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segunda-feira, 13 de março de 2017

Uma ética da Mãe Terra, nossa Casa Comum, por Lenardo Boff


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    "O ser humano não se adapta à natureza mas a coage a se adaptar a ele e a seus interesses. O interesse maior que domina já há séculos se concentra na exploração desapiedada dos bens e serviços naturais em vista da acumulação ilimitada. Junto a isso segue a dominação de outros povos, o colonialismo e o imperialismo."

Texto de Leonardo Boff

É um fato cientificamente reconhecido hoje que as mudanças climáticas, cuja expressão maior se dá pelo aquecimento global é, num grau de certeza de 95%, de natureza antropogênica, quer dizer, possui sua gênese num tipo de comportamento humano violento face à natureza.
Este comportamento não está em sintonia com os ciclos e ritmos da natureza. O ser humano não se adapta à natureza mas a coage a se adaptar a ele e a seus interesses. O interesse maior que domina já há séculos se concentra na exploração desapiedada dos bens e serviços naturais em vista da acumulação ilimitada. Junto a isso segue a dominação de outros povos, o colonialismo e o imperialismo.
A forma como a Mãe Terra demonstra a pressão sobre seus limites intransponíveis é pelos eventos extremos (prolongadas estiagens de um lado e enchentes devastadoras de outro, nevascas sem precedentes por uma parte e ondas de calor insuportáveis por outra parte).
Face a tais eventos, a Terra se tornou o claro objeto da preocupação humana. As muitas COPs (Conferência das Partes), organizadas pela ONU acerca do aquecimento global, nunca chegavam a uma convergência. Somente na COP21 de Paris, realizada de 30 de novembro a 13 de dezembro de 2015 se chegou, pela primeira vez, a um consenso mínimo, assumido por todos: evitar que o aquecimento chegue aos 2 graus Celsius. Lamentavelmente essa decisão não é vinculante. Quem quiser pode segui-la mas não existe nenhuma obrigatoriedade nem penas, como o mostrou o Congresso norte-americano que vetou as medidas ecológicas do Presidente Obama. Agora o Presidente Donald Trump as nega rotundamente como algo sem sentido e enganoso. Esse negacionismo da maior potência do mundo é ameaçador para todos e para a Terra.
Está ficando cada vez mais claro que a questão é antes ética do que científica. Vale dizer, a qualidade de nossas relações para com a natureza e para com a Casa Comum não eram e não são adequadas, antes, são destrutivas.
Citando o Papa Francisco em sua inspiradora encíclica Laudato Si: sobre o cuidado da Casa Comum” (2015): “Nunca maltratamos e ferimos a nossa Casa Comum como nos últimos dois séculos… Essas situações provocam os gemidos da irmã Terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo”(n.53).
Precisamos, urgentemente, de uma ética regeneradora da Terra. Esta deve devolver-lhe a vitalidade vulnerada a fim de que possa continuar a nos presentear com tudo o que sempre nos galardoou. Será uma ética do cuidado, do respeito a seus ritmos, da compaixão e da responsabilidade coletiva.
Mas não é suficiente uma ética da Terra. Precisamos fazê-la acompanhar por uma espiritualidade. Ela lança suas raízes na razão cordial e sensível. De lá nos vem a paixão pelo cuidado e um compromisso sério de amor, de responsabilidade e de cuidado para com a Casa Comum. Bem o expressou no final da encíclica do bispo de Roma, Francisco, ao enfatizar “uma paixão pelo cuidado do mundo, uma mística que nos anima com uma moção interior   que impele, motiva e encoraja e dá sentido à ação pessoal e comunitária”(n.216).
O conhecido e sempre apreciado Antoine de Saint-Exupéry, num texto póstumo, escrito em 1943, Carta ao General “X” afirma com grande ênfase: ”Não há senão um problema, somente um: redescobrir que há uma vida do espírito que é ainda mais alta que a vida da inteligência, a única que pode satisfazer o ser humano”(Macondo Libri 2015, p. 31).
Num outro texto, escrito em 1936, quando era correspondente do “Paris Soir”, durante a guerra da Espanha, leva como título “É preciso dar um sentido à vida”. Aí retoma o tema da vida do espírito. Aí afirma:”o ser humano não se realiza senão junto com outros seres humanos, no amor e na amizade; no entanto, os seres humanos não se unem apenas se aproximando uns dos outros, mas se fundindo na mesma divindade. Num mundo feito deserto, temos sede de encontrar companheiros com os quais con-dividimos o pão”(Macondo Libri p.20). No final da “Carta do General “X” conclui: “Como temos necessidade de um Deus”(op.cit. p.36).
Efetivamente, só a vida do espírito confere plenitude ao ser humano. Ela representa um belo sinônimo para espiritualidade, não raro identificada ou confundida com religiosidade. A vida do espírito é mais, é um dado originário de nossa dimensão profunda, um dado antropológico como a inteligência e a vontade, algo que pertence à nossa essência. Ela está na base do nascimento de todas as religiões e caminhos espirituais.
Sabemos cuidar da vida do corpo, hoje uma verdadeira cultura com tantas academias de ginástica. Os psicanalistas de várias tendências nos ajudam a cuidar da vida da psiqué, para levarmos uma vida com relativo equilíbrio, sem neuroses e depressões.
Mas na nossa cultura, praticamente, esquecemos de cultivar a vida do espírito que é nossa dimensão radical, onde se albergam as grandes perguntas, se aninham os sonhos mais ousados e se elaboram as utopias mais generosas. A vida do espírito se alimenta de bens não tangíveis como é o amor, a amizade, a convivência amiga com os outros, a compaixão, o cuidado e a abertura ao infinito. Sem a vida do espírito divagamos por aí, sem um sentido que nos oriente e que torna a vida apetecida e agradecida.
Uma ética da Terra não se sustenta sozinha por muito tempo sem esse supplément d’ame que é a vida do espírito. Ele nos faz sentir parte da Mãe Terra a quem devemos amar e cuidar.
Leeonardo Boff é articulista do JB online e autor de Ética e Espiritualidade: como cuidar da Casa Comum, Vozes 2017.

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