Páginas

domingo, 26 de julho de 2015

Fábio de Oliveira Ribeiro sobre as contradições do anti-petismo


   "É verdade que o PT foi envolvido em casos de corrupção. Mas também é verdade que os petistas não impediram as investigações e alguns deles se submeteram a punições bastante rigorosas para os padrões políticos brasileiros. Além disto, todos os outros partidos, inclusive o PSDB e o DEM, empregaram as mesmas práticas desonestas para obter recursos eleitorais. Contudo, os anti-petistas não atacam os outros partidos corruptos. Apenas a corrupção do PT os deixa raivosos. O anti-petismo é único. Os mesmos que fomentam o anti-petismo sequer cogitam a criação de um anti-tucanismo para combater as mazelas do PSDB. (...) O anti-petista escolhe o ódio porque o ódio é uma fé."


Sobre o anti-petismo e os anti-petistas, por Fábio de Oliveira Ribeiro


texto extraído do Luis Nassif Online


Por Fábio de Oliveira Ribeiro

Em razão de um juramento infantil, feito em razão da humana tendência de seguir a moda, me obriguei a conhecer fundo os anti-petistas e suas idéias. Ao tomar consciência da intensidade do ódio genocida que eles nutrem e espalham na internet, abjurei. Não sou e não quero ser adepto do anti-petismo:
A jornada dantesca ao submundo da irracionalidade política, me deixou profundamente prostrado. Passei o resto do dia procurando uma forma de falar sobre o anti-petismo.  Friedrich Nietzsche tinha razão quando disse que Quem luta com monstros deve velar por que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.” A tarefa de exorcizar de dentro de mim o abismo escuro que percorri me levou a produzir este texto. Espero que os leitores gostem.
Notei rapidamente que o anti-petismo é uma coisa que difere muito de um pensamento. É antes de tudo uma paixão. Pode certamente apresentar-se sob a forma de proposição teórica. O anti-petista moderado é um homem cortez que dirá suavemente: “De minha parte, eu não detesto os petistas. Julgo simplesmente preferível, por esta ou aquela razão, que tomem parte reduzida na atividade da nação.” Mas logo em seguida, se conquistarmos sua confiança, acrescentará com maior abandono: “Veja, deve haver algo nos petistas: eles me incomodam fisicamente.” Tal argumento, que vi algumas vezes nos websites anti-petistas, é digno de exame.
O referido incomodo só pode proceder ou procede da lógica passional. Pois, será possível imaginar alguém  que afirme seriamente: “Deve haver algo no tomate, pois sinto horror de come-lo?” Além disso, mostra-nos que o anti-petismo, sob suas formas mais temperadas, mais evoluídas, permanece uma totalidade sincrética que se expressa através de discursos de feição razoável, mas suscetível de levar até a modificações corporais.
Suponho que alguns destes machões anti-petistas sejam tomados de súbita impotencia se ficarem sabendo que a mulher com quem dormem é petista. Há em certa gente, o asco do filiado ao PT, assim como há o asco ao índio ou ao negro. E esta repugnancia não nasce do corpo, pois se pode amar perfeitamente uma petista, se se ignora sua opção política; tal repulsa chega ao corpo pelo espírito, é um compromisso da alma, mas tão profundo e tão completo que se estende ao fisiológico, como sucede na histeria.
Lula governou o Brasil com moderação e eficiência. Sob seu governo o país cresceu, o desemprego diminuiu, a renda do povo melhorou se refletindo numa ampliação do consumo que ativou o comércio e a indústria. Os grandes empresários tiveram anos de fartura em razão do aumento das exportações. A descoberta do Pré-Sal foi um bônus. A riqueza mineral no litoral é uma poupança que deve ser utilizada com sabedoria em benefício da educação. Novas universidades foram construídas, os estudantes mais pobres começaram a ter acesso às mesmas.
Dilma Rousseff seguiu as linhas mestras do governo anterior. Teve o mérito de criar o programa de bolsas estudantis no exterior, medida que beneficiou em muito principalmente a classe média e alta. As distorções econômicas estão sendo combatidas dentro da normalidade. 
Nem Lula, nem Dilma pediram dinheiro ao FMI. Muito pelo contrário. O Brasil não só se tornou credor daquele banco como criou um novo banco de fomento econômico (o Banco dos BRICS). Apesar as virtudes dos governos petistas, Lula viu nascer o anti-petismo e o mesmo aumentou e se tornou mais virulento sob o atual governo.
É verdade que o PT foi envolvido em casos de corrupção. Mas também é verdade que os petistas não impediram as investigações e alguns deles se submeteram a punições bastante rigorosas para os padrões políticos brasileiros. Além disto, todos os outros partidos, inclusive o PSDB e o DEM, empregaram as mesmas práticas desonestas para obter recursos eleitorais. Contudo, os anti-petistas não atacam os outros partidos corruptos. Apenas a corrupção do PT os deixa raivosos. O anti-petismo é único. Os mesmos que fomentam o anti-petismo sequer cogitam a criação de um anti-tucanismo para combater as mazelas do PSDB.
A idéia que os anti-petistas fazem de um petista, portanto, parece determinar a história recente do Brasil. Não é o dado histórico que engendra a idéia.
Ordinariamente, tal genero de afecção deveria agradar pouco a imprensa: quem deseja apaixonadamente uma mulher está apaixonado por causa da mulher e a despeito da paixão. Mas ocorre exatamente o oposto com os jornalistas brasileiros. Eles não só não questionam o anti-petismo como aderem alegremente ao mesmo. A imprensa se tornou incapaz de desconfiar dos raciocínios passionais que procuram demonstrar por todos os meios opiniões ditadas pelo amor, pelo ciúme ou pelo ódio. Os profissionais da comunicação deveriam desconfiar dos extravios passionais e daquilo que se chamou de monoideismo. Todavia, é justamente isto que os anti-petistas dentro e fora da imprensa escolheram em primeiro lugar.
A única explicação plausível para esta patologia intelectual e jornalística é a nostalgia da impermeabilidade. O homem sensato busca gemendo, sabe que seus raciocínios são apenas prováveis, que outras considerações hão de po-los em dúvida; nunca sabe muito bem onde vai; está “aberto”, pode passar por vacilante. Mas há pessoas que se sentem atraídas pela permanência da pedra. Querem ser maciças e impenetráveis, não querem mudar; aonde as conduziria a mudança? Trata-se de um temor de si próprio original e de um temor da verdade. E o que as amedronta, não é o conteúdo da verdade, que nem sequer suspeitam, porém a própria forma do verdadeiro, este objeto de  indefinida aproximação.
Os anti-petistas e seus duplos no jornalismo não desejam construir opiniões, querem-nas inatas; como tem medo do raciocínio, querem adotar um modo de vida em que o raciocínio e a busca exerçam tão somente um papel subordinado, em que jamais se procure exceto aquilo que já se encontrou, em que a gente só se torne aquilo que já era. E para tanto só há a paixão. Apenas uma forte prevenção sentimental pode dar uma certeza fulgurante, apenas ela pode manter o raciocínio à marte, apenas ela pode permanecer impermeável à experiência e subsistir durante toda uma vida.
O anti-petista escolhe o ódio porque o ódio é uma fé; escolheu originalmente desvalorizar as palavras e as razões. Como se sente a vontade, agora, como lhe parecem fúteis e levianas as discussões sobre os direitos do petista, ele se situou de pronto em outro terreno. Se concorda, por cortesia, em  defender por um instante seu ponto de vista, presta-se a isso, mas não se empenha; tenta simplesmente projetar sua certeza intuitiva sobre o plano do discurso.
É fato: o anti-petismo perdeu a eleição presidencial. Em razão disto, os anti-petistas se sentem sós. Todavia, o anti-petista é um homem que teme toda espécie de solidão, tanto a do gênio como a do assassino: é o homem das multidões; por diminuta que seja sua estatura, toma ainda o cuidado de abaixar-se, por medo de emergir do rebanho virtual e encontrar-se em face de si mesmo. Se ele se tornou anti-petista é porque não pode se-lo sozinho.
A frase “Odeio os petistas”, é das que se pronunciam em grupos nos bares e nas redes sociais. Ao proferi-la adere-se a uma tradição e a uma comunidade: a dos mediocres. Por isso convém lembrar que ninguém é necessariamente humilde ou até modesto porque consentiu na mediocridade. É bem ao contrário: há um orgulho apaixonado dos medíocres e o anti-petista constitui uma tentativa de valorizar a mediocridade como tal, de criar a elite dos mediocres. Para o anti-petista a inteligência no relacionamento com o eleitorado é petista; pode, por conseguinte, desprezá-la com a máxima tranquilidade, assim como todas as demais virtudes do filiado ao PT. O verdadeiro brasileiro, beneficiando-se de uma sabedoria capitalista ancestral, de séculos de tradição na lida com povos bárbaros, guiado por costumes comprovados que ajudaram a criar um Estado sem povo, não necessita ter a mesma qualidade que um petista.
O fundamento da virtude dos anti-petista não é e não pode ser a inteligência no trato com os eleitores. É antes a assimilação de qualidades depositadas pelo lavor de dezenas de gerações sobre os objetos que o circundam, é a propriedade. Mas trata-se evidentemente de propriedade herdada, não da que se compra.
O anti-petista concebe apenas um tipo de apropriação primitiva e territorial, baseada numa verdadeira relação mágica de posse, na qual o objeto possuído e o possuidor se acham mediante um laço de participação mística; é o poeta da propriedade fundiária. Transfigura a propriedade e a prove de sensibilidade particular e concreta; naturalmente esta sensibilidade não se dirige às verdades eternas, aos valores universais: o universal é petista, porquanto é objeto de inteligencia. Aquilo que este senso sutil apreende é, ao contrário, aquilo que a inteligencia não pode enxergar. Em outras palavras, o princípio do anti-petismo é que a posse de um objeto singular proporciona magicamente o sendo do objeto em questão. E este objeto é e só pode ser a nação.
Muitos anti-petistas - a maioria talvez - pertencem à pequena burguesia citadina; são funcionários públicos, empregados, pequenos comerciantes que nada possuem. Mas é justamente erguendo-se contra o petista que tomam súbita consciência de ser proprietários: ao representar o filiado ao PT como ladrão, colocam-se na invejável posição de pessoas que poderiam ser roubadas; já que o petista furtou-lhes o Brasil nas urnas, é o Brasil que lhes pertence. Por isto escolheram o anti-petismo como um meio de realizar sua qualidade de possuidores da nação.
A força dos anti-petistas reside justamente nesta mística da propriedade. Basta-lhes-á fomentar em si próprios uma cólera vingativa contra esses ladrões petistas e sentirão imediatamente a presença do país inteiro. Os verdadeiros brasileiros, os bons brasileiros são todos iguais, pois cada qual possui por si só, exclusivamente o Brasil indiviso. Dai porque, de bom grado, eu chamaria o anti-petismo de esnobismo do pobre. Parece, com efeito, que a maioria dos ricos utiliza esta paixão mais do que se lhes entrega: tem mais o que fazer. Propaga-se o anti-petismo pelas classes médias, precisamente porque não possuem terra, nem mansões, nem aviões, mas apenas dinheiro líquido e algumas ações no banco.
Há anti-petistas em todos os partidos, mas não me parece evidente que eles chegarão a constituir um partido. O anti-petista típico foge da responsabilidade como foge da própria consciência e, escolhendo para a sua pessoa a permanência mineral, escolhe para a sua moral uma escala de valores petrificados. Faça o que fizer, sabe que permanecerá no cimo da escala; faça o que fizer, o petista jamais galgará mais alto do que o primeiro degrau. Começamos a vislumbrar o sentido da escolha que  o anti-petisfa fez de si mesmo; escolhe o irremediável por medo da liberdade, a mediocridade por medo da solidão e, por orgulho, faz desta mediocridade irremediável uma aristocracia extratificada. Para efetuar estas diversas operações, a existência do petista lhe é absolutamente necessária: a quem, na sua falta, seria ele superior? Se por um milagre todos os petistas fossem exterminados, como almeja, reencontrar-se-ia o anti-petista como vigia de loja, advogado de periferia, médico que não gosta de trabalhar, artista em fim de carreira, policial ou militar aposentado numa sociedade capitalista fortemente hierarquizada, onde a qualidade de “verdadeiro brasileiro” estaria a preço vil, pois todo mundo a possuiria.
É evidente que a comunidade que o anti-petista invoca é a do tipo das multidões ou dessas sociedades momentaneas que nascem por ocasião dos linchamentos, ou dos escandalos. A igualdade nelas é fruto da indiferenciação das funções. O vínculo social é a cólera; a coletividade não apresenta outro fim exceto o de exercer sobre determinados indivíduos uma sanção repressiva difusa; em seu quadro, os impulsos e as representações coletivas impõe-se tanto mais fortemente aos particulares quanto nenhum deles é defendido por uma função especializada. Assim, as pessoas se afogam na multidão, e os modos de pensamento, as reações do grupo são do tipo primitivo puro.
Sem dúvida, tais coletividades não nascem tão somente do anti-petismo: um motim, um crime, uma injustiça podem suscitá-las inopinadamente. Mas constituem então simples formações fugazes que logo se desvanecem sem deixar vestígios. Como o anti-petismo deriva do anti-comunismo em voga nos anos 1930 e durante a ditadura militar pós 1964, ele foi capaz de sobreviver em estado latente durante o período em que o PT apenas disputava eleições presidenciais. Agora que o PT se mostrou uma alternativa duradoura de poder a comunidade primitiva reapareceu e começou a atingir a temperatura de fusão. O que se vê na internet é uma atmosfera de “pogrom” em que se invoca a “união de todos os brasileiros” contra o PT e contra os petistas.
Em vários websites os anti-petistas afirmam que querem um Estado forte? Na realidade, eles exigem isto apenas para os outros. Para si mesmos eles reclamam uma desordem sem responsabilidade. O anti-petista pretende colocar-se acima das leis, evandindo-se ao mesmo tempo, da consciencia de sua liberdade e de sua solidão. Recorre, portanto, a um subterfúgio: o petista participa de eleições, há petistas no governo, logo o poder legal está viciado pela base; ou melhor, não mais existe e é lídimo não levar em conta seus decretos; não se trata aliás de desobediência: não se desobedece ao que não existe. Assim haverá para o anti-petista um Brasil real com um governo real, mas difuso e sem órgãos especializados, e um Brasil abstrato, oficial, petistizado, contra o qual é mister erguer-se. Naturalmente, esta rebelião permanente é obra do grupo: o anti-petista não poderia em caso algum agir ou pensar sozinho. E o próprio grupo não poderia conceber-se sob o aspecto de um partido minoritário, pois um partido é obrigado a inventar seu programa, adotar uma linha política, o que implica iniciativa, responsabilidade, liberdade.
Isto explica porque os anti-petistas preferem representar-se como exprimindo, em toda sua pureza, em toda a passividade, o  sentimento do país real em sua indivisibilidade. Todo anti-petista é, portanto, numa medida variável, o inimigo dos poderes regulares; deseja ser membro disciplinado dentro de um grupo indisciplinado; adora a ordem, porém a ordem social. Poder-se-ia dizer que deseja provocar a desordem política a fim de restaurar a ordem social, e a ordem social se lhe apresenta sob traços de uma sociedade igualitária e primitiva de justaposição, a temperatura elevada, de onde os petistas seriam excluídos, expurgados, assassinados com a exibição dos seus corpos na Avenida Paulista (como afirmou um anti-petista na internet).
A autêntica liberdade assume as suas responsabilidades e o anti-petismo procede do fato de que ele se furta a todas as suas. Flutuando entre uma sociedade autoritária que ainda não existe e uma sociedade oficial e tolerante que ele desautoriza, o anti-petista pode tudo permitir-se sem temor de passar por anarquista, o que lhe causa horror. A profunda seriedade de seus objetivos, que nenhuma palavra, nenhum discurso, nenhum ato é capaz de exprimir, autoriza-o a praticar leviandade. Ele é moleque, comete travessuras, surra, purga, rouba: tudo pela boa causa. Se o governo é forte, o anti-petismo decresce, a menos que figure no programa do próprio governo. Mas neste caso, muda de natureza. Inimigo dos petistas, o anti-petista necessita dos petistas; anti-democrata, é um produto natural das democracias e só pode manifetar-se no quadro da República.
Os anti-petistas detestam a CF/88 muito embora a mesma lhes permita odiar. Eles querem destruir o regime constitucional que odeiam para ser livres. Mas de fato eles não são livres justamente porque se tornaram escravos de uma paixão primitiva que os desqualifica para o exercício do poder.
Espero que os leitores tenham gostado destas palavras. Mas sou obrigado a confessar aqui que elas não são minhas. Este texto é quase todo um plágio. Apenas os dois primeiros parágrafos foram originalmente escritos por mim. Os demais foram quase totalmente transcritos de um texto de Jean-Paul Sartre presente no livro “Reflexões sobre o Racismo”, Difel, São Paulo, 1968, páginas 6 a 19.
Como um bom plagiador, apenas condensei e reorganizei os parágrafos. Também adaptei alguns fragmentos às nossas particularidades culturais. Os vocábulos “anti-semita” e “anti-semitismo”, “França” e “franceses” presentes no original foram substituídos por “anti-petista”, “anti-petismo”, “Brasil” e “brasileiros”. Suprimi algumas passagens por serem inócuas para a finalidade pretendida. Os dados da realidade nacional foram por mim acrescentados ao texto Sartre para lhe conferir a necessária coerência.
Sim, eu agi mal. Mas sou um cínico sincero. Não deixei de confessar o malfeito. O anti-petismo é uma farsa eleitoral, uma doença jornalística e um plágio do anti-semitismo europeu. Portanto, resolvi ser farsante, plagiador e irônico. Encontrei no existencialista francês um duplo capaz de curar a doença espalhada no Brasil pelo ilustre morador da Avenue Foch.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá... Aqui há um espaço para seus comentários, se assim o desejar. Postagens com agressões gratuitas ou infundados ataques não serão mais aceitas.