Miriam Leitão, sexta-feira, e Ricardo Noblat, hoje, lembram-me uma expressão – comum nos meus tempos de guri: a de “fazer cara de Madalena Arrependida”, quando se fazia algo errado e desastroso e fingia-se não ter nada com aquilo.
Até os títulos se parecem: Miriam escreve “Quanto (Temer) custa” e Noblat “O preço de manter Temer”.
Têm razão, sim: o país está pagando caro por este desastre político, econômico e civilizatório representado pela ascensão, há quase um ano e meio, de uma figura que todos, depois da sordidez da traição conspiratória e da evidente aliança com Eduardo Cunha, sabem ser indigna sequer de respeito pessoal.
Noblat diz que Temer, aquele a quem achava “um senhor elegante”, entre outras coisas com a portaria do trabalho escravo (daqui a pouco falaremos sobre esta outra “esperteza”), “parou o relógio da História. Atrasou os ponteiros. Ganhou mais alguns votinhos para permanecer impune”.
Miriam, envenenada por sua hipocrisia, ataca o Governo impiedosamente, mas sempre se referindo à “chapa Dilma-Temer” como se, coitada, não soubesse que as políticas do usurpador são a negação completa de quase tudo o que o que significava o governo petista. E, quando não é traição “original”, é o aprofundamento brutal do que já tinha sido cedido por conta das pressões do “mercado”, do qual a jornalista sempre foi um dos porta-vozes.
Os dois, amplificados pelo poder que lhes dão as Organizações Globo, são dos principais artífices da demolição de um governo que, com todos os defeitos que pudesse ter, não empurrava o país para um século atrás.
Aos dois, certamente, não se pode negar o direito humano de mudar seus pensamentos, dede que nisso haja a sinceridade de reconhecer os erros e, neste caso, o atentado irresponsável à ordem democrática.
Porque é impossível travar uma discussão honesta sobre qualquer problema quando se parte do cinismo como suporte.
O jornalista Bob Fernandes, na semana passada, pontuou isso de forma claríssima (veja o vídeo ao final) antes mesmo de Leitão e Noblat publicarem seus artigos:
Espantoso é jornalista não ter entendido antes quais forças pilotavam o impeachment. Quem, o que e como tomaria o Poder.Espantoso é quem é do ramo não saber das consequências. Ou pior: fazer de conta não saber a que rumos e gambiarras a gambiarra “pedalada fiscal” nos arrastaria.
Quem abre a Caixa de Pandora do golpismo, quem rompe o lacre da ordem institucional não pode reclamar dos demônios que surgem.
A exorcização deles, agora – e não será simples – depende da restauração do rito democrático, que está severamente ameaçado, só não vê quem não quer.
Claramente, de um lado, a ser mutilado por um poder extrapolítico, fortemente autoritário e classista (judicial, prima facie, ou militaresco), com a interdição de quem lidera com folga todas as pesquisas de intenção de voto.
E, depois da absolvição de Michel Temer, esta semana, da putrefação da própria ideia de que se deve ter eleições ou só resta mesmo a “solução” autoritária.
Noblat devia levar mais a sério a frase de Sócrates que usa como epígrafe de sua coluna, hoje: “As pessoas precisam de três coisas: prudência no ânimo, silêncio na língua e vergonha na cara.”
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