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segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Vamos falar de "Deus": O Deus do Capitalismo, o Deus do poder, o Deus exclusivista que vai para a Paulista.



   "Gostaria de lhe propor uma reflexão filosófica, empírica, sobre os propósitos da vida, por alguns minutos, e quem sabe lhe explicar por que os protestos parecem se basear em temas universais consagradamente puros, como Deus-Família-Pátria, "Ordem e Progresso", "Democracia", e os conceitos de "Bem versus Mal", em que o mal é representado pelo comunismo." - Anderson França.



O Deus que foi aos protestos

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Texto de Anderson França, extraído do Brasil Post


Gostaria de lhe propor uma reflexão filosófica, empírica, sobre os propósitos da vida, por alguns minutos, e quem sabe lhe explicar por que os protestos parecem se basear em temas universais consagradamente puros, como Deus-Família-Pátria, "Ordem e Progresso", "Democracia", e os conceitos de "Bem versus Mal", em que o mal é representado pelo comunismo.
Eu gostaria também de informar, por meio deste post, que no dia 17 de agosto de 2015, não existe comunismo no mundo, e que isso é lenda urbana. Que tem uma embaixada americana em Cuba desde semana passada, que Russia tem cassino, que China é economia ~estatal~ de mercado me-engana-que-eu-gosto e que a Coréia do Norte é uma vila particular que perdeu há pouco o status de bairro.
Que quem diz que tem comunismo no mundo provavelmente tá confundindo comunismo com flamenguista. Porque tem flamenguista no mundo. Muito.
Na real, o que me "emputece" é uma pessoa dizer que "tá teno" comunismo. Não tá, "tá teno" outra parada, deprimente, mas tem outro nome.
Vamos falar de Deus. O Deus do capitalismo, o Deus do poder, o Deus que vai pra Paulista.
Esse Deus nasce em Feuerbach, e é incorporado no pensamento de Marx, a quem ele denomina de "O Ópio do Povo": o Deus burguês, cuja missão será manter um solo firme entre burguesia e proletariado, onde ele, Deus, é o único quem pode julgar os homens, e isso, em si, anula qualquer possibilidade de um proletario lutar pela sua liberdade, mas entregar a Deus seus lamentos, na esperança que este o liberte um dia, num novo mundo, perfeito, o Paraíso.
O Deus burguês não acha comportado você ir protestar contra a elite dominante.
Mas aí, vamos anotar um ponto no nosso círculo de pensamento.
Voltemos ao Paraíso. O lugar de onde, segundo a narrativa bíblica, o homem foi expulso.
Agora considere que eu estava no Leblon, e fui tomar um sorvete, vulgo gelato, e vi um casal adulto de meia idade, magros e bem vestidos, burgueses, e atrás deles, uma senhora negra cuidava de seu filho, aparentemente de 4 anos, vestido de tênis, calça de brim e camisetinha pólo, o pequeno burguesinho, menino bonito e perfumado.
Eles tomavam sorvete e conversavam, ao passo que deixavam a babá dar sorvete para o menino que, teimoso e faceiro, corria de um lado para o outro, e buscava chamar a atenção dos pais, mas não facilitava a porra do trabalho da babá, cansada num domingo à noite, com potinho de gelato numa mão, bolsa no ombro, e colherzinha de plástico pingando sorvete, esperando o menino-princeso sentar a bunda no banquinho e tomar a deliciosa sobremesa.
Muito embora minha ótica sobre os leblonenses seja, para você, excessivamente negativa, e vocês saibam o que penso sobre o Leblon, calma, respire: me espantou muito mais os pais cagarem para o menino, que para a cena já hostilizada em poesia pelo Emicida.
Porque eles pareciam querer fruir de uma noite perfeita, num cenário perfeito, com um gelato perfeito, e de fato o faziam, enquanto ignoravam o menino, filho deles.
Eis o conceito de Paraíso.
Paraíso é aquele lugar onde o homem não vê, acima de tudo, nenhuma necessidade de se aprimorar ou se esforçar por si e pelo outro, uma vez que os frutos deliciosos que o alimentam caem lindos das árvores. Paraíso era lugar de generosidade, mas o homem entendeu como lugar de exaltação do ego.
É possível dizer que a expulsão do homem do Paraíso foi muito mais um gesto lúcido de um Deus que entendeu que sua criação não estava substancialmente pronta para a fruição edênica.
A expulsão como uma benção para amadurecimento, e não uma maldição.
Imagine agora um Deus não comprometido com a burguesia. O Deus Boffiniano. O Deus Marginal.
Que expulsou o homem do Paraíso, lançando-o num lugar imperfeito, sob condições imperfeitas, para que este homem trabalhe sob o suor do rosto para equilibrar este mundo em constante desequilíbrio.
Isso porque, apenas em condições de desequilíbrio o homem pode encontrar a oportunidade de ser equilibrado, justo e não o centro de si mesmo.
E isso torna o homem um inconformado. Continuamente inconformado. Continuamente inquieto, que busca a equidistância, e se amarga na dissonância.
Esse homem, ao invés de ver o mundo como falho, vê o mundo como o seu aperfeiçoador, razão pela qual ele optará pela luta, não pelo repouso, pela justiça, e não pela conformidade, pelos marginais, e não pelos poderosos, e é por isso que a mensagem do Cristo marginal será muito mais subversiva que conformada.
Mas você então me perguntará: No entanto, não haverá Paraíso no futuro prometido pelo Cristo?
A resposta é: o Paraíso tem valor simbólico maior para os que viveram o desequilíbrio. E o Paraíso prometido pelo Cristo tem muito mais aproximação com o pensamento estóico de eternidade que com um lugar onde você vai ter regalias. A eternidade é um momento, não um fim.
Por isso, eu não quero o Leblon. Porque eu sei que, sem desconfortos, me tornarei como esses personagens que vi. Nós nos acostumamos com o conforto.
Mas quero Madureira, porque é no desequilíbrio que eu me equilibro por dentro, e percebo que os valores das coisas são bem diferentes. É na Baixada que me sinto útil, é na favela que me sinto alerta.
E é por isso inclusive, por causa desse Deus burguês, que não me espanta muitos terem saído às ruas pedindo, em nome Dele, intervenção militar.
Esse Deus burguês existe apenas para os que querem manter o status quo. Ele não gosta de professor fazendo passeata, mas gosta de bater panela. Ele não ora pelas mortes no morro, mas ora por intervenção militar. É um Deus bundão. É o ópio. A anestesia. Aquilo que faz você não mais sentir a dor, muito embora a dor e, principalmente, a ferida, esteja diante dos seus olhos.
Mas o Deus da subversão é imanente no homem quando ele luta pela liberdade, e um dos maiores exemplos foi daquele que, pelo oprimido, marginal e excluído, morreu numa cruz, como preso político, Deus contradizendo-se a si mesmo, em favor da liberdade do homem.
É possível, com uma mesma Bíblia, ver os dois deuses brigando entre si. Mas isso dependerá muito mais do lado em que você se encontra, que do texto em si.
Deus não estava na Paulista. Pátria, Família, nada disso estava na Paulista.
Apenas algumas pessoas, muito desconectas com o mundo real, gritavam para elas mesmas, coisas que nem elas sabem bem o significado, enquanto aguardam uma nova dose de anestésicos, até que morram, em bolhas que em breve secarão.
Como é triste se pensar num Paraíso.

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