EM MARÇO DE 2013, Dilma ostentava 65% de aprovação popular nas pesquisas, maior que Lula e FHC no mesmo período de governo. Segundo o Datafolha, os brasileiros estavam otimistas com a situação econômica pessoal e acreditavam no poder de compra dos salários. Apenas três meses depois, logo após as Jornadas de Junho, a popularidade da presidenta despencou, uma queda de 27 pontos. Foi a maior redução de aprovação de um presidente entre uma pesquisa e outra desde que Collor confiscou as poupanças.
Enganou-se quem achou que as manifestações de junho teriam um efeito renovador nas eleições. No ano seguinte, o Brasil elegeu o congresso mais conservador desde 1964. Em 2016, este mesmo congresso derruba a presidenta reeleita através de um golpe parlamentar. PMDB e PSDB assumem o poder, dão um cavalo de pau ideológico e formam um governo reacionário como há tempos não víamos.
Em 2017, estamos diante de um quadro sombrio: um entusiasta da tortura no regime militar tem 21% de intenções de voto a um ano da eleição presidencial; o STF decide que professores das escolas públicas podem promover uma crença específica em sala de aula; o projeto Escola Sem Partido passa a ser aprovado em algumas cidades; um deputado quer mudar a Constituição para voltar a criminalizar o aborto; museus viraram alvo da fúria moralista; e o General Mourão se sente confortável para cogitar publicamente um golpe militar. Esse fatos pinçados indicam que o conservadorismo está na moda no país, mas há muitos outros. A onda reacionária já virou tsunami e parece que ainda não atingiu o seu auge.
Ostentando crucifixo preso na parede do plenário, o STF, instituição máxima do Poder Jurídico de um Estado laico, decidiu por 6 votos a 5 que professores do ensino público poderão ensinar suas próprias religiões em sala de aula. A decisão se deu a partir de uma ação da PGR, que propunha que o ensino religioso deveria tratar “das doutrinas, práticas, histórias e dimensão social das diferentes religiões” — nada mais coerente e óbvio para um país que prevê a laicidade do Estado na sua Constituição.
Não nos enganemos, apenas as religiões cristãs serão ensinadas em sala de aula.
A lei já previa a obrigatoriedade do ensino religioso, mas não determinava se as aulas poderiam ser ligadas a alguma religião específica. Como havia essa brecha na lei, a ação da PGR pretendia proibir o ensino confessional por violar o princípio do Estado laico. A maioria dos juízes discordou que exista essa violação, já que a presença nas aulas de religião é facultativa. O fato de ser opcional não muda o fato de que contribuintes de várias religiões, inclusive os ateus, irão pagar para a promoção de religiões das quais não fazem parte.
Trata-se, obviamente, de uma violação da laicidade estatal. Agora, padres e pastores estão autorizados pelo STF a catequizar na rede pública de ensino, inclusive aqueles que literalmente demonizam as religiões afro-brasileiras. Não nos enganemos, apenas as religiões cristãs serão ensinadas em sala de aula.
Enquanto o STF abre espaço para que um assunto da esfera privada seja ensinado nas escolas, o projeto Escola Sem Partido proíbe que professores exponham suas visões políticas aos alunos. Partidos de direita, a bancada evangélica e o MBL são os principais agitadores da ideia e estão obtendo sucesso. No auge dos seus delírios anticomunistas, pretendem combater uma suposta “doutrinação ideológica marxista” em sala de aula. São 62 projetos de lei que estão em tramitação em câmaras municipais do país e em pelo menos quatro cidades já foram aprovados. Não importa se o MPF já declarou por diversas vezes que o projeto é inconstitucional, nem se o ministro Barroso do STF tenha suspendido a lei em Alagoas justamente por sua inconstitucionalidade. Quem dá bola para a Constituição nesses tempos de hoje?
O padre poderá ensinar tranquilamente que a humanidade surgiu com Adão e Eva, enquanto o professor de História terá que tomar muito cuidado para falar sobre a Revolução Russa ou Cubana. Como o professor deverá chamar a intervenção militar de 1964? Golpe ou Revolução? Dilma caiu por um impeachment legítimo ou por um golpe parlamentar? Quem decidirá os termos que o professor usará em sala de aula? Quem será o censor que julgará se há ou não doutrinação ideológica? Não é à toa que o projeto é chamado de Lei da Mordaça.
Os reacionários estão mais fortes do que nunca. Após a declaração golpista do General Mourão, uma pesquisa do Instituto Paraná identificou que 43,1% dos brasileiros apoiam um golpe militar. Apesar do instituto não ser dos mais confiáveis, o quadro não me parece tão distante da realidade quando o maior entusiasta da ditadura militar aparece entre os líderes nas pesquisas de intenções de voto. Ou quando o Datafolha revela que as Forças Armadas são a instituição em que os brasileiros mais confiam. O mais estarrecedor da pesquisa é que jovens entre 16 e 24 anos são os mais favoráveis à proposta — parece que a tal “doutrinação marxista” imposta pelo professores não está dando tão certo, não é mesmo? Em dezembro do ano passado, o instituto fez a mesma pesquisa e concluiu que 35% dos brasileiros eram apoiadores da intervenção. Ou seja, o golpe militar ganhou oito pontos de apoio em apenas nove meses. Se esse viés de crescimento continuar, podemos chegar às vésperas das próximas eleições com a maioria dos brasileiros aprovando a tomada do poder pelos militares.
E é nesse ambiente propício que Jair Bolsonaro aparece com 21% de intenções de voto, com viés de alta. Em um mês, cresceu 7 pontos. É uma porcentagem altíssima, perde por pouco apenas para Lula, que provavelmente não concorrerá. Como bem lembrou Tomás Chiaverini para The Intercept Brasil, há uma certa negação coletiva sobre a possibilidade de Bolsonaro se tornar nosso próximo presidente. Argumentam que ele não tem estrutura partidária por trás, terá pouco tempo de TV na propaganda eleitoral e é um falastrão sem estofo político e intelectual que se enrolará nos debates. Bom, eu acredito que esses fatores podem ser bastante favoráveis para ele, em tempos de insatisfação geral e negação da política. As candidaturas de Trump e Doria percorreram caminhos bastante parecidos. Já passou da hora de a gente acender o sinal vermelho. O tsunami reacionário não está para brincadeiras.
Fonte: The Intercept Brasil
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