O pior do fundamentalismo
Para sustentar Temer, bancada evangélica usa igrejas e rebanhos em meio aos caos
É recomendável ficar atento aos nomes que passam pela cabeça desse terrível grupo, em caso de eleições indiretas.
“SÊ FORTE E corajoso e faze a obra, não temas, porque o Senhor teu Deus, o meu Deus, há de ser contigo”. E todos os presentes dizem amém. A leitura do trecho da Bíblia, em que o rei Davi passa o trono para o seu filho Salomão, é lida para Michel Temer, pelo deputado João Campos (PSDB-GO), em maio de 2016, logo após o seu discurso de posse como presidente. Temer se reuniu para uma oração com pastores e parlamentares, entre eles Silas Malafaia, Pastor Everaldo, Marco Feliciano, Samuel Ferreira e o deputado Sóstenes Cavalcante. Um ano depois, faz-se necessário, em meio ao nebuloso cenário atual, estar atento a como “Deus” – na verdade o “Deus” de João Campos e seus pares, que foi decisivo para tirar Dilma Rousseff – pode “ungir” Temer no governo, e, de novo, ser decisivo para que ele ali permaneça.
Tanto com Câmara, quanto com Malafaia, a intenção de Temer é pedir apoio para a Reforma da Previdência. Seja no púlpito das igrejas, seja na tribuna do parlamento, Temer sabe que a influência dos líderes evangélicos é determinante para fazê-lo ser bem sucedido em seu projeto (o universo evangélico, no total, passa de 50 milhões e, destes, cerca de 38 milhões são eleitores) . Malafaia já havia sido recebido por Temer em abril de 2016, no calor da aprovação do impeachment na Câmara, momento em que desejou “sorte” ao ainda vice-presidente e sabedoria para “tirar o país do fundo do poço”. No mês seguinte, em 12 de maio, esteve no encontro citado no início deste artigo.
A afirmação firme e contundente de Temer de que ele não renunciará parece não estar firmada na sua convicção na própria inocência no caso mas, antes, muito mais na convicção de sustentação de sua base
A afirmação firme e contundente de Temer de que ele não renunciará parece não estar firmada na sua convicção na própria inocência no caso, ou na sua capacidade de convencimento de que é inocente, mesmo diante de todas as evidências das conversas gravadas, mas, antes, muito mais na convicção de sustentação de sua base. E a bancada evangélica e seus pastores são fundamentais para isso, ainda que pouco se dê destaque a ela, uma vez que o projeto de poder da Bancada em pautas tidas como parte de uma “agenda moral” (como aborto, drogas, sexualidade), parecem chamar mais atenção do que a sua capacidade de mover peças no tabuleiro do jogo do poder. Temer já reconheceu publicamente o apoio recebido por Eduardo Cunha e o bispo Manoel Ferreira, como “generais eleitorais” de sua terceira eleição para a presidência da Câmara, em 2009. O que mostra que esta é uma “unção” que vem de longe.
O filho de Manoel Ferreira, Samuel Ferreira, é conhecido pelo seu poder e influência entre a elite política de São Paulo. A Assembleia de Deus Madureira é rito obrigatório para os aspirantes ao poder paulista, e não seria diferente para os aspirantes ao poder no Planalto. A história da igreja, cujo nome é referente ao bairro do Rio de Janeiro, onde surgiu, se confunde com a própria origem das Assembleias de Deus no Brasil, desde a década de 30, e seu poder está, em grande parte, no domínio da “dinastia” dos Ferreira, que controla a denominação há mais de seis décadas. Não por acaso, no mesmo mês da posse de Temer, o Ministério das Relações Exteriores, com o ministro interino José Serra, concedeu passaporte diplomático a Samuel Ferreira, o que gerou polêmica e petições públicas de cassação do pedido. Quando teve o passaporte concedido, Samuel Ferreira já era investigado pela Lava Jato. Pesa sobre ele a acusação de usar a igreja Assembleia de Deus para lavar dinheiro dado a Eduardo Cunha.
É importante perceber que o poder dos “homens da igreja” é tramado e construído por baixo, longe dos holofotes, nas visitas, nos cultos que fazem na Câmara, nas orações de corredores.
No Brasil, a política tem transitado uma trama cada vez mais complexa de cada vez maior capilaridade. Mas é importante perceber que o poder dos “homens da igreja” é tramado e construído por baixo, longe dos holofotes, nas visitas, nos cultos que fazem na Câmara, nas orações de corredores. Não é inapropriado se perguntar sobre que nomes passam pela cabeça deste grupo, em caso de eleições indiretas, e que tipo de mobilização e pressão farão, a partir de seus rebanhos, para impor, ou influenciar, as alternativas possíveis. E, neste caso específico, assusta a costura de relações feita pelo deputado Sóstenes Cavalcante, aproximando Bolsonaro de Malafaia, e relação de Samuel Ferreira com Dória. Não é bom perdê-los de vista. Não é bom ignorar que, embora haja igrejas e evangélicos na linha de frente da resistência a Temer e as reformas do governo, os mais poderosos das mais poderosas igrejas estão ao seu lado, e as mãos deles seguem estendidas, abençoando o governo, amaldiçoando a quem se opõe ao projeto de poder que construíram, e dizendo amém.
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