Da manipulação ao ocultamento da informação, o Jornal Nacional (JN) resolveu partir para o escárnio na última semana. Do principal jornal do país, em pleno horário nobre, ouviu-se um silêncio “retumbante” frente às delações dos empresários da Odebrecht na Operação Lava Jato. Além de naturalizar o golpe e agenda neoliberal, o Jornal Nacional vem sendo um potente pombo-correio a serviço dos interesses do mercado.
Segue texto de Tatiana Carlotti, extraído da Carta Maior:
Da manipulação ao ocultamento da informação, o Jornal Nacional (JN) resolveu partir para o escárnio na última semana. Do principal jornal do país, em pleno horário nobre, ouviu-se um silêncio “retumbante” frente às delações dos empresários da Odebrecht na Operação Lava Jato.
A delação de Marcelo Odebrecht, estampada no panfleto Veja, apontava R$ 10 milhões em propina pagos pela construtora ao PMDB, em 2014, a pedido de Michel Temer, o presidente ilegítimo e interino. Na Folha, destaque para as denúncias de um repasse de R$ 34,5 milhões ao caixa dois da campanha de Serra, em 2010.
O timing foi olímpico. As notícias já se misturaram às manchetes sobre os jogos mundiais, de maior apelo entre a população, e desapareceram do noticiário. De qualquer forma, a exposição das delações, por veículos midiáticos nada ilibados, revela as rachaduras entre os golpistas. Em seu xadrez semanal, publicado site GGN, Luis Nassif aponta dois campos de forças do lado de lá:
“O poder mercado, composto pelo mercado propriamente dito, grandes grupos, a mídia e autoridades brasilienses, além do apoio constante dos Estados Unidos”. E “a camarilha dos 6 - Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Viera Lima, Roberto Jucá, Moreira Franco e o finado Eduardo Cunha - que representa a maioria ocasional no parlamento” (Leia a íntegra do artigo aqui).
A delação de Marcelo Odebrecht, estampada no panfleto Veja, apontava R$ 10 milhões em propina pagos pela construtora ao PMDB, em 2014, a pedido de Michel Temer, o presidente ilegítimo e interino. Na Folha, destaque para as denúncias de um repasse de R$ 34,5 milhões ao caixa dois da campanha de Serra, em 2010.
O timing foi olímpico. As notícias já se misturaram às manchetes sobre os jogos mundiais, de maior apelo entre a população, e desapareceram do noticiário. De qualquer forma, a exposição das delações, por veículos midiáticos nada ilibados, revela as rachaduras entre os golpistas. Em seu xadrez semanal, publicado site GGN, Luis Nassif aponta dois campos de forças do lado de lá:
“O poder mercado, composto pelo mercado propriamente dito, grandes grupos, a mídia e autoridades brasilienses, além do apoio constante dos Estados Unidos”. E “a camarilha dos 6 - Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Viera Lima, Roberto Jucá, Moreira Franco e o finado Eduardo Cunha - que representa a maioria ocasional no parlamento” (Leia a íntegra do artigo aqui).
”Descalabro petista
Desde a posse de Temer, em 12 de julho, é notória tentativa de legitimar o impeachment a partir do “descalabro petista”, causador da crise econômica. Esta, por sua vez, é a justificativa para todas as medidas propostas pelo atual governo que ferem, frontalmente, os direitos constitucionais dos brasileiros.
No trabalho minucioso com o pânico em relação ao desemprego e da superficialidade como são apresentadas as questões relativas à economia – aposta-se no desconhecimento geral da população – as reportagens reforçam, noite após noite, o discurso único do neoliberalismo, ocultando outras alternativas para o país.
Em 3 de maio, na mesma edição em que Temer concedia uma entrevista exclusiva ao jornal, outra reportagem incensava a entrega de um programa dos tucanos ao novo governo (JN, 03.05.3016). As condições – destacava o JN – para a colaboração do PSDB eram o combate “irrestrito à corrupção” e a responsabilidade fiscal. Um jogo de cena descarado, como se eles não estivessem envolvidos no golpe.
Dias depois, Henrique Meirelles vinha à público anunciar os objetivos do governo: “mostrar claramente que as medidas que estão sendo propostas e que serão aprovadas muito provavelmente pelo Congresso”, que essas propostas “vão fazer com que a trajetória da dívida pública seja sustentável”, para que os “efeitos sejam mais rápidos”, de maneira que “o risco possa ter reação bem rápida”, que o “investimento e confiança possam voltar com tempo suficiente para que a economia possa reagir rapidamente”. (JN, 05.05.2016)
Registre-se a pressa anunciada no discurso do ministro, acenando a velocidade do ataque e do desmonte em curso no país. Para tal, os golpistas contam com uma cobertura na área econômica repleta de termos econômicos e nada palatáveis à maioria da população. Ao telespectador resta se fiar nos comentários e expressões dos apresentadores do JN.
Um bom exemplo é a cobertura da alta do dólar, no dia 9 de maio, quando o então presidente da Câmara, Waldir Maranhão, apresentou um recurso contra o impeachment da presidenta Dilma. Em meio à enxurrada de reportagens criticando a atuação do parlamentar, o JN destacou:
“Com o anúncio da decisão do presidente interino da Câmara, o dólar subiu quase 5% e a bolsa caiu 3,5%. Depois que o Senado decidiu continuar com o processo de impeachment, a tensão diminuiu. Mas a bolsa terminou o dia queda. E o dólar mais caro, a R$ 3,52” (JN, 09.05.2016).
A “salvação nacional”
O mote da “salvação nacional contra a crise econômica”, bradado por Temer em sua posse, no dia 12 de maio (JN, 12.05.2016), vem sendo trabalhado diariamente. O convencimento de que é preciso reduzir os programas sociais também. Abaixo, a forma como Carlos Aberto Sardenberg explica os gastos públicos do governo e a crise econômica:
“A história começa quando o governo resolve acelerar seus gastos. Gastos no quê? Pessoal, salário, previdência, aposentadoria, programas sociais, obras todo o funcionamento da máquina; enfim, tudo que faz o governo funcionar. Agora, gastar é bom mas quando você tem o dinheiro” (JN,12.05.2016).
Em suma: sem dinheiro não há direitos. O brasileiro passa, então, a ser convidado a participar do combate à crise. Como? Por meio do sacrifício e da fé, muita fé, na equipe econômica do novo governo.
Com uma naturalidade aterradora, Henrique Meirelles apresenta no dia seguinte à posse, as suas propostas para o país. Estamos falando não apenas da retomada da CPMF, sempre criticada quando os proponentes eram os governos petistas, mas de idade mínima de aposentadoria, reforma trabalhista, teto para gastos públicos, revisão das desonerações e dos incentivos para setores da economia.
Espertamente, no final da reportagem, o uso do desemprego para engajar o apoio popular: “Para se criar emprego, é necessário que a economia esteja crescendo”, para tal é preciso “que se estabeleça a confiabilidade das contas públicas e a confiança de que o Estado brasileiro, o governo brasileiro estará solvente no futuro. A partir daí, volta o investimento e a partir daí, em consequência o aumento do emprego”. (JN, 13.05.2016).
Da mesma forma, como necessário ao combate à crise, vem sendo divulgado o teto para o aumento do gasto público, apesar dele incluir mudanças na Constituição afetando, inclusive, repasses nas áreas da Saúde e Educação. Reportagem do JN sobre a questão, construída sobre as aspas de Temer e Meirelles, turbina: “em 10 anos, as despesas públicas aumentaram 70% acima da inflação” (JN,24.05.2016).
O pavor do desemprego
Não é preciso ser especialista para saber que “gasto público” ou “rombo nas contas” são apresentados como um descalabro dos governos petistas e vilões a serem combatidos. No quadro forjado, a via do ajuste fiscal (e das propostas neoliberais) surge como única saída para a retomada do crescimento e da geração de empregos.
Observe a enxurrada de reportagens sobre o desemprego:
Em maio: “Classe média encolheu em 2015, diz pesquisa” (JN, 16.05.2016), apontando a queda do padrão de vida de 1 milhão de famílias brasileiras. “IBGE: Desemprego aumenta em todas as regiões no primeiro trimestre” (JN, 19.05.2016) e “Construção civil sente efeitos da crise e fecha vagas de emprego” (JN, 19.05.2016), com direito à defesa de mudanças nas regras trabalhistas. “Queda no emprego faz aumentar o trabalho por conta própria” (JN, 21.05.2016).
No começo de junho: “Desemprego chega a 11,4 milhões de pessoas no país e é recorde, diz IBGE”. (JN, 31.05.2016). No dia seguinte “Produção da indústria tem cenário similar ao de 13 anos atrás”, apontando que o nível de desemprego voltou dez anos (JN, 01.06.2016).
No final do mês, o tom sobe: “Crise econômica faz disparar número de idosos com nome sujo (JN,28.06.2016)”. “De março a maio, desemprego no país permanece em nível recorde” (JN, 29.06.2016) incensando que, em um ano, mais 3,3 milhões procuraram e não encontraram trabalho” e que “desempregados buscam sobrevivência em abrigos e refeições a R$1”.
No mesmo dia, em “Trabalho por conta própria registra queda, diz IBGE” (JN, 29.06.2016), a comparação impactante: “imagine a população da cidade de São Paulo inteira na fila do desemprego. Pois essa é praticamente a quantidade de gente sem trabalho no país: 11, 4 milhões, segundo o IBGE”.
No geral, essas reportagens exploram dramas individuais e contam o comentário de um especialista favorável à linha editorial do JN - leia-se à flexibilização das leis trabalhistas e mudanças de regras na Previdência, entre outras.
Em 20 de julho com a notícia: “Governo pretende mandar ao Congresso até o fim do ano propostas para leis trabalhistas”, em apenas 1 minuto, o JN apresentou apenas os objetivos do ministro Ronaldo Nogueira (Trabalho):
“Aprimorar a proposta que está no Congresso sobre regulamentação do trabalho terceirizado para combater a informalidade e dar garantias aos trabalhadores; ampliar e tornar permanente o programa de proteção ao emprego, sobre a CLT prestigiar as convenções coletivas permitindo a flexibilização da jornada e dos salários, sem mudar direitos como parcelamentos de férias e 13°” (JN,20.07.2016).
Ironicamente, a mesma reportagem anunciava o reajuste de até 41,5% no salário dos servidores do Judiciário. Tudo sob a plástica de uma falsa objetividade, com um bonito iconográfico e mediante o ocultamento do contraditório às medidas.
Em outros casos, o JN somente dispara índices econômicos como verdadeiros slogans do caos. Em apenas 16 segundos: “o Brasil fechou 91 mil vagas com carteira assinada” e “desde janeiro o país perdeu mais de meio milhão de empregos formais” (JN, 27.07.2016); ou “Desemprego sobe para 11,3% e bate recorde no trimestre de abril a junho”, “são 11,6 milhões desempregados no país”, “em um ano, mais de 3 milhões” (JN, 29.07.2016).
Naturalização do golpe
Quando do anuncio de Ilan Goldfajn na presidência do Banco Central, o JN reforçava a fala de Meirelles sobre o controle de gastos e uso do dinheiro público, criando a contraposição entre eficiência (Temer) e gasto irresponsável (Dilma):
“O governo Dilma reconheceu que esse rombo seria de R$ 96 bilhões. Mas, no Congresso, já se fala em R$ 140 bilhões. Meirelles disse que ainda não decidiu se haverá aumento de impostos”, afirmava a reportagem.
Note como o aumento de impostos é inserido no discurso. Segue a menção ao desemprego com a crítica implícita ao retorno da presidenta: “com a economia em contração como está no momento, e se isso continuasse, o que obviamente não é o caso, o desemprego poderia chegar a 14% ao ano”.
Na sequência, a solução: “Para um controle mais eficiente da inflação, Meirelles disse que o governo vai enviar ao Congresso uma proposta para dar autonomia ao Banco Central na execução da política monetária, mas não garantiu a independência do Banco Central com a fixação de mandatos para os diretores. O ministro da Fazenda voltou a defender a reforma da Previdência. ”
Dois temas cruciais - a independência do Banco Central e a reforma da Previdência – são postos como fato dado, quase óbvios no discurso do jornal. Em outra reportagem, chama-se um especialista para reforçar a tese de que “para conter a inflação, uma das armas do Banco Central é subir a taxa de juros”. Detalhe: “a previsão é que a inflação termine 2016 mais uma vez acima do teto da meta” (JN,17.05.2016).
Rombo
O tema do “rombo” nas contas públicas também foi bastante turbinado: Rombo nas contas públicas para 2016 deve chegar a R$ 200 bilhões (JN, 19.05.2016); Rombo nas contas da União deve ser de R$ 170 bilhões em 2016 (JN, 20.05.2016) – salpicadas pelas medidas anunciadas pelo Governo para recuperar a economia (JN, 21.06.2016).
Apenas às vésperas da votação da meta fiscal, surgem algumas vozes dissonantes: a de Amir Khair destacando a necessidade de que “os R$ 50 bilhões de juros todo mês também tenham limite, coisa que não está na proposta do governo”. E da CUT denunciando que os trabalhadores é que vão pagar as medidas do governo (JN, 24/05/2016).
Aprovado “rombo recorde nas contas públicas”, aparece a crítica do senador Humberto Costa (PT) apontando que o governo superestimou o rombo para aumentar os gastos: “Foi uma grande jogada política e contábil, mas que eu acho que ao longo do tempo vai se desmascarar” (JN, 25.05.2016).
Várias medidas são anunciadas como processos naturais. Em “Moreira Franco que acelerar concessões para atrair investimentos”, cujas prioridades são aeroportos, rodovias e Ferrovia Norte Sul, o teleprompter da Globo destaca apenas a versão do ministro: “só há um caminho: passar para o setor privado serviços que hoje estão em poder do setor público”; “o país projeta para este ano 14 milhões de desempregados, então, nós temos que acelerar o processo” (JN, 17.06.2016).
Em meio a esse caos construído e atribuído ao governo anterior, é possível avaliar o impacto de reportagens como “Perícia conclui que Dilma não participou de pedaladas fiscais”, com o adendo, afinal é a Globo: “decretos suplementares foram resultado de ação direta dela”, conforme afirmam técnicos (JN, 27.06.2016).
De olho no Decorativo
Além de naturalizar o golpe e agenda neoliberal, o JN vem sendo um potente pombo-correio a serviço dos interesses do mercado. São notórios os “puxões de orelha” dados no governo, em horário nobre
Em 1° de julho, um afago na divulgação da pesquisa Ibope. Com boa dose de camaradagem a pesquisa foi intitulada “Governo Temer é aprovado por 13% e reprovado por 39%, diz Ibope”, sendo que a maioria avaliava o governo como regular, ruim ou péssimo; 53% desaprovavam a maneira de governar de Temer; 25% consideravam sua gestão pior do que a da presidenta Dilma e 44% igual. (JN, 01.07.2016).
Uma semana depois, a bronca: “Na contramão do discurso, o governo elevou os gastos: aprovou o reajuste de servidores do Judiciário e do Ministério Público, fez um acordo para aliviar a dívida dos estados, e deu reajuste para benefícios do Bolsa Família acima do proposto por Dilma Rousseff. Tudo somado: R$ 127 bilhões até 2018.” (JN, 07.07.2016, ver de 0,55”a 1”33”)
Dez dias depois, o ilibado Fundo Monetário Internacional (FMI) acenava, alterando a avaliação a respeito da contração da economia brasileira: ao invés dos 3,8% (previstos em abril), a contração seria de 3,3%. O JN incensava:
“A contração da economia em 2016 vai ser menor do que se esperava”, “pela primeira vez em quatro anos estimativas melhoram” e justificava a mudança: “os economistas do FMI dizem que aumentou a confiança dos investidores no mercado brasileiro” (JN, 19.07.2016).
O Governo Meirelles
Em 24 horas, a conta. Ao cobrir a manutenção da taxa de juros a 14,25% pelo Copom, o recado do mercado ao governo no JN:
“Pela manhã, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, chegou a afirmar que o presidente em exercício, Michel Temer, via com bons olhos uma queda nos juros. Investidores se assustaram com o que poderia ser um sinal de interferência política nas decisões do Banco Central. Por isso, antes do anúncio do Copom, Michel Temer declarou numa rede social que o Banco Central tem plena autonomia para definir a taxa de juros - e que o combate à inflação é objetivo central do governo. ” (JN, 20.07.2016).
Obediente, o governo reiterava uma semana depois: “O Copom reafirma a preocupação com o aumento do preço dos alimentos e reforça a necessidade de uma reforma fiscal. Na interpretação de economistas o texto indica que o Banco Central não pretende baixar os juros tão cedo (JN,26.07.2016).
Aos que ainda duvidam sobre o poder do mercado e das elites financeiras no país, a última pérola:
“A gente começa com uma notícia boa para a Petrobras, uma raridade nos últimos anos. A Justiça dos Estados Unidos aceitou um recurso da empresa e suspendeu por tempo indeterminado todas as ações contra ela nos tribunais americanos. Os processos são movidos por acionistas que alegam ter sofrido prejuízos por causa da corrupção revelada na Operação Lava Jato, só uma das ações prevê o ressarcimento de U$S 10 bilhões” (JN, 02.08.2016).
Imagine a rapinagem em jogo para compensar a suspensão dessas ações.
O que está em curso é o pleno obscurantismo que transita, livremente, nos largos vãos deixados pela ausência de uma democracia jamais efetivada no setor da Comunicação.
Isso sim é descalabro.
Confira reportagem anterior: “A mídia quer esconder, mas é você que está pagando o pato”
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