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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Professor Luiz Gonzaga Belluzzo, em entrevista para o Jornal da Unicamp: "Vivemos uma situação ditatorial no Brasil"


O economista Luis Gonzaga Belluzzo, professor aposentado da Unicamp, não tem dúvida de que o Brasil vive atualmente uma situação ditatorial. Segundo ele, um exemplo do autoritarismo exercido pelo governo Temer, que ele classifica como “ilegítimo”, é o fato de as medidas presidenciais irem contra as aspirações da maioria da população, como a recente reforma trabalhista. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Belluzzo fala das “consequências desastrosas” da gestão do peemedebista e critica a postura das classes dominantes brasileiras que promoveram o impeachment da presidente Dilma Rousseff, processo que denominou de “revolta dos enriquecidos e dos candidatos a enriquecidos”. Belluzzo participou na última terça-feira (1º) do seminário “Para além da Política Econômica – Crescimento, desaceleração e crise no experimento desenvolvimentista”, promovido pelo Instituto de Economia (IE) da Universidade.

Fotos: Antoninho Perri
O economista Luis Gonzaga Belluzzo: “O Brasil tem ricos, em geral incultos e acostumados a dizer barbaridades sobre tudo. Essa gente foi responsável pelo impeachment”
Jornal da Unicamp – Professor, quão prejudiciais têm sido para o Brasil – e a economia brasileira em particular – as inúmeras idas e vindas da “novela Temer”?
Luis Gonzaga Belluzzo – Esta situação em que foi enfiada a economia brasileira teve origem em um inconformismo das classes dirigentes e dominantes do Brasil com o que seria mais um mandato comprometido com um certo projeto de sociedade, com um projeto de avanço social. Aí se manifestou o caráter mais que conservador, o caráter reacionário da sociedade brasileira. Um segmento que tolerou, mas nunca absorveu a eleição de um metalúrgico, um homem das classes populares como presidente do país. Para mim, aí está a origem da situação atual.
Isso precisa ser explicado com certo distanciamento. Quando terminou a eleição de 2014, com a vitória da presidente Dilma, o mercado que exprime esse sentimento do qual estamos tratando, o mercado financeiro principalmente, começou a alardear um desastre econômico que não existia. Os dados mostram que isso era uma mentira. A economia vinha de uma desaceleração forte nos anos 2012 a 2014, mas ainda estava com crescimento positivo. Durante todo o período, exceto 2014, houve superávit primário. Em 2014, houve déficit de 0,6, que se comprado ao desempenho dos demais países, seria considerado um sucesso numa fase de desaceleração econômica.
JU – Nada disso foi levado em conta no processo de impeachment?
Beluzzo – Aí entra no jogo um fator importante que é o peso desses grupos na sociedade, que no fundo exigia um ajuste, alegando que a situação fiscal era desastrosa, o que, vou repetir, era mentira. Isso ficou expresso na escolha de Joaquim Levy como ministro da Fazenda. Ele executou o que estava no projeto desses grupos. A expressão desses interesses está na macroeconomia que foi difundida não somente pelos economistas, mas também pela mídia.
Todo mundo comprou a ideia de que era preciso fazer um ajustamento. As medidas adotadas, porém, provocaram um grande desajustamento. Qual foi a sequência? Um choque de tarifas, coordenado com o aumento da taxa de juros. Com o choque de tarifas, o aumento da taxa de juros e o corte de investimentos públicos, a queda no desempenho da economia atingiu 3,5% em 2015 e mais de 3% em 2016. Então, o impeachment da presidente sofreu influência desse contexto. O impeachment foi decidido a partir de alegações muito levianas e insubstanciais.
JU – O senhor defendeu a presidente Dilma durante o julgamento no Senado …
Beluzzo – Sim, eu fui lá defender a presidente. Ainda que eu tivesse dito que discordava da maneira como ela fez as coisas, eu fui dizer que as medidas não eram motivo para o seu impedimento. Foi uma leviandade o que fizeram. Isso tem a ver com a forma como o poder real no Brasil – como parte da sociedade civil e a mídia – resolveu abraçar o impeachment porque considerava intolerável ter mais quatro anos de um governo popular. Isso foi o que a gente poderia chamar de revolta dos enriquecidos e dos candidatos a enriquecidos. Eu não vou falar em elite porque o Brasil não tem elite. O Brasil tem ricos, em geral incultos e acostumados a dizer barbaridades sobre tudo. Essa gente foi responsável pelo impeachment.
No fundo, isso não teve nada a ver com política econômica e combate à corrupção. Essa é a essência da constituição deste governo, que é ilegítimo. E cuja ilegitimidade está produzindo efeitos deploráveis.
JU – A democracia não é suficiente para regular esses conflitos de interesses?
Beluzzo – A democracia e o estado de direito não são exatamente os valores que essa gente que foi às ruas de camisa amarela prega. Tanto que eles vão à rua para pedir também intervenção militar. Eles não têm nada a ver com a democracia. Eles se colocam fora desse projeto democrático. Não foi fácil redemocratizar o Brasil. A democracia é o regime dos fracos. É através dela que os fracos podem se exprimir. Em geral, essa parte da sociedade tende a reproduzir episódios de autoritarismo.
Nós estamos vivendo uma situação ditatorial. As pesquisas de opinião demonstram o que a população pensa, e eles fazem justamente o oposto. O Brasil repete mais um episódio de rebelião dos que têm poder real contra a possibilidade de avanço das camadas populares. É simples assim.
JU – A recém-aprovada reforma trabalhista seria um desses efeitos deploráveis que o senhor citou?
Beluzzo – Sem dúvida. É ridículo o governo fazer a afirmação de que essa reforma gerará emprego. No mundo inteiro as reformas trabalhistas redundaram em precarização do trabalho e perda de qualidade de vida dos assalariados. Isso aconteceu na Espanha, Itália e Portugal, sendo que Portugal melhorou um pouco recentemente. No fundo, as reformas trabalhistas são realizadas com o argumento de se ganhar competitividade. Só que o ganho de competitividade não se realiza e você acaba precarizando o emprego. Isso enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores. Para se colocar o negociado sobre o legislado seria preciso ter uma estrutura sindical diferente, fortalecida.
JU – E quanto à reforma da Previdência?
Beluzzo – Nós temos questões no sistema previdenciário brasileiro, como as diferenças gritantes entre o regime próprio, que é dos funcionários públicos, e o regime geral. Há uma distância muito grande entre eles, e isso é um fator que aprofunda as desigualdades. Outra questão é que nós estamos avançando na direção de uma transformação tecnológica e econômica que promoverá a redução da demanda de trabalho. Isso nos obrigará a criar um sistema previdenciário não para os mais velhos, mas para os que estarão empregados, mas não terão renda suficiente para comprar os produtos que a indústria gerará. Então, nós teremos além de um problema econômico, também um problema social. Nós vamos ter que criar um programa de renda básica de cidadania, como defendia o ex-senador Eduardo Suplicy. O debate sobre esse tema está ocorrendo no mundo inteiro. Nós, porém, estamos fazendo uma coisa muito atrasada.
JU – Não é um futuro alentador, não é?
Beluzzo – Eu estava conversando ontem com meu filho, dizendo que estava preocupado com o futuro dele e do meu neto. Não quero parecer pessimista, mas disse que ele terá que lutar para manter as condições de vida decente para um cidadão brasileiro. O governo já está dizendo que se não conseguir aprovar a reforma da Previdência, terá que cortar recursos da educação. Isso é de uma insensatez e de um desconhecimento total de como funciona o orçamento numa sociedade democrática. O orçamento é um âmbito em que você decide quem paga e quem recebe.
Aqui, quem paga para si mesmo são os mais pobres. São eles que dão a maior receita fiscal através dos impostos indiretos. Os ricos pagam pouco. Mas alguém discute isso? Não há interesse. O que me mais me preocupa é esse arranjo social e a manifestação de poder dessas camadas que não têm identidade com a população mais pobre. O rentismo, aqui, se dá numa relação de predação. A ordem é tirar tudo o que puder e, de preferência, transferir para um paraíso fiscal ou ir para Miami. Isso é inequívoco, é o ponto central.
JU – Em 2018 nós teremos eleições gerais, exceto no plano municipal. É possível ter esperança de mudanças a partir desse pleito?
Beluzzo – É uma esperança. Esperança, por exemplo, de recuperação sobre a economia. Isso vai exigir que tenhamos candidaturas que sejam capazes de fazer isso. Acho que temos. Não se vai eliminar o conflito, mas a eleição dará legitimidade para o governo tomar as decisões que precisam ser tomadas. Hoje, o governo não tem legitimidade e adota medidas que são contra as aspirações da maioria da população. Nesse sentido, a eleição é uma esperança. Nesse quadro, fica muito mais difícil fazer com que o mercado financeiro e seus asseclas imponham uma política econômica ao governo.
Aliás, é preciso ter claro que é um movimento de parcela da sociedade, mas que se expressa através de duas instituições: mercado financeiro e mídia. Enquanto não tiver democratização da mídia, fica difícil. Não se trata de propor a estatização da Rede Globo. É preciso criar pontos divergentes. Nenhum país do mundo pode ter democracia com uma concentração midiática deste tamanho.

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