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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Filosofia, Drama, Ação, Existencialismo e Religião no filme “As Aventuras de Pi”



Carlos Antonio Fragoso Guimarães

Um filme muito profundo que não perde no quesito ação e beleza

                O menino Piscine Molitor Patel é filho de um casal de classe média da Índia. Nascido em um momento de transição política, vê sua região, antes dominada por franceses, ser novamente anexada à Índia, ocasião em que seu pai resolve criar um Zoológico a partir do terreno pertencente à prefeitura local. Seu nome estranho, Piscine Molitor, foi fruto da loucura de seu tio por piscinas, uma das quais, a Piscine Molitor, o encantou tanto que seus pais resolveram dar ao filho o nome da própria. Tal atitude acabaria por fazer o pobre menino, de início, ser alvo de bulling entre os colegas da escola, o que o faz querer superar tal vexame adotando o nome da 16 letra do alfabeto grego, Pi, que também constitui um número irracional, razão da circunferência pelo diâmetro de um círculo. Ele decora o máximo de números possíveis constituintes das casas decimais de PI após o 3,14... e acaba se tornando uma espécie de celebridade infantil. Este começo aparentemente simples é apenas a abertura de um dos filmes mais profundos e encantadores já feitos pelo cinema e que chegou às telas brasileiras como o nome “As Aventuras de Pi”, cujo título original é "The Life of Pi", dirigido por Ang Lee.

                O pequeno Pi, filho de pai agnóstico e de mãe hindu, ver-se imerso no universo religioso de seu pais mas acaba por conhecer o cristianismo e, neste, a figura de Jesus acaba por o encantar. Ele agradece a Visnhnu, uma das manifestações da divindade, ter tido a oportunidade de ter conhecido Cristo. Pouco depois, também se encanta com a forma poética do árabe ao citar os trechos do Alcorão e o filme todo, entre outras coisas, representa uma espécie de busca por Deus, incluindo a questão do porque do sofrimento. Aliás, é a história dramática e ao mesmo tempo iniciática de PI que leva um escritor canadense a procura-lo para que aquele conte sua história. Ele, de início, rir-se da possibilidade de que saber de sua aventura o levaria a aceitar a existência de Deus, coisa que, no fim da narrativa, uma única colocação de PI, após ter contado toda a sua aventura, parece ter conseguido.

                Um dos animais mais exuberantes do zoológico de seu pai era um tigre de bengala que possuía o exótico nome de Richard Parker. De início fascinado pelo animal, PI logo aprendeu, com ele, que a vida, em suas mais diversas expressões, não é só beleza: um tigre precisa matar outros animais para sobreviver. O choque desta “descoberta” o faz ficar mais cético quanto às questões da espiritualidade. Estes questionamentos e o choque inicial do “desencantamento do mundo” o acompanham na adolescência até que, na mesma época que se apaixona pela primeira vez, vê os pais tomarem a decisão de venderem os animais e se mudarem para o Canadá, buscando escapar de uma crise econômica que se abateu sobre o país natal. E é exatamente no percurso de navio entre a índia e o Japão que o navio naufraga e PI é levado a se autoconhecer através da tragédia, da dor, da descoberta da natureza e da possibilidade de integrar em si os lados racionais e instintivos, já que terá de tentar sobreviver com a companhia nada mais nada menos que de Richard Parker, o tigre de bengala, no mesmo barco salva vidas em que está.

                O diretor Ang Lee realmente consegue construir uma parábola poética, plena de imagens, de ação e de poesia durante o drama de sobrevivência de Pi e Richard.  
    Durante os mais de duzentos dias em que fica à deriva, PI é levado a pensar e reavaliar profundamente sua visão de mundo, sua visão de si mesmo e, a todo o momento, suas dúvidas sobre Deus e até onde o homem pode se tornar um animal e um animal apresentar traços humanos, e isso em cada um dos dramáticos acontecimentos que o cercam, da mais extrema violência e necessidade física ao mais belo amanhecer ou luar que se possa imaginar. O próprio perigo mais próximo, o tigre Richard, é exatamente o ser que o mantém vivo e entre os dois, Pi e Richard, acaba por surgir um vínculo que serve de metáfora para a necessária junção ou união dos opostos: o consciente-inconsciente, o racional e o instintivo, o bem e o mal... 

   Na Verdade, a  apresentação de dualidades em todo o filme é uma indicação de sua profundidade, pois é a metáfora  da unidade polar em tudo, a “Coincidentia Oppositurm” de Nicolau de Cusa e que, modernamente, Carl Gustav Jung tão bem adaptou como sendo o processo de autoconhecimento e diferenciação contínua do ser humano, chamado por ele de individuação, como manifestação, no aspecto psíquico, da busca da integração do consciente e inconsciente (o grande oceano misterioso e seus desafios, no filme - e nos contos e mitos -, também representa o encontro de PI com seus próprios fantasmas e capacidades inconscientes), em um âmbito íntimo que é expressão da própria realidade que parece paradoxal, mas que, na verdade, são características complementares de uma mesma realidade que se tona de fato Una e transcendental apenas em Deus, o Absoluto, que está para além dos conceitos, das metáforas, mas que é apreendido mais intuitivamente que pela razão. E no final do filme, ainda outra surpresa paradoxal-dual... que não irei revelar aqui para que o leitor que ainda não assistiu esta obra-prima possa ter sua própria experiência de descoberta.

                Qualquer que seja a concepção intelectual que fique após ver este filme, é provável que poucos sejam os que não sairão do cinema sem ter sido “mexido” de alguma forma com o que foi visto. Quer se seja crente ou ateu, racional ou emotivo, pragmático ou idealista, alguma coisa do que se vê e do que se é levado a pensar toca a fundo nosso eu mais profundo ao ver... as aventuras de Richard e Pi.


Trailler do filme:



Dados técnicos do filme:

Título original: Life of Pi
Direção: Ang Lee

Gênero: Aventura
Orçamento: US$ 120 milhões
Elenco: Gérard Depardieu, Irrfan Khan, Tabu, Suraj Sharma, Adil Hussain, Ayush Tandon, Tobey Maguire.

Um comentário:

  1. Muito bom, o filme. Sua análise nos ajuda a se interessar ainda mais para vê-lo e entende-lo. Parabéns! você é um gênio intérprete-intelectual.

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