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quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Estudos sobre fenômenos psíquicos: A Sociedade de Pesquisas Psíquicas (Society for Psychical Research - SPR), de Londres





Carlos Antonio Fragoso Guimarães

 I - Contexto Histórico

  Com o enfraquecimento de antigas estruturas tradicionais de relações sociais, em especial as mantidades entre a Igreja e o Estado, o desenvolvimento de uma sociedade urbanizada e a possibilidade de pessoas mais livres para a investigação dos fenômenos naturais, aos poucos certas áreas, antes mal compreendidas ou aparentemente de domínio estrito de certas pessoas ou instituições, passaram a ser discutidas e reavalidas ante novas luzes e modos de pensar, em especial com a eclosão do Iluminismo do século XVIII que foi amplamente incentivado pela Revolução Industrial do mesmo século, com forte impacto na Inglaterra e França. Foi o caso, por exemplo, da ciência e da filosofia, antes muito atreladas à Igreja ou universidades a ela ligadas.

 O racionalismo iluminista, laico, buscava, quase como em um sentido missionário, limpar a mentalidade europeia de ranços supersticiosos ou visões toscas de mundo ainda existentes no vácuo do poder religioso. Neste mister, frequentemente - como ocorre com novos paradigmas que parecem dar um poder ilimitado e empolgante - sem um controle crítico quanto à própria empolgação, acabavam por desconsiderar fenômenos ou relatos de fenômenos que, em aparência, seriam considerados impossíveis de ocorrer. Um exemplo célebre foi o do químico francês Lavoisier que desconsiderava os relatos e mesmo evidências físicas sobre meteoros já que a razão mostrava ser impossível a existência de "pedras no céu". Casos parecidos, apesar de hoje nos fazerem rir, também se deram em meio a sábios e cientistas, desde os experimentos com eletricidade de Galvani, passando pelas disputas de Pasteur com médicos sobre a questão da "geração espontânea", tangendo as transmissões telefônicas e a invenção de equipamentos tecnológics, como o fonógrafo de Edson, que foram considerados embustes por brilhantes cientistas do século XIX. Ainda assim, em regra, o pensamento científico calcado no modelo da física clássica de newton se impôs e o modelo mecanicista de mundo se tornou o padrão paradigmático referencial para o estudo da natureza e da sociedade, implicitamente fortalecendo - especialmente depois de Darwin e da expansão capitalista imperialista - uma interpretação materialista (no sentido vulgar) de mundo, natureza e homem.

 O problema é que, se de um lado o racionalismo e o positivismo, herdeiro do iluminismo, trouxe maior liberdade e meios de entendimento do real, ao mesmo tempo suas estruturações filosóficas canalizavam a percepção e reduziam ou pareciam oprimir uma visão menos mecanicista - esperada ou estabelecida pelo paradigma positivista - de natureza, homem e mundo. De um modo bastante irônico, o materialismo positivista acabou, para muitos, por ser tão restritivo, linear e deprimente quanto a visão pretensamente mística que ele buscava combater. Ao mesmo tempo, como ocorreu com o estudo dos micro-organismos, da psicologia e do eletromagnetismo, alguns fenômenos ou alegações de fenômenos atípicos eram desconsiderados ou vilipendiados pelo stablishment racionalista dominante como impossibilidade a priori. Entre estes, estava o mesmerizmo (depois denominado hipnotismo, hoje reconhecido como real) e as alegações de fenômenos físicos estranhos (movimentação de objetos, aparições, etc.) ou psicológicos anômalos (capacidade de se obter algum tipo de conhecimento que não por vias sensoriais comuns).

 O movimento do Modern Spiritualism (que iniciou-se na América do Norte por volta de 1848) deu início a um movimento popular que parecia, em alguns casos, provocar esta fenomenologia, mas poucos foram os intelectuais e cientistas que os levaram em consideração e menos ainda, que os estudassem com o devido cuidado, quer para encontrar neles alguma base que para refutá-los. Em poucos anos, o Modern Spiritualism (não ainda o espiritismo, que surgiria na França), que tinha uma miscelânea de eventos paranormais com interpretações místicas, atravessaria o oceando e chegaria à Europal de início através da Inglaterra. No continente, os eventos chamaram a atenção de várias pessoas e o professor Hippolite Leon Denizard Rivail (1804-1869), mais conhecido como Allan Kardec, iria começar, por meio de estudos e pesquisas, a teorizar sobre os fenomenos físicos e mentais envolvidos nas manifestações, tirando conclusões e estabelecendo teorias, no que daria ensejo ao Moderno Espiritismo. Contudo, suas ideias, com implicações filosóficas sérias, tiveram mais entrância no continente que nas ilhas britânicas, onde os traços mais cadentes era o de pesquisas a fenomenologia, sem que se buscasse retirar implicações filosóficas gerais dos estranhos fenômenos relatados por assistentes e "méduns".

 Na Inglaterra os fenômenos hoje chamdos de "paranormais" atrairam a atenção de muita gente, inclusive de alguns cientistas. As mesas girantes, por exemplo, foram tema de um estudo rápido - e, aparentemente, descuidado - de Michael Fraday. Já o naturalista Alfred Russel Wallace (1823-1913) - que divide com Darwin a parternidade da teoria da Evolução das Espécieis - se dedicou mais aprofundadamente à área - o que lhe atrai a antipatia de colegas materialistas. Logo outros nomes se voltaram ao estudos dos fenômenos, alguns atraindo uma polêmica considerável que dura até os dias de hoje, como foi o caso do físico-químico Sir William Crookes (1832-1919), descobridor do elemento químico Tálio, e que estudou casos de mediunidade com grandes psíquicos da época, a exemplo de D. D. Home, das irmãs Fox e, em especial, Florence Cook e suas materializações (fotografadas por Crookes) do fantasma denominado Katie King (veja um vídeo sobre o polêmico caso, clicando aqui).

Pouco antes das pesquisas de Crookes, um grupo de pessoas foi formado para estudar de modo colegiado alguns médiuns e os fenômenos por eles produzidos. Foi este grupo, que incluia cientistas e engenheiros, denominado de London Dialectical Society, oficialmente fundada em 1867, mas que ficou célebre pelo seu relatório de conclusão de estudos, de 1870 e que afirmava categoricamente que as 15 subcomissões de estudos "corroboravam-se substancialmente, estabelecendo-se em aparência geral as seguintes conclusões:

1- Que sons de caráter muito variado, aparentemente oriundos de artigos de mobiliário, o piso e as parede da sala - as vibrações que acompanham cada som são muitas vezes nitidamente distintas ao toque - ocorrem sem serem produzidos pela ação muscular ou artifícios mecânicos.

2 -Que movimentos de corpos pesados tem lugar sem auxílio de dispositivos mecânicos de qualquer natureza ou adequada aplicação de força muscular por parte das pessoas presentes, e freqüentemente sem contacto ou conexão com qualquer pessoa.

3 - Que estes sons e movimentos freqüentemente ocorrem nos momentos e na forma solicitada por pessoas presentes, e por meio de simples código de sinais, respondem perguntas e enunciam comunicações coerentes.

4 -Que as respostas e comunicações assim obtidas são, em sua maior parte, de um caráter comum, mas os fatos são por vezes corretamente apresentados, os quais só são conhecidos por uma das pessoas presentes.

5- Que as circunstâncias em que ocorrem os fenômenos são variáveis, e que o fato mais importante é que a presença de certas pessoas parece ser necessária para sua ocorrência e a de outras geralmente adversa; mas essa diferença não parece depender de qualquer crença ou descrença sobre os fenômenos.

6 - Que, no entanto, a ocorrência dos fenômenos não é assegurada pela presença ou ausência de tais pessoas, respectivamente.

“ Entre os que forneceram evidências ou leram os relatórios perante a Comissão, achavam-se: Dr. Alfred Russel Wallace, Emma Hardinge, H. D. Jencken, Benjamin Coleman, Crowell F. Varley, D. D. Home e o mestre de Lindsay. Foi recebida correspondência de lord Lytton, Robert Chambers, Dr. Garth Wilkinson, William Howit, Camille Flammarion e outros” (Fodor, N. – Encyclopaedia os Psychic Science, EUA; University Books, 1974, pp.88 e 89).

  O estudo pioniero da London Dialectical Society e s trabalhos corajosos de Crookes e Wallace serviram de exemplo e incentivo para o nascimento da mais importante e ainda atuante sociedade de pesquisas psíquicas do mundo, a SPR.

  II - Surgimento da SPR em 1882

  Como vimos, o surgimento de uma instituição que congregasse pesquisadores e interessados em um estudo sério dos chamados "fenômenos mediúnicos" era uma questão de tempo, dentro da Inglaterra vitoriana de meados da década de 1870. O que não se sabia ainda era da grande qualidade e capacidade das pessoas que, interessadas nestes fenômenos e que acabariam por constitutir a SPR.

 O período que viu a formação da Sociedade de Pesquisas Psíquicas, nos afirma Zofia Waver (the History of SPR), foi uma época de intensa efervescência intelectual ao lado de uma boa dose de decepção e incerteza, com as ciências naturais fazendo grandes avanços em explicar o mundo em termos que desafiavam as visões religiosas, tradicionais, mas, ao mesmo tempo, parecendo retirar qualquer propósito diante da vida e parecendo expor a  própria vida como um acidente mecanicista e cego fadada ao fim sem nenhuma perspectiva existencial ou transcendental válida. Ao mesmo tempo, desde a década de 1850, houve uma explosão virtual de afirmações extravagantes envolvendo estranhos fenômenos, hoje ordinariamente chamados de paranormais, e interesse por eles, em todos os estratos da sociedade em todo o mundo ocidental, relacionados com a propagação do Modern Spiritualism, nos países de língua inglesa, e do Espiritismo, no Continente Europeu e América Latina. O interesses pela mediunidade se reflete na cultura de entre 1850 a 1900 e escritores e filósofos acabam por escrever muito sobre isso (Tolstoi, George Sand, etc.) Enquanto isso, etnólogos, historiadores e cronistas reiteram que histórias de aparições, visões de clarividência, sonhos premonitórios e outros eventos  acompanham a humanidade desde tempos imemoriais, e os debates e questões levantadas pela ciência e pelo espiritismo foram objecto de debate feroz.

 Em meio a este cadinho, por volta de 1874, alguns jovens professores e intelectuais da Universidade de Cambridge passaram a debater as limitações (especialmente existenciais) do materialismo e as falhas e infantilidades das religiões tradicionais. Ainda assim, eles se perguntavam se por trás destas limitações, uma e outra não poderiam ajudar a descobrir, em meio à escuridão em que parece estar lançado o homem, por trás de suas cristalizações e imposições cognitivas algo sutil que pudesse fazer a síntese e apontasse para um mundo diferente da visão dada pela modernidade e pela tradição, se este mundo existisse de fato e, sendo assim, pudesse ser antevisto usando-se de uma abordagem equilibrada, moderna e, em termos de método e controle, desapaixonada de pesquisa.

  Um dos fundadores e mais influentes pesquisadores da SPR, Frederich Myers, ao relembrar este momento, relatou:

  "Nossas atitudes mentais eram, em vários aspectos, diferentes; mas, para mim, pelo menos, parecia que nenhuma tentativa adequada jamais fora feita, sequer para determinar se algo poderia ser apreendido sobre o mundo do invisível ou não; pois, se fosse possível saber alguma coisa sobre um tal mundo, de modo que a Ciência pudesse adotar e conservar esse conhecimento, isso precisaria ser descoberto. não pela análise da tradição, nem pela manipulação da metafísica, mas simplesmente por experiência e observação - apenas pela aplicação a fenômenos dentro de nós e à nossa volta, exatamente desses mesmos métodos deliberados de desapaixonados de pesquisa que constituíram nosso atual conhecimento do mundo que podemos tocar e ver." (cit. in Gauld, Alan: Mediunidade e Sobrevivência, 1986, p. 9).

  A SPR, a primeira sociedade deste tipo, foi fundada em Londres, em 20 de fevereiro de 1882, na sequência das discussões iniciais entre William Barrett e Edmund Dawson Rogers, e depois de uma conferência ocorrida em Londres, em janeiro, para discutir a viabilidade de uma tal Sociedade. O seu objetivo declarado era investigar "o grande corpo de fenômenos discutíveis designadas por termos como mesmerismo, psíquico e espiritualista ", e para fazê-lo" no mesmo espírito de investigação exata e desapaixonado que permitiu a ciência para resolver tantos problemas ".

 Trabalhando neste espírito científico, os líderes do SPR, que incluiam catedráticos do prote de um Henry Sidgwick e de um erudito como Fred. Myers, rapidamente criaram um quadro metodológico e administrativo para investigar os fenômenos, incluindo a fundação de uma revista acadêmica para relatar e discutir a pesquisa psíquica em todo o mundo. Devido a seus esforços, "a pesquisa psíquica estava se tornando uma ciência, com métodos experimentais disciplinados e métodos padronizados de descrição, estabelecidas por algumas das melhores mentes do dia". (Broughton, p. 64).

 De fato, desde o seu início, a SPR contou com pesquisadores e nomes de peso da ciência, letras, filosofia, política e artes, todos com sólida reputação em suas respectivas áreas e grande capacidade de estudo sério e metódico dos eventos a que se dispunha pesquisar. Como afirma Brian Inglis,

"devem existir poucas organizações que atraíram membros tão notáveis. Dentre os físicos, Sir William Crookes, Sir John Thomson, Sir Oliver Lodge, Sir William Barret e dois Lords Rayleigh - o terceiro e quarto barões. Dentre os filósofos: o próprio Sidgwick, Henri Bergson, Ferdnand Schiller, L.P. Jakcks, Hans Driesch e C.D. Broad; dentre os psicólogos, William James, William McDougall, Sigmund Freud (correspondente da SPR), Walter Franklin Prince, Carl Jung e Gardner Murphy. E junto a estes, muitos vultos eminentes em vários campos: Charles Richet, Prêmio Nobel de fisiologia; o Conde de Balfour, Primeiro-Ministro de 1902 a 1906, e seu irmão Gerald, Primeiro Secretário da Irlanda em 1895-96 (...) Marie Curie, Camille Flammarion, astrônomo e F.J.M. Straton, Presidente da Royal Astronomical Societe, e Sir Alister Hardy, professor de zoologia em Oxford" (in Gauld, op. cit,. 1986, p. 10).
 .
 O mesmo autor acrescenta:

    "Tal lista, como Arthur Koestler apontou em The Roots of Coincidence, devia ser suficiente para demonstrar que a pesquisa sobre PES (Percepção Extra-Sensorial) 'não é um playground para malucos supersticiosos'. Ao contrário, os padrões de pesquisa, em geral, foram rigorosos - muito mais rigorosos, como os piscólogos tiveram ocasião de admitir, que os da Psicologia. A razão pela qual os resultados (destas pesquisas) nçao foram aceitos é, basicamente, que (para a visão de mundo dominante) não foram aceitáveis: a percepção extra-sensorial e a psicinese ficaram fora do domínio da ciência, a despeito das evidências. E, muito embora o preconceito contra a parapsicologia tenha sido vencido, de molde a começar a ser aceita como disciplina acadêmica, ainda está longe de garantir uma base firme no mundo acadêmico. 
  "Os céticos, aleivosamente, propagaram a ideia de que os pesquisadores psíquicos acreditam em PES e em PK (Psicocinesia), em aparições e em outras coisas, porque querem ou precisam acreditar. Qualquer um que tenha estudado os Jornais e as Atas da Sociedade, ou que tenha comparecido às suas reuniões, testemunhará que isso é uma falsidade risível. Muitos dos mais assíduos e capacitados pesquisadores foram originalmente impelidos pela descrença - por um desejo, digamos, de desmascarar um médium como fraudulento. É preciso lembrar, também, que muitos, provavelmente a grande maioria dos membros, desejaram e ainda desejam provar que as manifestações paranormais são naturais e pode ser explicadas cientificamente - muito embora, reconhecidamente, não nos termos estreitos de uma ciência materialista (no sentido vulgar), que, de qualquer modo, os físicos nucleares mostram ser falaciosa. 
 "Não: na medida em que uma Sociedade, composta de um grupo tão diversificado de individuos, possa ter uma identidade única, ela poderia ser descrita como cética; e por certo como racional. Não, porém, como (usando de um mecanismo de defesa para justificar preconceitos) racionalista. Infelizmente, os racionalistas, em sua determinação de purgar a sociedade de seus tumores religiosos e ocultistas, muitas vezes fracassaram em traçar uma distinção entre superstições e os fenômenos observados que as originaram - o que os levou a armadilhas, como as de se recusarem a aceitar a existência dos meteoritos (...); e até nossos dias eles estão prontos a apoiar dogmas tão rígidos, e tão infundados, como os de qualquer Igreja." (op. cit. pp. 10-11)

III - A Geração Heróica (1882-1903)

 O foco cental de tividades da Sociedade constituia-se em recolher e investigar - analitica e criticamente  - dados de fenômenos espontâneos (PES e PK) relatadas por pessoas, com uma série de entrevistas com testemunhas, incluindo o registro e recolhimento de relatórios, documentos, processos, e de testar e controlar fenômenos com grandes (e raros) médiuns (como o exaustivo estudo com médium Leonora Piper o demonstra). Este trabalho foi distribuído através de uma série de comissões específicas, que, entre outras coisas, investigou a leitura do pensamento (a telepatia - um termo cunhado por Fred Myers), mesmerismo (hoje, hipnotismo) e clarividência (hoje, visão remota ou lucidez), fenômenos físicos (Psicocinesia) e aparições / casas assombradas.

 Em poucos anos, a quantidade de material recolhido e estudado, com sua documentação comprobatória, era de tal monta que um Comité Literário formatou e apresentou boa parte da evidência histórica e atual coletada ou diretamente produziu pela pesquisa. O trabalho desta comissão resultou em uma obra que marcou época e deu chamou a atenção, pela seriedade e forma como foi apresentada, de inúmeras pessoas: Phantasms of the Living, com relatos e análises de fatos escritos principalmente por Edmund Gurney, juntamente com Frederic Myers e Frank Podmore. Publicado em 1886, continha mais de 700 casos analisados ​​com cautela, apresentados dentro de uma hipótese de trabalho que poderia ser discutida diante dos fatos: a teoria telepática das aparições de crise, ou seja, de aparições - algumas vezes, eventos físicos - que ocorrem ou se dão ante o falecimento de algum conhecido da testemunha e que não sabe de sua morte (a interpretação sobre os relatórios de comunicação de pessoas que morrem ou em situações de risco de vida era a de que as imagens ou eventos eram uma forma de comunicação simbólica telepaticamente gerada). A seleção e análise dos exemplos foi feito de modo criterioso, sempre que possível baseado em documentação oficial, confronto de testemunhos e pesquisa de campo.

  Este trabalho, nos fala Zofia Weaver, foi logo seguido por um outro projeto importante, o Censo das Alucinações, uma pesquisa em uma escala muito considerável, que se propôs a estabelecer a probabilidade de relatos de aparições de crise (ou Fantasmas de Crise), como sendo devida ao acaso ou mera coincidência; o relatório deste trabalho, preparado em grande parte por Eleanor Sidgwick, descartou essa posibilidade.

 Grande parte do trabalho inicial envolveu também a investigação, exposição e, em alguns casos a duplicação de fraudes e fenômenos falsos. Richard Hodgson distinguiu-se nessa área, o que deu um peso considerável às pesquisas que fez com Leonora Piper, médium por ele investigada por 18 anos consecutivos, sob o mais rígido escrutínio, e que nunca apresentou evidências de fraude.

 Assim sendo, em meio aos trabalhos, houve uma série de testes com grandes médiuns, tanto físicos quanto mentais, que parecem ter produzido fenômenos marcantes e informação verídica em condições experimentais por vezes mais rígidas do que as feitas hoje em laboratórios de Psicologia. 
 Ainda que as façanhas de Daniel Dunglas Home, provavelmente o médium de efeitos físicos mais famoso da era vitoriana, tenha precedido a formação do SPR,  a Sociedade publicou um relato abrangente das experiências realizadas com ele por William Crookes entre 1871-4. Logo no início das atividades SPR, seus pesquisadores deparam-se com um pequeno número de médiuns mentais consideradas confiáveis, que foram preparados para trabalhar com a sociedade nas condições exigidas, ao longo de muitos anos. O mais famoso deles, como já citado, foi a Sra Leonora Piper, uma senhora pacata americana cujos capacidades notáveis foram levados ao conhecimento da SPR por William James, mas houveram outros médiuns (por exemplo, a senhora Leonard, Eusapia Paladino, etc.) pesquisados com rigor e que demonstraram, ao menos por algumas vezes, reais capacidades tanto de PES como de PK.

 Os primeiros membros da SPR cooperaram e manitveram estreito intercâmbio com cientistas de outros países. Nos Estados Unidos, sob a liderança de William James, o psicólogo, uma associação semelhante foi formado e floresceu, com uma estreita colaboração entre pesquisadores psíquicos nos dois lados do Atlântico. Psicoterapeutas de vanguarda da França, Alemanha, Suíça e Áutria tornaram-se membros Correspondentes da Sociedade (citemos Freud, Bleuler e Jung) e  havia uma relação particularmente estreita com Charles Richet, professor de fisiologia na Universidade de Paris e um futuro ganhador do Prêmio Nobel, um dos fundadores do Institute Metapsichyque Internacional. Ele antecipou grande parte da metodologia utilizada mais tarde por Joseph Banks Rhine nos EUA - a realização de experimentos usando alvos fechados, explorando o uso de estatísticas em avaliar experiências, e chamando a atenção para a imprevisibilidade do psi.

 Em 1903 veio à público uma obra póstuma de Fred Myers (que morreu em 1901): Human Personality and its Survival of Bodily Death o que constituiu uma vasta síntese de seu pensamento e apresentou sua teoria do self subliminar. Apesar das lacunas e ambiguidades (o trabalho foi preparado para publicação após a morte de Myers por outros dois membros da SPR, Alice Johnson, o secretário SPR, e Richard Hodgson, advogado e filósofo), continua a ser um clássico da literatura de pesquisa psíquica.

 Edmund Gurney morreu em 1888, Henry Sidgwick em 1900, e Frederic Myers em 1901. Com suas mortes, a "Heroic Age", como foi chamado por John Beloff, chegou ao fim. No entanto, um desenvolvimento muito interessante seguiu-se às mortes dos primeiros fundadores. Pouco depois da morte de Myers, iniciou-se uma série de escritos psicografados, produzidos de forma independente por uma série de médiuns sem contato ou comunicação uns com os outros, expondo mensagens cheias de alusões clássicas. Estes teriam citações e referências eruditas aparentavam estar além do conhecimento dos médiuns envolvidos, e parecia para indicar a presença de uma inteligência organizadora - a dos fundadores SPR falecidos. O fenômeno é conhecido como correspondência cruzada "cross-correspondences", e o significado dos escritos (que continuou a ser produzidos durante um período de cerca de 30 anos) ainda está fornecendo material para análise e debate até hoje. Isso não quer dizer que não houvesse pesquisadores de porte a continuar a pesquisa após a "geração heróica". Nomes como o de Sir Oliver Lodge e Charles Richet falam por si e não se pode pensar nos trabalhos atuais de pesquisa na área, envolvendo nomes como o do astronomo escocês Archie Roy, do psicólogo Charles T. Tart, do matemático Dean Radin, do pesquisador Guy L. Playfair e do biólogo Rupert Sheldrake, sem a sólida base e legado da SPR - aliás, eles eram ou são ainda membros da SPR.

  IV - O legado

  Como bem resume Zofia Weaver, o trabalho dos primeiros pesquisadores estabeleceram os princípios metodológicos e as principais áreas de investigação, dentro e fora da Inglaterra. O Instituto Metapsíquico Internacional, de Paris, mantinha contato estreito com a SPR. O estudo da mediunidade continuou, proporcionando muita informação sobre os aspectos da personalidade humana e estados alterados de consciência, bem como aperfeiçoando técnicas de investigação. As investigações de campo foram continuamente realizadas, e outras coleções, análises e pesquisas de fenômenos espontâneos foram publicados, em especial nos famosos Proceedings da SPR e de sua institição irmã, a American Society for Psychical Research, que daria ensejo à formação, porteriormente, da Parapsychological Association.

  Seguindo a tendência geral discernida também em psicologia,  métodos experimentais mais voltados ao estudo das capacidade psi em um público geral passou por aperfeiçoamentos e melhorias. Um importante trabalho pioneiro sobre a livre-resposta e experimentos quantitativos foi feito na década de 1920 e 1930, por pesquisadores como George Tyrrell. Matemático e físico por formação, ele explorou uma variedade de métodos para induzir estados alterados de consciência, técnicas de diferenciação (algo muito dificil de se distinguir) entre telepatia e clarividência, e feito tentativas para automatização de metas aleatórias. O estabelecimento do Laboratório de Parapsicologia de J.B. Rhine nos EUA na década de 1930 foi um estímulo para o trabalho colaborativo e estudos projetados para replicar os resultados de Rhine usando seus métodos estatísticos. J.B. Rhine e sua esposa Louise foram Presidentes da SPR em 1980.

  À medida que o conhecimento sobre os aspectos da pesquisa psíquica e áreas afins expandida, assim como a função da SPR, principalmente a partir de uma investigação a uma entidade educacional. Mesmo em seus primeiros dias da Sociedade começou a criar uma biblioteca de pesquisa psíquica e um arquivo de documentos originais, agora abrigava tanto em seus escritórios em Londres e no Cambridge University Library, que são continuamente mantidos e atualizados. Publicações próprias da sociedade, os seus trabalhos de revista e ocasionais, foram aparecendo desde a década de 1880. Neles pode-se encontrar uma riqueza de amplo material relativo às investigações e experiências passadas e presentes, assim como estudos teóricos e artigos que discutem a relação entre a pesquisa psíquica e áreas, como psicologia, filosofia, física, medicina, biologia evolutiva e ciências sociais. Um dos principais projetos recentes da Sociedade é o de ter todas as suas publicações e os clássicos da pesquisa psíquica disponibilizados on-line, juntamente com um catálogo assuntos em que os resumos relacionados são organizados em coleções temáticas.

  A Sociedade de Pesquisas Psíquicas obteve e disseminou um grande número de dados relativos ao paranormal. Autores como Ernesto Bozzano e outros recorriam aos seus estudos com frequencia. A SPR publica ainda o periódico Journal of the Society for Psychical Research que inclui artigos acerca de pesquisas tanto de laboratório como de campo, assim como trabalhos de natureza metodológica, histórica e teórica abrangendo um largo campo de especialidades concernentes ao campo da parapsicologia. A Sociedade construiu uma ampla biblioteca e arquivo, parte dos quais são mantidos na Universidade de Cambridge

  Hoje, além de suas atividades de ensino, a SPR continua a promover e apoiar as principais áreas de pesquisa psíquica: fenômenos espontâneos, mediunidade, e trabalhos experimentais. Agora que a parapsicologia tornou-se um assunto acadêmico, com pós-graduação oferecidos em um número de universidades, muitos desses projetos são realizados como parte da pesquisa universitária. No entanto, a função primordial da sociedade ainda é muito para reunir indivíduos independentes, com muitas abordagens e pontos de vista diferentes, mas que partilham uma paixão pelo assunto, de modo que as conclusões e idéias podem ser compartilhadas, avaliadas e divulgadas.


Referências:

Fodor, Nandor (1974): Encyclopaedia os Psychic Science, EUA; University Books.

Gauld, Alan (1986): Mediunidade e Sobrevivência - Um século de investigações. São Paulo, Editora Pensamento.

Guimarães, Carlos A. F. (2004): Evidências da Sobrevivência. São Paulo, Editora Madras.

Weaver, Zofia (2009): History of The Society for Psychical Research. Londres, SPR.



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