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sábado, 5 de julho de 2014

O elitismo e a síndrome da ignorância política




Texto de Lidia Deslandes

Fonte: http://www.ligiadeslandes.com.br/09/02/2014/a-sindrome-da-ignorancia-politica/



Acabei de crer. Ignorância é coisa que muita gente tem medo de debater. Chego a essa conclusão lendo alguns comentários nas redes sociais. O que há de ignorância, estupidez, generalização, ausência de pensamento crítico e falta de noção em muitos desses comentários é algo impressionante! E a escolaridade não tem nada a ver com isso. É como se estivéssemos diante de uma nova síndrome, a Síndrome da Ignorância Política!

Para além das redes sociais, nos deparamos todos os dias com pessoas com as mais diversas escolarizações que se pronunciam de forma generalista e simplista sobre os assuntos que estão em voga na mídia. Esses dias conversando com um amigo, ele teve coragem de, a partir de suas experiências na empresa que trabalhou, fazer uma analogia da fuga de Pizzolato para a Itália e dizer que se fugiu, mostrou que é culpado. Comecei a argumentar de que ele ao ir para a Itália seria o único a ter condições de demonstrar todos os erros e problemas que aconteceram no julgamento da AP 470, já que o julgamento no Brasil foi totalmente político e não levou em conta as provas nos autos. Não adiantou… Em sua mente, a crença generalista de que quem foge é culpado está cristalizada. O que fazer! Ele, mesmo diante de provas contundentes da inocência das pessoas iria se convencer?

Outro dia, conversando com um taxista, desconstruí muitos dos argumentos que ele tinha sobre o Governo e o PT com outros argumentos. Mas, notei que suas crenças sobre o assunto, não foram totalmente abaladas. A generalização e o pensamento único prejudicavam sua forma de pensar.

Crenças!!! São com elas que a ditadura e a imprensa trabalharam habilmente para monopolizar as opiniões, colonizar as mentes. Para isso contaram com uma rede de integrantes entre muitos empresários e alguns  trabalhadores. Enquanto as esquerdas lutavam para restabelecer a democracia com duros embates contra as forças políticas internacionais e nacionais que queriam manter o Brasil dependente e subalterno a um projeto colonial de modernidade, a mídia formava as mentes para que esse projeto se desenvolvesse na sociedade a partir do próprio cotidiano das pessoas, segundo sua concepção de sociedade: Ricos cada vez mais ricos em detrimento dos pobres cada vez mais pobres.

Como esse conceito de sociedade poderia se alojar nas consciências? Onde estariam escondidas a inteligência e compreensão humanas? Onde teria ficado a tolerância e a solidariedade! De que forma a habilidade das pessoas em usar a mente para discernir se foi? Quando a capacidade das pessoas de conhecer a história e entender os movimentos sociais e políticos esvaneceu-se?

Fui ler Walter Mignolo e Enrique Dussel de novo para entender melhor isso. E compreendi o quanto foi providencial e eficaz essa inserção do projeto global colonial enraizar-se na vida cotidiana das pessoas. Tudo que temos hoje na sociedade foi criado e manipulado por um projeto global de capitalismo construído a partir das histórias de cada região e das histórias de vida das pessoas. A ditadura formou as mentes dentro desse processo.  O processo de democratização com todas as suas lutas aconteceu num ambiente legitimado pelas crenças que a própria ditadura colonial capitalista formou, com ajuda da mídia e dos oportunistas que assim como em outros países também temos aqui (para confirmar as palavras elitistas e preconceituosas de Reinaldo Azevedo, veja o site da própria Veja em http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/lula-novo-com-culpa-povo/).


Assim, é compreensível que o único partido que, de fato, foi construído em bases populares  não tenha conseguido eleger Lula como presidente por tantas vezes e só o tenha conseguido fazendo concessões à elite politica colonialista que governava há muito   tempo o país.

É compreensível que apesar de estar no Governo nesses dez anos, o PT ainda não tenha o poder de promover todas as mudanças que gostaria, nem tenha conseguido governar sem aparelhar a máquina pública com muitos de seus adversários e que até mesmo alguns que fizeram parte do projeto do PT fossem cooptados por seus adversários.

É compreensível também que as demais forças políticas de esquerda não tenham conseguido entender a dinâmica desse contexto e que lutem somente por se promover dentro do cenário político nacional, se aliando, muitas vezes, aos adversários políticos do PT contra o próprio PT.

Mas é notório que o projeto político que o PT está desenvolvendo há dez anos com todos os problemas oriundos das concessões feitas ao capital e à elite está preocupando as forças políticas capitalistas e coloniais a ponto de fazer com que essas forças desenvolvam novos mecanismos de ocupação do poder, entre eles a criminalização através do judiciário.


Isso não está acontecendo a toa. É necessário que façamos um esforço para uma análise mais aprofundada do contexto político, deixando de lado as ideias generalistas que a formação colonialista nos impôs.

Fazendo isso, é possível perceber que os grandes tesouros que o PT trouxe para o país, não foram somente as melhorias econômicas e sociais na vida do povo brasileiro. O PT vem desmascarando desde 2003 até o momento atual a hipocrisia do sistema político nacional e seus mecanismos de imposição de uma cultura colonialista no país.

Cada vez mais compreendemos que nossa história política e social esteve aprisionada durante longos anos nos porões da ditadura. Ainda não conseguimos nos libertar totalmente das mentiras e enganações que nos foram contadas nesse período, mas, estamos aprendendo a duras penas que precisamos fazer o rito de passagem para uma nova forma de política.

Nosso amadurecimento enquanto povo vem passando por algumas reflexões e conclusões, a partir das experiências nessa última década. Cito aqui algumas delas:

Parte da sociedade brasileira sempre foi racista e elitista e sempre se preocupou somente com seus privilégios.

A mídia corporativa sempre esteve ao lado dos poderosos para se beneficiar politicamente e economicamente e nunca esteve do lado do povo.
O sistema judiciário é um apêndice da elite colonialista, aparelhado para criminalizar os pobres e aqueles que os defendem e dar vida boa aos ricos e poderosos que estão há anos usufruindo das benesses do sistema.

Educação não é só escolarização. As experiências de vida se somam ao aprendizado. Assim, não basta ter-se escolas, mas, uma educação de qualidade comprometida com as necessidades do povo.

Grande parte dos empresários brasileiros nunca se preocupou com a sociedade brasileira, mas, somente com os lucros que eles poderiam usufruir, o que durante muito tempo deixou o país endividado.

Nosso sistema político faz com que nossos representantes fiquem amordaçados a empresários colonialistas.

Grande parte dos médicos do Brasil nunca se preocupou com a saúde da população, mas, somente com seus privilégios capitalistas e corporativistas.
Não se pode governar sem participação popular e apoio direto ao projeto de país que se quer construir.

Política não é coisa de políticos, é cidadania colocada a serviço da sociedade e do povo. A criminalização da política e dos partidos só serve à mídia e a elite brasileira.

Seria ótimo que pudéssemos aprofundar essas reflexões entre nós e em todo o país. Por mais que as redes sociais sejam realmente um belíssimo instrumento de discussão e contraponto a tudo que até então vinha formando a opinião de todos nós brasileiros, é importante que façamos o corpo a corpo com o maior número de pessoas possível, debatendo esses assuntos.

Eu por mim, irei construir a partir de março desse ano, em minha casa, um grupo para debater política e as possibilidades de transformações sociais e urbanas, uma vez por mês. Que outros possam fazer o mesmo ou pensem em outras alternativas possíveis.

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