"Dada a carência de audiência, cada vez mais visível, a hora de reverter a nova onda está se deslanchando em desespero nítido e ridículo. A televisão tenta, a todo custo, destruir a nossa inteligência, já que não consegue combater a nossa migração para a rede mundial de computadores."
texto de Francisco Júlio Xavier, jornalista, publicado no Observatório da Imprensa
Estamos vivendo a era do desespero. Gritam por socorro os noticiários, desesperados – essa é a palavra, estão a sombra do desastre — por sucumbirem depois de uma era em que os meios tradicionais de comunicação reinaram no cenário midiático. Pode parecer uma teoria negativista, mas não é; seria positivista — creiamos.
Tem se tornado um constante drama para meios hegemônicos a queda em receita vindo da publicidade, causa maior, devido ao seu enfraquecimento em audiência e alcance de público, que agora não tem apenas o controle remoto, mas a vastidão das redes sociais e da internet como toda.
Algo que podemos constatar é a luta diária travada pelos meios em reverter essa situação de distanciamento do público para a internet. Uns se preparam para esse novo cenário e tentam a convergência, mesmo que tímida. Outros abrem espaço amplo para as pautas oriundas da rede – em massa, das mídias sociais.
Dada a carência de audiência, cada vez mais visível, a hora de reverter a nova onda está se deslanchando em desespero nítido e ridículo. A televisão tenta, a todo custo, destruir a nossa inteligência, já que não consegue combater a nossa migração para a rede mundial de computadores.
Vem sendo postas em prática, diariamente, formas de barrar o nosso distanciamento do meio hegemônico de décadas, a televisão. Querem que coloquemos novamente em destaque na nossa sala, aquele aparelho receptor que escabrosamente consentíamos doses cavalares de manipulação diária em nossas residências.
Barrando a concorrência
Para maior desespero, não foi somente o público que migrou, mas também os anunciantes, para os quais existe a expectativa de investimento em publicidade nos meios eletrônicos, ainda nesta década, de US$ 500 bilhões por ano — como afirma relatório da WFA (World Federation of Advertisers), publicado no Financial Times.
Em reportagem, O Globo deu destaque para as fraudes do Google, pelo qual, em anúncios feitos na grande rede mundial, empresas poderiam perder em média 10% para os fraudadores de visualizações. Com esse enfoque na reportagem, a artimanha tenta desestimular os empresários em anunciar em concorrentes indiretos da TV, o YouTube e similares.
Mas de igual forma, indícios de falcatrua também são apontadas para empresas que avaliam a audiência na TV, deixando margem e passividade para fraudes. Além do mais, está cada vez improvável saber se o público-alvo está sendo impactado com a propaganda veiculada em televisão, tendo em vista que os telespectadores não estão sendo empolgados a continuar assistindo aos intervalos comerciais. Com a multiplicidade de telas (celulares, tablets e desktops), o telespectador tende a fugir, nos reclames da TV, para atividades que acha ser mais interessante e menos maçante — como ver postagens em redes sociais — do que ver anúncios e publicidade na velha mídia.
Recentemente quiseram jogar a contragosto da população a lei que autoriza o limite de uso de internet no país. Para a Rede Globo de Televisão foi uma oportunidade de defesa – não da população e dos seus diretos, mas dos empresários, ou melhor, dos anunciantes.
Em reportagem do dia 24 de abril, o Fantástico desenhou que estamos mesmo à mercê da manipulação e dos grandes interesses empresariais e políticos. O programa dominical vendeu na reportagem que, nós, consumidores de internet, estamos abusando no uso, ou seja, gerando desperdício. Faltou nas entrelinhas o informe que a reportagem era encomenda em acordo de livre comércio pelas empresas de telecomunicações do país. Insistimos que faltou informar esse detalhe na matéria veiculada.
Não se dá crédito à crise política
A população virou ré na questão, por assistir vídeos demais; ver postagens demais em redes sociais. Como sempre, defendeu o lado dos anunciantes. Pelo título já dava para saber: “Internet fixa ilimitada pode estar com os dias contados no Brasil”. Com isso, o maior grupo de comunicação do país passou a informação curta e grossa: estamos do lado dos lucros e contando os dias para que isso aconteça de fato, e deu o veredito: corte a internet, ganharemos ambos com isso. Com essa tática, a Globo ganharia de duas formas: anunciantes voltariam a atuar na TV — por cair o acesso em horas diárias dos consumidores na internet; e da volta dos internautas para a frente da TV — ganharia mais horas de público assistindo o grotesco da programação.
O que constatamos nessa reportagem é que a mídia não está preocupada em garantir direitos, mas em retirá-los — quando isso ameaça seus interesses mesquinhos: o lucro desenfreado e abusivo. Sentimos reféns de uma jogatina em prol da receita particular.
Não houve na reportagem um detalhamento de como o consumo de dados impactaria a receita das empresas de telecomunicações. Apenas repassaram a culpa para os usuários e a conta também. Em nenhum momento se preocuparam em informar que o acesso à internet é um direito básico nos dias de hoje, tendo em vista que a comunicação flui mais descentralizada e que foi garantida pelo Marco Civil da internet. O poder da rede causa desespero nos empresários e políticos. Chegaram a defender a restrição a filmes e séries através de plataformas, como é o caso da Netflix.
O péssimo serviço prestado pelas operadoras (entre os 10 piores do mundo) não é relatado, nem levado em consideração, mas os lucros são lembrados sem demora para o raciocínio do grande público. Apenas basta a fala: somos nós, os usuários, os culpados.
Não é só essa questão que é distorcida nesse jogo de cartas marcadas. Para demostrar que não estamos no caminho certo, que a economia está em profundo desastre, não se dá os devidos créditos a outra crise, a política, que tem feito arruaça no país.
Uma nota brevíssima e a desculpa
Mas, bem antes, quando o rumo era destruir um governo, fez-se em seus noticiários o Brasil idealizado como uma “nova Grécia”, prestes a dar o calote e a se afundar no rio de amarguras da economia. Muitas notícias bombas eram jogadas nos jornais, e de mesmo modo eram escondidos os reais motivos de outras bombas estarem em curso no congresso, as pautas do desastre econômico, que os nobres representantes do povo não hesitaram em votar.
Disso também notamos o descarado financiamento político à imprensa. Com a alta queda de anunciantes, não se dá por vencida e procura outros meios de receita. Escancarou o partidarismo em tendenciosas reportagens, onde se destaca o favorecimento de grupos políticos, em repressão a outros. Nota-se o descaramento do: Pagando bem, que mal tem em defender políticos comprovadamente corruptos e gerar receita valiosa com isso?
Para senadores e deputados envolvidos em escândalos é dado, sem cerimônia, espaço demasiado de defesa em telejornais. Bem sabemos que em TV, três minutos de construção de uma defesa pode demostrar muitos acordos ilícitos. Não somos ingênuos em pensar que meios dariam o valioso tempo de programação em defesa de corruptos, por simplesmente estarem contribuindo com a ética jornalística. Não! Definitivamente não acreditamos nisso. Interesses escusos existem nessa tática sórdida e desleal. No dia 15 de março de 2016, a Globo deu ao senador Aécio Neves — citado em delação premiada na Lava Jato — tempo amplo de defesa em seus noticiários.
Enquanto para alguns políticos é dada a premissa de defesa pela oralidade televisionada e com reportagem tendenciosa a converter o culpado em vítima, para outros é dada uma nota brevíssima e para os demais, apenas a desculpa: “Nossa equipe não conseguiu entrar em contato com o acusado”.
Encontros a portas fechadas
Não se cansaram em levar a nação ao calabouço, desenharam o Brasil como uma Grécia, fadada ao fracasso e logo depois, a uma Venezuela, progressista e ditatorial. Porém não relatam em alto e bom som, que foi ela, a rede Globo, que recepcionou com muita satisfação a ditatura militar. Moniz Sodré destaca em seu livro Antropológica do Espelho a fala do ditador Médici em 1972. “Sinto-me feliz todas as noites quando assisto TV porque no noticiário da Globo o mundo está um caos, mas o Brasil está em paz… É como tomar um calmante após um dia de trabalho.”
Depois de ter ajudado o golpe militar de 1964, a Globo tenta passar uma borracha no passado promíscuo 50 anos depois, após ter lucrado com a idade das trevas no país. Em editorial por ocasião da inauguração do site Memória da Instituição Globo, destacou que foi um erro apoiar a ditadura. Pelo que parece, não passa de uma grande farsa, tendo em vista que foi uma das medidas para conter a onda de protestos pelo país que demostrava grande insatisfação, por onde se ouviam os gritos “A verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”. Não convence que a empresa esteja realmente arrependida. Mais recentemente um outro golpe, o impeachment – provado em áudios vazados do líder do governo interino e ilegítimo Romero Jucá, também conta com o apoio da Organização Globo (que se leia, grande apoio).
Os países que ficaram correlacionados em uma série de reportagens no Jornal Nacional foram Brasil e Venezuela. Essa foi mais uma cartada. Lá, diz, tem uma ditadura, aqui, caminharia para uma também se não fosse tirada a presidente, mesmo que isso sacrificasse a nossa imatura democracia.
Mas como vemos, com tanto retrocesso do governo interino, pelo qual: investigados são nomeados ministros; ainda mais, extingue ministério de cultura e instala o desprazer com a educação, podemos concluir que tempos difíceis para o progresso do país estão sendo reprisados, como em um programa vespertino: Vale a Pena Ver de Novo… olha novamente o golpe, ele voltou! Engomadinho, bonitinho, mas ainda sim, um golpe baixo. Poderíamos dizer que é um golpe como manda o figurino no século 21.
Ver-se que existe uma outra ditadura no país, que ameaça a sua seriedade como uma nação democrática. Tanto a TV Globo, quanto a TV Bandeirantes, agendaram a crise na Venezuela para abordar nos telejornais. Uma tentativa de vincular o Brasil, com destino similar, caso continuasse com um governo chamado por eles de bolivariano e progressista.
Depois da Grécia e da Venezuela, como em um passe de mágica agora — logo após a usurpação do Planalto pelo vice — nos tornamos o “sonho americano”, posta em uma frase, acompanhada de mando e desmando de fanfarrões hipócritas, que são mestres em corrupção e com tamanha desfaçatez proclamam em rede nacional: “Não fale em crise, trabalhe”.
Como vemos claramente em manchetes e focos de manipulação agendadas nos meios hegemônicos (Globo, Folha, Estadão), a banda podre debanda desenfreada para o lado do neoliberalismo e com o descaramento, escancarando o plano de fundo, a politicagem flertando com a mídia chula as bancarrotas: no tudo ou nada.
A imprensa mudou o rumo da conversa e agora conclama a um país sem corrupção e sem crise. Para que saibam e fique claro, querem um país sem corrupção nas manchetes, porém defendendo que ela continue esclusa e reinando de onde nunca deveria ter saído, de encontros às portas fechadas e sem as vozes dos ouvidores.
Francisco Júlio Xavier é jornalista e pós-graduando em Comunicação Digital
No Observatório da Imprensa
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