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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Levantem-se, mães brasileiras de soldados, contra uma eventual guerra à Venezuela. Por José Carlos de Assis, com introdução de Leonardo Boff

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I - Introdução de Leonardo Boff

Jose Carlos de Assis  é economista, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB é um dos nossos melhores analistas das políticas econômicas de nosso país. Faz duras críticas ao tipo de capitalismo selvagem no Brasil (nunca foi educado e civilizado) e sua voracidade de acumulação à custa da marginalização da maioria do povo brasileiro. Aqui nos faz um relato da atual situação de um eventual conflito contra a Venezuela, país disputado pelos USA, China e Rússia devido a suas riquezas em petróleo, gás, ouro e outros materiais estratégicos.  A guerra que Trump pretende mover contra Maduro visa menos instaurar uma democracia e mais se apoderar do petróleo (uma das maiores reservas mundiais) e controlar economicamente o país no interesse das empresas norte-americanas. Pretende envolver os países vizinhos com o a Colômbia e inclusive o Brasil. Nossos militares se opõem pois tal conflito nada tem a ver com nosso país. Trata-se de manifestação vergonhosa de vassalagem que o atual governo brasileiro presta à potência norte-americana, à qual se alinha sem qualquer reserva. O alerta de Carlos José de Assis é importante, pois não queremos que nossas mães chorem a morte de seus filhos enviados à guerra contra um país com o qual sempre temos vivido em paz. Seria triste haver aqui em nosso Continente uma espécie de Síria onde se confrontariam três grandes potências (EEUU,Rússia e China)  por causa de interesses que não são nossos. É no sentido de alerta feito pelo autor que publicamos aqui seu texto de 22 de Fevereiro de 2019.  Leonardo Boff

II - Texto de José Carlos de Assis

O Brasil não vai declarar guerra à Venezuela. Se atacar por acidente vai perder. É que não há justificativa moral ou mesmo militar para um ataque a nosso vizinho que nunca nos fez mal. As Forças Armadas da Venezuela estão embaladas por um sentimento nacionalista que tem poucos paralelos numa América Latina que, com raras exceções, presta total vassalagem a Washington. Que dizer de nossas Forças Armadas? Seriam tão nacionalistas ao ponto de atirar seus soldados quase imberbes numa guerra de interesse exclusivo americano?
Os Estados Unidos perderam vergonhosamente a guerra do Vietnã. Do outro lado estava um exército nacionalista disposto a se matar em defesa da pátria. Seus próprios soldados, sem motivação e sem apoio da opinião pública, descontavam sua frustração na maconha e nas deserções. Como conseqüência, o Pentágono mudou as regras do recrutamento. Acabou com alistamento obrigatório e agora paga soldados para matar ou morrer. Assim mesmo as mães dos que foram mortos não tem direito a um funeral público.
Gostaria de saber como, na hipótese de um conflito armado com a Venezuela, nossas Forças Armadas conduzidas por um ministro das Relações Exteriores bufão vão tratar os soldados mortos. Vão escondê-los? Ou vão deixar que as mães os chorem diante da televisão? E os próprios soldados, que motivação terão para lutar? Para defender a democracia na Venezuela? E se descobrirem que a democracia que está realmente em risco é a nossa? E os oficiais, sobretudo aqueles que não estão sob doutrinação cerrada norte-americana?
Lembro-me do que me contava George Cabral, um romântico jornalista comunista que havia se exilado na antiga Checoslováquia nos anos 60, a propósito de uma campanha de mães contra a participação brasileira na guerra da Coréia. Os americanos pressionavam fortemente para isso. Numa grande manifestação de rua, elas gritavam compassadamente: “Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coréia!”. Não foram. Naquele tempo, em plena Guerra Fria, havia estadistas no Catete. Agora somos a ralé da diplomacia mundial e só temos bufões no Planalto.
Exclusivamente por culpa norte-americana em sua obsessão de provar hegemonia econômica e militar no mundo, está sendo reconstituído de forma absolutamente imoral o mapa da guerra fria. Lembro-me que, logo após a desestruturação da União Soviética, falava-se em todo mundo nos dividendos da paz. Havia uma esperança geral nesse sentido. Os americanos liquidaram com essas esperanças na medida em que lançaram a OTANC na conquista dos antigos países da esfera soviética para encurralar militarmente a Rússia.
Em poucos anos foram incorporados à OTAN nove países do Leste europeu violando acordos feitos com Gorbachev e Yeltsin. Tentaram também absorver a Geórgia e, com um golpe de Estado financiado pelo Departamento de Estado através de ONGs, a própria Ucrânia, nas costas da Rússia. Nessa altura, a Rússia, uma potência nuclear de primeira linha, havia recuperado também sua capacidade industrial militar convencional. Impediu o cerco ocidental à Geórgia, garantiu os russófilos da Ucrânia e incorporou por plebiscito a Criméia.
Os americanos vociferaram e impuseram boicotes à Rússia mas a situação geopolítica estava configurada: os EUA não mais mandavam no mundo inteiro. Assim mesmo, sob a belicista Hillary Clinton no Departamento de Estado, mataram Kadafi, dividiram a Síria e liquidaram a Líbia – hoje entregue a milícias do petróleo. Agora, aproveitando-se de uma debilidade do governo venezuelano que eles próprios ajudaram a promover com seus boicotes, pretendem trazer a guerra geopolítica do petróleo paras as fronteiras brasileiras.
É surpreendente que a parte mais sensata do atual governo, os militares, não está se dando conta da tragédia que se arma sobre o nosso povo, sem nenhuma razão, fabricada exclusivamente por amadores grotescos que um acidente eleitoral levou ao Planalto. Se não fosse trágico seria simplesmente surrealista. É verdade que ouvi do general Mourão, o vice-presidente, a observação de que o Brasil não entraria em guerra que não fosse para vencer. Se isso representa o pensamento médio dos militares no governo, já é o momento de eles tranqüilizarem a nação de forma mais incisiva.


Levantem-se, pois, mães brasileiras dos soldados que se tornarão bucha de canhão num eventual conflito. Gritem nas ruas, gritem nas igrejas, gritem nas escolas e nas universidades, gritem compassadamente: “Os soldados, nossos filhos, não irão para Caracas!”

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