Para o filósofo e ex-ministro, o grampo de Dilma e Lula e sua divulgação política por Sérgio Moro abre precedente para que arbitrariedades sejam cometidas contra qualquer cidadão

O filósofo, ex-ministro da Educação e professor da USP (Universidade de São Paulo). Foto: Reprodução/YouTube

Em um texto publicado em sua página pessoal no Facebook, o filósofo e ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, criticou o grampo de conversas entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma Rousseff, interceptado pela Polícia Federal e divulgado na imprensa do País na noite de ontem (16).
Ao comentar o episódio, Janine enfatizou o caráter arbitrário da medida, condenada por juristas como Dalmo Dallari (leia mais), e advertiu que ela abre precedente para que decisões de exceção sejam cometidas contra qualquer cidadão brasileiro.
Leia a seguir o texto na íntegra 
“Esqueçam por um momento que foram Dilma e Lula os grampeados ilegalmente ontem à tarde. Pensem que, agora, não há mais limite algum ao grampo ilegal e a seu uso igualmente ilegal. A qualquer momento, um policial e um juiz podem mandar gravar você. Você, empresário, psicólogo, o que seja. Conheço psicólogos que atendem pelo telefone. Podem ser grampeados – e com boas razões, porque, afinal, há clientes que superfaturam ou corrompem, e que contam isso ao terapeuta. Há sacerdotes que ouvem confissões. Confissão é de coisa errada, não é? Ótima razão para gravar e apurar. Empresários podem sonegar, ótima justificativa para grampeá-los, todos, não é? Mesmo que não soneguem. Isso já começou, quando o sigilo acusado-advogado foi rompido. Claro, o acusado é bandido, não é? E nestas gravações, caro amigo, cara amiga, podem descobrir coisas que nem desonestas são, mas que vão te causar um mal danado. Podem descobrir, empresário, que você pretende lançar um novo produto na praça. E podem divulgar este segredo para seu concorrente. Podem descobrir que o analisando teve um filho antes de casar, que pretende reconhecê-lo, mas que está difícil fazer isso porque vai dar problemas com o cônjuge. Todo mundo tem uma vida íntima. Esta vida íntima pode ser gravada. Pode ser divulgada pela Internet ou vendida a uma pessoa que não gosta de você. 
É por isso que as liberdades burguesas – faço questão de usar o nome meio pejorativo que a esquerda lhes deu, mas que tem uma certa razão, porque são liberdades do indivíduo contra a interferência do Estado – são tão importantes. Hoje muitos estão felizes porque acham que pegaram Lula e Dilma. Na verdade, pegaram você. Você não tem mais proteção contra os agentes da lei. Eles farão com você o que quiserem. Poderão chantagear você. 
E não venha com o quem não deve não teme. A vida íntima não é feita de ilegalidades. Ela é feita de segredos, sim, que ninguém tem o direito de invadir. Ninguém tem o direito de saber uma multidão de coisas que são suas. OK, Mark Zuckerberg sabe. Mas ele está interessado em big data e não em você especificamente. Então fique contente, e quando sua vida pessoal for exposta, lembre que você apoiou isso.
(Reflexão depois de ouvir a gravação Lula-Eduardo Paes. Nada de relevante para a sociedade saber, Nada mesmo. Puro exercício de prepotência: vejam quem manda. E mesmo isso – a brincadeira de Paes que Lula, você tem alma de pobre – está vindo à tona. Quando pegarem sua vida íntima, debocharem de seus gostos, venderem sua intimidade, aproveite sua descida aos infernos para fazer contrição, confissão, talvez comunhão).”
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