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terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

O pensamento de Umberto Eco nestes tempos de eficaz manipulação midiática, promovendo ódios e caos






"No ensaio “A Nova Idade Média”, Eco prevê que a televisão deixaria de ser uma janela aberta para o mundo, e passaria a falar de si mesma, "em um labirinto de metalinguagem e eventos-encenação". Para o telespectador, o mundo só acontece se aparecer na tela." - Luis Nassif

O pensamento de Eco nesses tempos de desordem


Texto de Luis Nassif, extraido do  Luis Nassif Online



Dia desses encontrei um velho conhecido, empresário bem informado do setor imobiliário. Estava assustado com a informação de que o terrorismo do Oriente Médio já tinha conseguido cargos relevantes no governo e era questão de tempo para dar o golpe.
Tempos atrás fui a um jantar, presente uma juíza de direito que jurava de pés juntos que os comunistas dominavam a revista Veja e o Jornal Nacional.
Ontem encontrei no shopping um senhor egípcio, há 40 anos no Brasil, e espantado com a facilidade com que o seu meio – classe média alta – engolia as maiores fantasias.
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Morto dias atrás, o filósofo italiano Umberto Eco foi um estudioso dos meios de comunicação de massa. Certamente faria do Brasil atual um excelente laboratório.
Um dos primeiros fenômenos analisados por ele foi o da televisão recriando a realidade de acordo com seus scripts e sua dramaturgia (veja, a propósito, o excelente ensaio de Wilson Ferreirahttp://migre.me/t3Tjo).
No ensaio “A Nova Idade Média”, Eco prevê que a televisão deixaria de ser uma janela aberta para o mundo, e passaria a falar de si mesma, "em um labirinto de metalinguagem e eventos-encenação". Para o telespectador, o mundo só acontece se aparecer na tela.
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Eco encontra muito pontos em comum dos tempos atuais com a Idade Média, a era das trevas que se seguiu ao desmonte do Império Romano.
As mudanças globais implicaram na substituição do entendimento global, da informação sistematizada, da hierarquia nas informações pela instabilidade, a mutabilidade, a ausência de estruturas.
Ocorre um desmonte das instituições similar ao desmanche do Império Romano.
Eco comparava esse caos ao labirinto medieval - diferente do labirinto clássico grego, no qual o fio de Ariadne é a solução para se encontrar o caminho de volta. O labirinto medieval é maneirista, como múltiplas ramificações de uma árvore, permitindo múltiplas interpretações onde o jogo que encanta é "o prazer em se perder e abandonar as noções de verdade, fidelidade ou originalidade". Não importa a verdade, mas as maneiras de interpreta-la.
O discurso medieval era composto por grandes monólogos, repletos de citações de autoridades, "mantendo o mesmo léxico, a mesma retórica, o mesmo argumento". Como explica Wilson, era a forma como o medieval reagia à desordem e à dissipação cultural da decadência do Império Romano.
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Hoje em dia, prossegue Eco, esse recurso ao trololó se repete sob a roupagem da “falácia referencial”. "Através de maneirismos, bricolagens, pastiches etc. produzem-se novas significações através da repetição. Se na Idade Média a repetição da “Autorictas”, hoje é escondida sob a pátina das diferentes opiniões, métodos e do monopólio econômico e midiático", diz Wilson.
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No final de sua vida, Eco passou a considerar a Internet como "como uma semiose selvagem e perigosa", com informações excessivas  e sem hierarquia, onde a criação de novas significações transformou-se em replicações, como na autorictas medieval.
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De fato, até alguns anos atrás a hierarquização da informação produzia uma ordem, muitas vezes falsa mas, enfim, ordem. Na fase inicial, o advento das redes sociais e dos blogs permitiu o contraponto às verdades estabelecidas da velha mídia.
Com o tempo, o opinionismo expandiu-se, liquidando com qualquer hierarquia. Não vale mais o carteiraço, a exposição de currículos para fortalecer a opinião. Pelo contrário, o populismo desvairado investe contra qualquer tentativa de hierarquizar as opiniões.
Ao mesmo tempo, o oportunismo irresponsável dos jornais abriu espaço para um discurso delirante da ultra-direita, esfumaçando ainda mais o cenário turvo das informações. Em vez de filtro para o caos da Internet, os grupos de mídia se transformaram em potencializadores das pirações da rede.
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Tudo isso acontece em um quadro de dissolução dos partidos sociais, de perda de controle das corporações públicas sobre a base, de corrosão inédita do poder presidencial, de fim de ciclo dos grupos de mídia, de falta de perspectivas da oposição.
Os otimistas costumam argumentar que é do caos que nasce a luz. Os pessimistas diriam que é do caos que nasce mais caos.
Inegavelmente, o Brasil entra na fase mais complexa da sua história, período de terremotos universais, de caos global das democracias, sem um fio condutor. O espaço está sendo ocupado por uma nova geração, sem passado, ocupando o lugar de uma velha geração que recusou-se a ver o futuro.
A falta de figuras referenciais, para conduzir a transição, é o que mais assusta nesses tempos de caos.

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