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quinta-feira, 3 de maio de 2018

Do Viomundo: sete meses depois dos desmandos do Estado de Exceção que levou o Reitor Carlos Cancellier à morte, Élio Gaspari descobre que o conluio da mídia com a PF e a Justiça pode matar


Do Viomundo, reproduzindo texto de Élio Gaspari publicado na Folha de São Paulo:

Gaspari descobre que o conluio da mídia com a PF e a Justiça pode matar. Antes tarde do que nunca

02 de maio de 2018 às 10h48


Pipo Quint/Agecom/UFSC
O reitor Luiz Carlos Cancellier não precisa morrer de novo
PF, Justiça e imprensa meteram-se num equívoco, o melhor seria que assumissem o erro
Hoje completam-se sete meses da manhã em que Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, matou-se.
Os repórteres Mônica Weinberg, Luisa Bustamante e Fernando Molica tiveram acesso ao relatório de 800 páginas da Polícia Federal com o resultado da investigação que o levou à prisão em setembro do ano passado.
Eles informam: “É uma leitura perturbadora pelo excesso de insinuações e escassez de provas”.
Cancellier foi algemado pelas mãos e pelos pés e vestiram-no com uniforme de presidiário.
Dias depois ele foi libertado, proibido de pôr os pés na UFSC, e só voltou a ela morto, para o velório.
A chamada Operação Ouvidos Moucos começou com um erro retumbante.
A Polícia Federal anunciou espetaculosamente que investigava o desvio de R$ 80 milhões de verbas destinadas ao ensino à distância. Errado.
Esse era o valor das verbas, não do eventual desvio. Tudo bem, mas qual era o valor da maracutaia?
O relatório da investigação não diz. Talvez tenha chegado a R$ 500 mil, mas isso é conversa de corredor.
Não havendo sequer suspeita de que Cancellier tenha desviado dinheiro, sustentou-se que ele tentou obstruir uma investigação interna avocando-a para seu gabinete.
O reitor fez isso em ato de ofício. Se ele tivesse dito que era preciso “estancar a sangria” (Romero Jucá), vá lá.
Aqui e ali pipocam breves notícias de que Cancellier fez isso ou aquilo.
Recentemente soube-se que o filho de Cancellier estava indiciado por ter recebido R$ 7.102 de um professor da UFSC.
Para uma operação que começou falando em R$ 80 milhões, era pesca de lambaris.
Em seu relatório a PF documentou a transferência desse valor para a conta do filho de Cancellier, que também leciona na UFSC. Um professor depositou dinheiro de sua conta para outro cidadão, e daí?
Diz o relatório da PF: “Comenta-se que os recursos transferidos (…) foram oriundos do projeto coordenado por Luiz Carlos Cancellier”.
Comenta-se também que Elvis está vivo, mas não é para isso que existe uma Polícia Federal.
A operação Ouvidos Moucos pode ter nascido de uma mobilização exagerada da Polícia Federal, amparada pela Justiça.
Algo semelhante aconteceu em alguns aspectos da “Carne Fraca”. O suicídio de Cancellier deu-lhe uma dimensão trágica.
A imprensa acompanhou as exposições espetaculares e acreditou no erro do desvio de R$ 80 milhões.
É possível que a própria Polícia Federal e a juíza que mandou prender o reitor acreditassem que havia uma organização criminosa e milionária na UFSC.
Isso não elimina o fato de que o desvio porventura ocorrido não tinha essa dimensão.
A investigação durou sete meses e outros sete se passaram até o relatório agora revelado pelos repórteres.
O aparato do Estado na defesa da lei e da ordem às vezes comete erros ou mesmo exageros.
É o jogo jogado, mas a intransigência transforma os equívocos em desastres. A promiscuidade da imprensa americana com o FBI durante o século passado até hoje custa-lhe arrependimentos.
Por cá, em 1974, 44 repórteres, radialistas e fotógrafos que cobriam a Secretaria de Segurança de São Paulo escolheram os melhores policiais do ano.
O delegado Sérgio Fleury tirou o quarto lugar.
PS do Viomundo: Os “repórteres investigativos” — ao menos a maioria deles — bebem na mão de suas fontes feito cãezinhos de estimação. Sem desconfiar, nem checar. Publicam os relatórios da polícia e do MP como se fossem tábuas divinas esculpidas em pedra. Dá nisso.




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