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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Os dois pesos e medidas de Sheherazade, a representante da direita evangélica


Veja o vídeo abaixo e tire suas próprias conclusões sobre a "imparcialidade" da âncora do telejornalismo do SBT:



Segue, agora, textos de Silvia Mendes e Francisco Fernandes Ladeira, extraídos do Observatóro da Imprensa:

 Ao final, o editoral sobre o caso dos "justiceiros" e o rapaz negro e desnudado, preso ao "pelourinho" moderno, no jornal espanhol El Pais

A comentarista que assassinou a notícia

Por Sílvia Mendes em 11/06/2013 na edição 750



Tornou-se um formato comum na televisão brasileira, talvez nos rastros da norte-americana, o uso de comentário, obviamente opinativo, dado pelo apresentador do telejornal após a transmissão de alguma notícia. Boris Casoy desempenha esse papel há muitos anos e, além dele, uma série de jornalistas ganha reconhecimento devido às suas opiniões. No entanto, cabe questionar: quando o comentário contribui para a melhor compreensão do fato noticiado e quando o destrói, soterrando-o com palpites e julgamentos pessoais?

Mariana Gomes, 24 anos, foi a segunda colocada no processo seletivo da Pós-Graduação em Cultura e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense com projeto de dissertação intitulado “My pussy é poder”. Aborda a representação feminina através do funk no Rio de Janeiro, além de questões como identidade, feminismo e indústria cultural. Mariana concedeu entrevista ao Jornal do SBT em abril deste ano, durante a qual tentou explicar um pouco sobre de que tratava sua pesquisa. Apesar do leve ar de fait divers que povoou a breve matéria, a estudante se mostrou séria em sua fala e o repórter lhe deu a oportunidade de mostrar seu ponto de vista: “Onde muitos viam apenas uma mulher como objeto, Mariana viu um objeto de estudo que precisa ser aprofundado”.

Em seguida, a câmera retorna para a bancada do telejornal e a apresentadora Rachel Sheherazade toma a palavra para dizer que o funk carioca “fere seus ouvidos de morte” e representa o lixo das manifestações culturais. A jornalista segue criticando o projeto de pesquisa e sua autora e erra nas terminologias ao falar que Mariana faz uma tese de mestrado (em mestrado se produz é dissertação, já que tese é fruto de doutorado). Sheherazade ainda encerra perguntando: “Será que o assunto tem profundidade?”

Seria a polêmica intencional?

Tanto o projeto de Mariana Gomes quanto os comentários de Rachel Sheherazade não tardaram a repercutir nas redes sociais. Enquanto alguns concordavam com a jornalista, muitos atentavam para o fato de Mariana ter se sentido humilhada publicamente. A estudante, inclusive, publicou uma carta online, dirigida a Rachel Sheherazade e à equipe do SBT, na qual agradece a visibilidade, mas diz que colocaram sua fala em um contexto equivocado e que, ao comentário da apresentadora, faltou conhecimento sobre o tema. A opinião da jornalista não apenas prejudicou a imagem de Mariana, como também a ofendeu.

A relação entre jornalistas e fontes sempre envolveu questões delicadas. Ao mesmo tempo em que o jornalista precisa ser crítico e desconfiado sobre o que ouve, também existe um acordo silencioso de respeito mútuo – principalmente quando alguém lhe concede, despreocupadamente, o direito a uma entrevista. O que aconteceu com Mariana, ao ter suas palavras usadas contra ela para corroborar com o ponto de vista da comentarista, é uma complicação recorrente no jornalismo. No caso específico de Sheherazade, que já está famosa nas redes sociais da internet por suas opiniões radicais, é ainda possível levantar outra questão importante: seria a polêmica intencional? A jornalista se defendeu dizendo que foi contratada para apresentar suas opiniões, independentemente de quais sejam. De novo: a polêmica e a visibilidade são mais importantes do que a confiança que a fonte deposita sobre o jornalista? Outras questões ainda cabem: por que a opinião pessoal da jornalista é relevante? Por que o gosto musical da jornalista importa?

Quem fala o que quer...

Na internet, uma das frases repetidas sobre o episódio dizia que “alguns jornalistas têm o péssimo hábito de falar sobre qualquer coisa, mesmo sendo bem informados sobre quase nada”. Infelizmente, é o que se vê em vários comentaristas tanto de televisão quanto de rádio e veículos impressos. Há reportagens e matérias que pedem por um interlocutor que as interprete, papel que Carlos Alberto Sardenberg costuma desempenhar quando o assunto é economia e que Arnaldo Jabor desempenha para praticamente qualquer tema. Às vezes são comentários esclarecedores e que ajudam o público a melhor compreender os fatos. Noutras vezes, os comentaristas parecem atuar como assassinos da notícia, seja desmoralizando fontes, refutando informações, repetindo preconceitos e julgamentos pessoais. No entanto, é preciso levar em conta que uma opinião bem fundamentada é claramente diferente de um palpite emocional.

O papel do comentarista de notícias é nobre e necessário. Tem a ver diretamente com o papel do jornalismo, que é o de informar a todo tipo de indivíduo, mas também de esclarecer. Ao carregar consigo a etiqueta clara da opinião – sem as amarras da imparcialidade que as hard news demandam –, os comentários possuem o poder de libertar, de levantar o véu que porventura disfarça a linha editorial da empresa jornalística, ilustrar e interpretar acontecimentos complexos. No entanto, como em qualquer outra área do jornalismo, há critérios que precisam ser levados em consideração, tais como relevância, conteúdo informativo e verossimilhança.

O fato é que há bons comentaristas assim como há os infelizes em suas escolhas de palavras. Mas o público também possui capacidade crítica. Mariana Gomes pode até ter sofrido pelas palavras levianas de Sheherazade, mas a voz ensurdecedora dos internautas devolveu as críticas à jornalista que aprendeu uma das lições mais primordiais: quem fala o que quer...

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Sílvia Mendes é jornalista e mestranda em Jornalismo (Florianópolis, SC)

JORNALISMO E RELIGIÃO

Ateofobia no ‘Jornal do SBT’

Por Francisco Fernandes Ladeira em 23/07/2013 na edição 756

Nos últimos meses, Rachel Sheherazade,âncora e comentarista do Jornal do SBT, tem se destacado como uma das principais vozes do obscurantismo midiático. Para a apresentadora da emissora de Silvio Santos, o adultério deveria ser criminalizado, a homofobia doentia de Marco Feliciano é “liberdade de pensamento e expressão” e o programa Bolsa Família gera “parasitas sociais”.

Em uma determinada ocasião, ao comentar sobre a Justiça Federal ter negado o pedido do Ministério Público de São Paulo para retirar a expressão “Deus seja louvado” das cédulas de real, Rachel Sheherazadedemonstrou toda a sua ignorância civil:

“Liberdade, honestidade, respeito, justiça, são todos princípios do cristianismo. O mesmo cristianismo que vem sendo perseguido pelos defensores do Estado Laico. Intolerantes, eles [ateus e agnósticos] são contra o ensino religioso, são contra as cruzes em repartições públicas, e agora voltaram a sua ira contra a minúscula citação nas notas de real. É no mínimo uma ingratidão à doutrina que inspirou nossa cultura, nossos valores e até mesmo a nossa própria constituição, promulgada sob a proteção de Deus”, asseverou a âncora do Jornal do SBT.

Ora, conforme citado pela nossa Carta Magna, “é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. Portanto, pleitear a extinção do ensino religioso nas instituições escolares e a retirada de crucifixos em repartições públicas não é sinônimo de intolerância ateísta, como pensa Rachel Sheherazade, mas simplesmente reivindicar que o Estado não favoreça determinada religião em detrimento dos demais credos.

Proselitismo religioso e preconceitos reacionários

Pois bem, em um dos seus comentários (17/07/2013), mais uma vez os ateus foram alvo da verborragia conservadora de Rachel Sheherazade. A respeito do “desbatismo coletivo”, evento que tem o objetivo de questionar o uso de recursos públicos (cerca de 118 milhões de reais, segundo o jornal O Globo) para a visita do papa Francisco, a apresentadora teceu o seguinte comentário: 

Um pequeno grupo de ateus fundamentalistas prepara uma surpresa para o papa. Prometem fazer o ‘desbatismo coletivo’ contra aquilo que chamam de imposição religiosa. Esquecem, esses ateus, que o cristianismo é uma escolha pessoal e racional, no exercício do livre arbítrio, onde até o batismo de crianças católicas precisa ser confirmado na idade da razão. Mesmo assim, esses ateus pretendem fazer barulho e alertar contra ‘os males da fé’, afrontando o papa e milhões de fiéis em plena Jornada Mundial da Juventude. Esquecem eles que a intolerância religiosa é inadmissível neste país, que garante a liberdade de crença.”

O “desbatismo coletivo” não é um ato de radicalismo ou uma afronta a milhões de fiéis, mas uma maneira bem-humorada de questionar os motivos que levam um Estado laico a financiar a estadia de um líder de uma determinada religião. A título de exemplo, nas quatro vezes em que o Dalai Lama esteve no Brasil, suas visitas foram pagas por instituições budistas. Por outro lado, intolerância religiosa não é demonstrar publicamente suas ideias laicistas. Intolerância religiosa foi a Santa Inquisição, é ridicularizar credos de origem africana ou indígena e obrigar alunos agnósticos e ateus a rezar em sala de aula.

Para finalizar seu comentário retrógrado, Rachel Sheherazade deixou transparecer toda a sua ateofobia:
“Pobres ateus. Eles não sabem o que dizem. Inconformados e incomodados pela fé, protestando contra o que não acreditam, tentando em vão apartar o homem de Deus… Irônico é que, sem Deus, não haveria nem católicos, nem judeus, nem islâmicos, nem agnósticos. Nem mesmo os ateus.”

Obviamente, não estou questionando a crença da âncora do Jornal do SBTou de qualquer outra pessoa. Afinal de contas, vivemos em um Estado laico e a todos é garantida a plena liberdade religiosa. Entretanto, quando emissoras de televisão, que são concessões públicas e atingem milhões de telespectadores, são utilizadas para proselitismo religioso e para difundir preconceitos inerentes ao pensamento reacionário, devemos realmente nos preocupar. Não é atacando determinadas minorias, como tem feito constantemente Rachel Sheherazade, que se produz jornalismo de credibilidade.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em “Ciências Humanas, Brasil: Estado e Sociedade” pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG

Nosotros, los humanos verdaderos

¿Quién estaba desnudo además del chico negro encadenado a un poste por unos justicieros?



Tuve que escuchar el discurso del bien. El que relatan aquellos queencadenaron a un niño negro a un poste con un candado de bicicleta en el  barrio de Flamengo, en Río, el 31 de enero. Aquellos que cortaron su oreja, que arrancaron sus ropas. El que cuentan aquellos que defienden a los jóvenes blancos que torturaron el joven negro. Yo sé que los hombres y las mujeres que evocan el derecho de encadenar adolescentes negros en postes, cortarles la oreja y arrancarles la ropa porque se proclaman hombres y mujeres de bien – y hombres y mujeres de bien pueden hacer todo eso – están a mi alrededor. Me los encuentro en la panadería, los saludo en el ascensor, les agradezco cuando me permiten atravesar el paso de peatones. Ellos están ahí cuando conecto la televisión. ¿Pero qué es lo que dicen que es necesario escuchar?
El discurso del bien cabe en pocas frases. El Estado es omiso. La policía está desmoralizada. La Justicia falla. Ante esos hechos, y todos los hechos son siempre inquestionables en el discurso del bien, atar a jóvenes negros en postes con candados de bicicleta, cortarles la oreja y arrancarles la ropa es un derecho de legítima defensa de los ciudadanos de bien. Si quisieran torturar un niño negro, como hicieron, ellos pueden, asegura el bien. Si quisieran matarlo, ellos pueden, también. Y algunos lo hacen. Los niños negros no son niños. No se necesita investigación, no se necesita un juicio, no es precisa la ley. Los ciudadanos de bien lo saben, porque son la ley. También son la justicia. El niño es un marginal, es también un vagabundo, dice el bien. Y bandido bueno es bandido muerto, garantiza el bien. Si tú no piensas así, el bien tiene algo que decirte: haga un favor a Brasil, adopte un bandido. Simple, directo, objetivo. El discurso del bien se enorgullece de ser simple, se enorgullece de tener solo certezas. La duda entorpece el bien. Y el bien no debe ser perturbado. ¿Y cómo dudar de que encadenar a un niño negro a un poste por el cuello, cortarle la oreja y arrancarle la ropa es el bien?
Encuentro una explicación definitiva en el discurso de los justicieros amplificado en las redes sociales. Quien encadena a un joven negro a un poste, le corta un pedazo de oreja y le arranca la ropa – y quienes defiende el derecho a hacer todo eso – son los “verdaderos humanos”. Y también los “humanos verdaderos”.


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Adolescente amarrado a un poste con una traba de bicicleta. / Yvonne de Mello (Facebook)
Es una guerra, descubro, entre humanos verdaderos y humanos falsos.
En este punto, tengo una duda. Tal vez yo no sea una humana verdadera – o una verdadera humana –, porque además de esa duda sobre la veracidad de mi humanidad, aún tengo otra. ¿Qué vieron los humanos verdaderos – o verdaderos humanos – al arrancar la ropa del niño negro?¿Qué observaron al depararse con su desnudez? ¿Es posible que por eso que arrancaron sus ropas, para probar que él no era humano? ¿Qué sucedió cuando descubrieron que su cuerpo era igual al de ellos? ¿O no era? ¿Tal vez fue en ese momento que le cortaron la oreja, para marcarlo como a un humano falso, ya que Dios o la evolución no le habían providenciado esa diferencia en el cuerpo? ¿O basta el color, como ya dijo un pastor evangélico dedicado a los derechos humanos? Que perturbadora puede haber sido la desnudez del niño, al convertirse en espejo de los justicieros y dejarlos desnudos, mientras le golpeaban con sus cascos.
¿Quién estaba desnudo en esa escena?
Las dudas no hacen bien al bien. Por asociación concluyo que también hay periodistas falsos y verdaderos. Los falsos tenderían a creer que, en el periodismo, una opinión solo puede darse con información, pesquisa e investigación de la realidad – o no es una opinión para el periodismo, solo un vómito de palabras. Los falsos pensarían que, para hablar de las calles, sería preciso ir a las calles. Los falsos mostrarían que, quienes más mueren por violencia, en Brasil, son los jóvenes negros y pobres como aquel que fue atado a un poste por el cuello. Mostrarían también que las principales víctimas de violencia de todos los tipos están en las periferias y en las favelas – y no en el centro, mucho menos en las urbanizaciones cerradas. Los falsos se preocuparían por desmenuzar el contexto en que se produjo el hecho, explicar las raíces históricas que hacen que las mayores víctimas de violencia sean los negros y los pobres, comenzando por la abolición de la esclavitud que no se completó. Los falsos se esforzarían para revelar la complejidad de que una escena que remite a la esclavitud se repita más de 125 años después de la Ley Áurea. Los falsos buscarían analizar como la violencia es una marca de identidad nacional, presente a lo largo de la constitución de la sociedad brasileña – y que aquel que dice punir, en realidad se venga –. Los falsos sabrían que una imagen no desvela todo ni es toda la verdad. Los falsos sospecharían que defender el linchamiento, incluso el de humanos falsos, y abrir espacio para incitar al linchamiento en los grandes medios de comunicación podría considerarse una irresponsabilidad que descalifica el periodismo y reduce la prensa.

¿Qué  vieron los justicieros al encontrarse con la desnudez del niño?
Pero ese es el problema de los falsos. Ellos creen que la realidad no cabe en media docena de frases repetidas de forma diferente. Son falsos y son débiles porque dudan de las verdades absolutas. Los periodistas verdaderos no tienen ninguna duda, ni siquiera una pequeña. El mundo acaba en los límites de su propio mundo, aunque este sea una urbanización cerrada y aunque las pocas veces que salgan de casa sea en coche blindado, de un lugar protegido por guardias de seguridad a otro lugar protegido por guardias de seguridad. Los periodistas verdaderos conquistaron, porque son verdaderos, el derecho de establecer los límites del mundo y de hablar solo a partir de él. La alteridad, así como escuchar al otro y probar su argumento, hace mal al bien y también al periodismo verdadero.
Divague. Y las divagaciones no hacen bien al bien. La cuestión principal, la que abarca al resto, incluso la de los periodistas, es la de los verdaderos humanos – o de los humanos verdaderos –. También conocidos como ciudadanos de bien.
Aquí, exactamente aquí, yo tengo otra duda. Esa me perturba más. Percibo que, si estos son los humanos verdaderos, los que encadenan jóvenes negros a postes con candados de bicicleta, les cortan la oreja y les dejan sin ropa – así como los que defienden a los ciudadanos de bien que hacen todo eso –, mi tendencia es alinearme a los humanos falsos.
La distinción, sin embargo, permanecería. Con el tiempo, yo podría sucumbir a la tentación de considerar que los falsos son los mejores. Y, en seguida, tal vez osara decir que los falsos, en realidad, son más humanos que los otros. Y, luego, aquellos que no atan jóvenes negros a postes, no les cortan la oreja, no les arrancan la ropa – y aquellos que no defienden a los ciudadanos de bien que hacen todo eso – serían los verdaderos humanos – o los humanos verdaderos. Y yo me colocaría de su lado, como una apaciguada compañera de manada.
Pero sería demasiado fácil.
Difícil sería comprender no la diferencia, sino la igualdad. Difícil no es diferenciarme, sino igualarme, percibir en qué esquinas mi humanidad se encuentra con la del niño negro amarrado al poste y también con la humanidad de los jóvenes blancos que encadenaran al joven negro al poste. Para eso, necesito darme cuenta de que aquellos que arrancaron las ropas del niño se quedaron desnudos, sí, pero también me dejaron desnuda. Nos dejaron desnudos. Nosotros, que no simpatizamos con quién encadena jóvenes negros en postes, somos los que estaban en la escena, pero no aparecen en la imagen. Y por eso pueden esconderse mejor.
Es para eso que también sirve el discurso del bien. O el discurso del odio, si lo prefieren. Para que podamos confrontarnos a él y nos aseguremos no solo nuestra diferencia, sino principalmente nuestra inocencia. Para que podamos continuar viviendo en la ilusión de que hacemos algo para que niños negros no sean encadenados por el cuello a postes. En la ilusión de que hacemos algo para que niños negros no vuelvan, si alcanzan la vida adulta, hombres y mujeres que ganan menos que los blancos, que tienen menos educación que los blancos, que tienen menos salud que los blancos, que sean la mayoría que vive en casas sin saneamiento. En la ilusión de que hacemos algo para que las mujeres negras no sean las que más mueren durante el parto, ni sus hijos los que llenen las estadísticas de mortalidad infantil. En la ilusión de que hacemos algo para que jóvenes negros no tengan la entrada proscrita en centros comerciales, excepto para trabajar. El discurso del odio también sirve para que podamos confrontarnos a él y mantener intacta la ilusión de que hacemos algo para que jóvenes negros no sean los que mueren más y antes.

El discurso del odio sirve para asegurarnos no solo de nuestra diferencia, pero
principalmente de nuestra inocencia
Es necesario encarar nuestra desnudez ante ese espejo en el que la imagen, siempre incompleta, muestra solo al niño negro desnudo. Y renunciar a una cierta soberbia que hace que, en el fondo, creamos que somos nosotros los ciudadanos de bien – los civilizados contra los bárbaros –. Y que decir eso basta para un sueño sin sobresaltos.
La mayoría (79%), por lo menos en Río de Janeiro, según una encuesta del Instituto Datafolha, está contra encadenar jóvenes negros a postes. (El mayor índice de aprobación a los justiceiros se encuentra entre los blancos, los más ricos y los más escolarizados, y este es un dato importante.) Pero el poste es solo la imagen extrema, hiper real, con el que la mayoría convive, día tras día, sin darse cuenta de que debería ser imposible convivir con el hecho de que una parte de la población brasileña tiene menos todo, incluso vida. La abolición incompleta de la esclavitud está en todas las horas de Brasil. Si no fuera más conveniente ser ciego, observaríamos jóvenes negros atados a postes por el cuello todo el tiempo. Lo que la pandilla de jóvenes blancos, de clase media, hizo al encadenar al joven negro a un poste fue una interpretación literal de la realidad cotidiana. Porque su pensamiento es simplista, directo, objetivo, encarnaron lo que se expresa día a día de formas menos explícitas. Lo que los brutos realizaron, porque ese también es el papel de los brutos, es la materialización de una realidad simbólica con la cual convivimos sin inmutarnos. Al hacerlo, los justiceiros nos dan, de nuevo, la oportunidad de agotar nuestra omisión en una ruidosa revuelta, y volver cansados de la imagen para el sueño de los justos.
Los brutos no son la mayoría, por lo menos en ese caso, por lo menos en Río. La mayoría está contra encadenar jóvenes negros a postes, cortarles la oreja y arrancarles la ropa. Entonces, ¿por qué la abolición de la esclavitud aún no se completó en Brasil? Porque nuestra complicidad encuentra caminos para creerse inocente.
Somos los “no enterados esenciales”. El término es de Clarice Lispector,en el mejor texto que leí sobre la escena del niño negro atado por el cuello a un poste. Con el detalle de que fue escrito en la década de los 60 del siglo pasado. “Esa justicia que vela mi sueño, yo la repudio, humillada por necesitar de ella. Mientras tanto duermo y falsamente me salvo. Nosotros, los no enterados esenciales. Para que mi casa funcione, exijo de mí como primer deber que yo sea una no enterada, que no ejerza mi revolución y mi amor, guardados. Si yo no soy esa que se hace la tonta, mi casa se estremece. Debo haber olvidado que debajo de la casa está el terreno, el suelo donde una nueva casa podría levantarse. Mientras tanto, dormimos y falsamente nos salvamos. (...) Y yo sé que no nos salvaremos mientras nuestro error no nos sea precioso. Mi error es mi espejo, donde veo lo que en silencio yo hice de un hombre”.
Para hacer la diferencia es necesario diferenciarse. Pero solo se diferencia aquel que antes se iguala. Levanta los ojos y encara, en el espejo que es el otro, la enormidad de su desnudez.
Eliane Brum es escritora, reportera y documentarista. Autora de los libros de no ficción La Vida Que Nadie veEl Ojo de la Calle y La Niña Quebrada y del romanceUna Dos. Correo electrónico: elianebrum@uol.com.br. Twitter: @brumelianebrum


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