúncias contra Eduardo Paes, e Crivella, fica a dúvida:
POR QUE um dos cardeais mais influentes do Brasil, comandando uma das arquidioceses mais importantes do Brasil que configura o segundo maior colégio eleitoral do Brasil nunca teve a atitude profética que se espera de um sucessor dos apóstolos de se colocar frontalmente contra as ações de Cabral, Pezão, Paes e, mais recentemente, Crivella?
O cristianismo não deve assumir-se como detentor do poder político, mas tem o dever de lutar para que os que se encontram em cargos executivos, legislativos e judiciários ajam em defesa do bem comum. Quando isso não é feito de modo profético e efetivo, tem-se a omissão.
Sugiro ao cardeal orar com mais fervor:

Confiteor Deo omnipotens et vobis, fratres, quia peccavi omissione: mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa.


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