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domingo, 7 de maio de 2017

Revogue-se a Lei da Abolição, por Frei Betto


Projeto de deputado federal pró-Casa Grande prevê jornada diária de 12 horas e, ainda, remuneração de "qualquer espécie"

Projeto de deputado federal prevê jornada diária de 12 horas e, ainda, remuneração de "qualquer espécie"

Revogue-se a Lei da Abolição
Por Frei Betto -  Extraído do Jornal GGN

Não satisfeito com a reforma trabalhista que retira direitos dos trabalhadores e favorece interesses dos patrões, o deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), líder da bancada ruralista, encaminhou projeto que reintroduz no Brasil a neoescravatura.
A proposta é de estarrecer: os trabalhadores rurais não seriam pagos apenas com salários, mas também mediante “remuneração de qualquer espécie”, como oferta de moradia e alimentação.
Esse descaso com os direitos humanos é um retrocesso civilizatório. Se aprovado o projeto, fazendeiros que só têm olhos para suas contas bancárias dirão ao empregado: “Vou lhe fornecer casa e comida. E este será o pagamento pelo seu trabalho, uma vez que vai morar e comer de graça.”
O projeto prevê ainda que a jornada diária poderá se estender por 12 horas! Anula-se assim o 1º de Maio, data na qual os trabalhadores comemoram a conquista das 8 horas diárias. E só haverá dia de descanso após 18 dias de trabalho consecutivo. Ou seja, além de o trabalhador jamais desfrutar de aposentadoria, devido à desumana reforma previdenciária em pauta, teria sua morte antecipada por exaustão. Quem nunca pegou no cabo de enxada não tem ideia do que significa lidar com a terra sob sol ou chuva.
O deputado do PSDB, sem nenhum pudor diante da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Constituição Cidadã de 1988, propõe ainda: o que negociarem patrão e empregado valerá mais que a legislação trabalhista; a CLT não mais protegerá o trabalhador rural; autoriza-se trabalho aos domingos e feriados sem necessidade de laudos; empregado que morar no local de trabalho poderá vender integralmente as férias; revogam-se as normas do Ministério do Trabalho sobre saúde e segurança no campo; as regras sobre agrotóxicos não mais serão definidas pelos ministérios do Trabalho e da Saúde etc.
O Brasil acelerou o seu retrocesso com o governo Temer. Fala-se que a Previdência é deficitária e se reduzem os direitos dos trabalhadores de baixa renda, sem no entanto tocar nas gordas aposentadorias de políticos que exerceram dois mandatos, e de membros das Forças Armadas e do Poder Judiciário.
Há muita grita de “fora Temer” e repulsa a parlamentares favoráveis às reformas trabalhistas e previdenciárias. Nenhum deles, porém, entrou no Congresso Nacional pela porta dos fundos. Foram todos eleitos nas urnas.
Ano que vem termina o mandato de todos os deputados e de 27 senadores. Novos deputados e  54 senadores serão eleitos. E em 2018 não será fácil utilizar o caixa dois. Portanto, a questão que se coloca não é apenas em quem cada eleitor votará. É iniciar, desde hoje, campanha em prol de candidatos que sejam comprovadamente éticos e comprometidos com os direitos dos segmentos mais pobres e discriminados de nossa população.
Como canta Geraldo Vandré, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” Tomara que deputados e senadores eleitos em 2018 não possam entoar, ao tomarem posse, o verso de Belchior: “Ainda somos os mesmos!”
Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.

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